Piso na macia manta de musgo
que se estende por toda varanda da velha casa que ninguém agora habita…
Da altura de quase um centímetro de minha
sandália de borracha, sinto o toque da umidade que o lodo cede à superfície por
causa do peso de meu corpo, esse é o máximo que posso me afogar no líquen do
limo, um breve e frio toque de água, um lânguido instantâneo e fino fio de água
cedida de dentro das entranhas da planta rasteira que toma todo o estreito
corredor.
De todo reino vegetal, que se espalha por
toda a orbe, que adentra na terra e alcança o céu, que vem desde os recônditos
inóspitos das florestas até dentro de minhas veias, a planta que mais me
fascina é o lodo…
Esse tapete veludoso, de um verde
florescente e forte, espalhando-se onde a umidade e o esquecimento se
instalaram, ali cresce o limo, o esperma do lótus, o campo das Ninfas, o verde das
ausências.
Vejo o lodo ganhar o corredor de minha casa,
ali onde pouco se pisa e o sol esquece de passar no inverno. Trilha por ali
calma e tediosa minha gata nos dias mais amenos, e por ali se deita desleixada
do limo quando o sono lhe recomenda.
Descendo pela escada íngreme, e virando a esquinela para a soleira da
casa de minha infância, sigo lento com a gatinha até o portão sem tranca que dá
para a floresta de lodo, aquele mar de matéria orgânica que animal nenhum faz
uso, mas é ali que me afogo um centímetro, é ali que a gata pisoteia com um quê
de seu asco felino a coberta fria e úmida de verde esmeraldina de inverso
valor.
Sigo o espírito sem por que da gata estar
ali e a gata me segue pela presença constante que ela me dedica em todos momentos
que decido percorrer caminhos que deleitem sua curiosidade.
O silêncio da velha casa vazia e trancada
emana e repercute no silêncio volumoso do chão que impede de me afundar até o
centro da terra. Excitado com um sentimento que não tem nada de sexual, retiro
meus pés da chinela de borracha e piso com as palmas lisas de meus pés de
sagitariano no lodo frio, eu sinto… a
textura… da inutilidade… Eu sinto… o toque… da imensa maciez…
Os pomos macios das patas da gata também
sentem o mesmo que eu, mas ela só se importa com o incomodo da umidade. A gata
não gosta muito do limo, mas me acompanha silente naquela comunhão com o
resultado do abandono.
Satisfeito, deixo o enfim o local do lodaçal
particular, em minha alma volte-ia lembranças nunca fundadas de palácios
decrépitos abandonados em terras esquecidas, sinto a brisa quase nula de
profundezas imersas em fossos amazônicos onde antigos templos agora repousam.
Vem-me á mente o espírito dos calabouços e necrópoles não visitadas de mundos
distantes, e por um instante estou a tocar todas as crostas de pedras que não
rolam das florestas frias das regiões quase árticas de meu próprio mundo.
O sol
ensaia sair às três horas da tarde, e sei que o lodo ali sofrerá um pouco com
isso, mas ele permanecerá até a próxima estação seca e fria. Então, depois,
daqui à alguns meses, eu e minha gata voltaremos para visitar o musgo que ali
ainda estará.