Ela o acordou antes do sol raiar.
Na penumbra do quarto tocou o corpo dele com uma força carinhosa.
Se debruçando sobre o corpo quente do marido, ela sussurrou perto do
ouvido, perguntando se já havia despertado:
- Tá acordado? Abre os olhos...
quero te falar uma coisa...
Ele espreguiçou, cedendo, espantando o resto de sono que ainda possuía, &
se virou totalmente para ela, acariciando sua nuca por entre as mechas cor de
canela.
Olhando-o nos olhos, o azul no castanho, ela disse:
- Ontem... quando fizemos amor...
foi a melhor vez da minha vida. Nunca vou esquecer, obrigada!
& libertou um sorriso singelo, enquanto os olhos dos dois se enchiam
de lágrimas que eram reivindicadas pelo nó em suas gargantas & a explosão
suave em seus corações, que expandiam além do bater, espremendo algo na alma
para que aquele pranto de felicidade se materializasse.
Ele a puxou mais para si, abraçando-a como se abraçam os que estão
deitados, dizendo entrecortado pelo nó que apertava & o laço que expandia:
- Oooo... branca! Eu que não tenho
palavras para agradecer tudo que você me dá!
& as lágrimas, gotas do humor erótico que permanecia desde as altas
horas daquela madrugada escorreram ainda mais. Eles as haviam chorado depois
daquele citado amor, & foram dormir logo, sem dizer nada, para acertarem
essa conta pela manhã, na qual ela não esqueceu & não deixou vencer ou
passar.
Pensando sobre seu prazer daquela vez, & sobre o prazer dela, ele
disse:
- Eu só imagino, não alcanço, o
que para você, é sentir prazer. Você me abraça com carne & calor, abraça
esse mínimo segredo do sexo, deixa-se ser penetrada, & dessa invasão colhe
o gozo. Isso, assim, para um homem não é lá muito agradável! – disse, &
riram juntos, baixinho, pensando sobre a condição de um homem ser penetrado,
esquecendo das implicações & dos detalhes que outros poderiam discordar...
Ele continuou:
- Nós, homens, eu, tiramos nosso
prazer do violar, mas isso para mim, quando te amo, já não basta. Eu quero te
penetrar não como quem invade, viola, fere... Eu busco desesperadamente entrar
em você como se sobrepõem duas transparências, ou como uma tinta que tinge a
água limpa...
Ele falava dos carinhos dispensados a ela, sementes de todo aquele
prazer que ela agradecia. Quando a amava, invariavelmente ele sempre chegava a
uma barreira intransponível, aquela que separa os corpos, a lei física que diz
que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço & no tempo. Ele
também sentia isso certas vezes, & se assombrou certa feita quando
alcançaram um nada aberto no fim do prazer.
Naquela noite... daquela vez... ele partiu para o amor já com essa
angustia no espírito, & procurou entrar nela não como matéria, mas como
energia, entrou não somente pela porta que diferencia macho de fêmea, tentou
desesperadamente penetrar nela pelos olhos, pelos poros, pelos cabelos, pela
pele, pelos ouvidos, por cada dobra do corpo dela, com beijos, inspirações,
mordidas, apertos tenros, & enfim, quando ela implorou, com beijos na boca.
& ela, passivo alvo da devoção de seu carinho, entendera, & se
abriu, o recebeu, sorveu seus toques, cantava a cantiga do gemido para guiá-lo &
tranquiliza-lo em sua desesperada busca, acolhendo-o, absorvendo a tensão de
ambos na busca do repouso.
Quando chegaram ao êxtase, finalmente saborearam um sentido, não o do
nada amplo, mas do restrito tudo, que se pode obter pelo impacto da carne sobre
a carne & da comunhão transcendente dos espíritos: transpirar, transpor,
trançar, transar, transir, transer, torpor, transe, transparecer...
& fora por tudo isso, por saberem se amar, por saber dar &
receber & ir além, que aquela tinha sido “a melhor vez” de ambos; eles copularam, se amaram, gozaram, não
como se fossem dois corpos, cada um com seu prazer, mas como se fossem um.
Um só... êxtase! & o êxtase, é o único infinito que um homem e uma
mulher podem conhecer...