A
Bomba com a qual nós, ‘cidadãos’ do Terceiro Mundo, temos que lidar & o
cenário geral da ‘civilização’ humana.
“A bomba atômica é o verdadeiro Buda do
Ocidente, um equipamento perfeito, desprendido, soberano. E imóvel ela repousa
em seu silo, a mais pura realidade e a mais pura possibilidade. Ela é a soma
das energias cósmicas e da participação humana nelas, a suprema façanha do
homem e ao mesmo tempo seu carrasco, o triunfo da racionalidade técnica e sua
superação na direção do paranoético. Com ela, abandonamos o domínio da razão
prática, em que buscamos fins através de meios apropriados. Há muita a bom não
é um meio para um fim; ela é o meio desmedido que ultrapassa todo fim possível.
Já não podendo ser meio para um fim, é preciso que se torne o medium da
autoexperiência. Ela é um evento antropológico, uma extrema objetivação do
espírito de poder que age por trás do instinto de conservação. Se a construímos
para nos ‘defender’, ela na verdade nos trouxe uma vulnerabilidade inédita. Ela
é uma consumação do homem na direção de
seu lado ‘mau’. Não podemos ser mais ‘maus’, mais inteligentes e mais
defensivos que isso.
De fato, a bomba é o único Buda que a razão
ocidental compreende. Sua calma e ironia são infinitas. Para ela, é indiferente
o modo como cumpre a sua missão, se em uma espera muda ou como nuvem de fogo.
Para ela, a alteração dos estados da matéria não conta. Assim como em Buda,
tudo o que se pode dizer é dito por simples presença. A bomba não é em nada
pior do que a realidade, não é nem um fio de cabelo mais destrutiva que nós.
Ela é simplesmente nosso próprio desabrochar, uma representação material de
nossa essência. Ela já é a encarnação de algo completo, enquanto nós, em
relação a ela, ainda estamos cindidos. Diante de tal máquina, considerações
estratégicas não têm vez. Ao contrário, o que é preciso é ouvir muito
atentamente. A bomba não exige de nós nem combate, nem resignação; ela exige
que façamos a experiência de nós mesmos. Nós somos ela. Nela se consuma o
‘sujeito’ ocidental. Nosso armamento excessivo nos torna completamente
indefesos, fracos até a razão, racionais até a angústia. A única questão
consiste em saber se escolheremos a via exterior ou a via interior: se o discernimento virá da tomada de
consciência ou das bolas de fogo sobre a terra”.
(in “Crítica da
Razão Cínica” de Peter Sloterdijk, pp. 191 e 192, editora Estação Liberdade)
Esses dois parágrafos de Sloterdijk me
levaram a fazer muitas considerações sobre a nossa presença sobre a face desse
planeta e sobre as possíveis diferença do indivíduo ocidental europeu e o
brasileiro.
Como é reveladora e brutal a percepção do
filósofo alemão do que é ser ocidental!
Para nós, reles brasileiros, um povo em que
as duas qualidades mais inferiores da matéria atuam plenamente, talvez seja
difícil ver a periculosidade da bomba atômica e dos arsenais nas mãos dos
governos.
Oficialmente não temos a bomba, mas temos
usinas nucleares. O aparato militar brasileiro é tão defasado e ridículo como a
mentalidade de nossos governantes, posso dizer que nossas forças armadas sofre
do martírio de corrupção que todo o povo permite que os homens lá de cima
defequem em nós.
Mas não é por esse viés que quero conduzir
minha reflexão, afinal “cada povo tem o governo…”
Sloterdijk escreve, baseado na verdadeira
civilização ocidental, Europa e Estados Unidos, que o “anti-Buda” do Ocidente é essa
engenharia técnica detida por países como a Alemanha, a Inglaterra, a França e
os E.U.A, entre alguns outros.
Ali nessas paragens se consumou o Ocidente,
e a observação que ele se consumou na forma de uma arma de destruição em massa
é significante.
Há muito tempo ouvimos a História nos
contar como a Europa cristã se desenvolveu, suas lutas, suas revoluções, suas
invenções, os impérios, os reichs, os papados, as aventuras da política e das
guerras, as criações culturais, etc., tudo para chegar aqui, na Bomba!
Para o filósofo alemão o status quo ocidental, toda elite mundial,
se caracterizam por uma particularidade muito peculiar: CINISMO. Assim, em
maior ou menor grau somos todos vitimas de uma sociedade extremamente cínica em
tudo que pensa, cria e habita. Tanto a civilização Européia e Norte-Americana,
quanto nós, a sub-civilização do ocidente.
Se aqui por essas plagas sudamericanas
carecemos da bomba, outras armas tão sofisticadas estão sendo usadas nas
últimas décadas. Ao contrário do “Buda do Ocidente”, meditativo e imperturbável
dentro de seu silo, nós somos vitimas cotidianas do “Cristo do Oriente”: as
armas financeiras, os mísseis da deseducação, o fogo “amigo” da corrupção, o
bombardeio incessante do fanatismo religioso supersticioso, a espada de uma
justiça taliônica mal distribuída por má-fé.
Outrora li em Jung e em outros pensadores
que o Cristianismo foi o fator predominante na criação do sujeito tal qual como
o conhecemos e somos, o indivíduo, aquele agente da realidade uno cheio de ego.
Quando Sloterdijk cita o Buda como emblema
analógico da arma nuclear ele quer buscar características que o indivíduo
ocidental justamente não possui, e nunca buscou possuir, essas características
que o Budismo apela aos seus seguidores, uma visão ampla de sua realidade
existencial que sistematicamente os membros de nossa sociedade não conhecem e
sequer entenderiam para por em prática.
Essas seriam aquelas três marcas da
existência que são: impermanência, sofrimento e não-eu. Ou seja, a
transitoriedade irrevogável da existência individual e coletiva, a
impossibilidade de contentamento físico e psíquico e a não localização no corpo
individual da fonte do sentido de auto-identidade. Além é claro, da plena
responsabilidade por todos seus atos, sejam causantes de coisas boas ou ruins.
O Buda significa ser justamente a
consciência que despertou para esses detalhes onde o diabo verdadeiramente
mora, e sabendo disso pode ver além de nossas incompletudes naturais para
galgar uma evolução rumo a outros patamares existenciais mais elevados.
Aí que penso: “puxa, como nós, dentro desta
nossa sociedade estamos tão longe disso!”
Os orientais de certa forma descansam a
mente um pouco mais próximo destas constatações. Coisa que os
“orientais-médios” estão longe de atingir, e os ocidentais nunca atingirão,
pois, devemos admitir, somos a outra polaridade da realidade psíquica humana
nesse globo.
Em nossa sociedade terceiro-mundista é como
se as bombas já tivessem explodidos, e algumas novas são detonadas
eventualmente, sem nenhum pudor, sobre as trincheiras de nossa sociedade que se
vê não em meio em uma guerra, mas em pleno e constante carnaval. Isso por um
lado amortiza o som do trovão da explosão, mas não detém de agir as ondas de
impacto, apenas as enche de purpurina, confete e sons de funk entremeados de
bíceps e bundas.
Se a bomba atômica é o grande totem da vida
da civilização, o Buda Imóvel no céu do Primeiro-Mundo, a bomba financeira é o
arlequim da sub-vida da sub-civilização, o Cristo Redentor de braços aberto do
Terceiro-Mundo.
Não é
por coincidência que a coordenação de pensamentos social, religioso,
profissional e cultural em nossa sociedade sejam dirigidas sempre para a
questão da prosperidade, da elevação da vida de favelado, da disporá dos
sertões do nordeste. Aí se introduz o nosso cínico-mor, o Especialista, um
diplomado, na maioria das vezes jovem, que aparece na televisão e no rádio
dando “dicas” de como fazer isso ou aquilo, o que comer, quando comer, o que
vestir, como combinar peças de roupas, onde ir passar o fim de semana, etc.
O “Especialista em…” é o parco admoestador
das pessoas em uma sociedade emburricada pela escola, pelos meios de
comunicação e pela democracia eleitoreira que estamos subjugados. Eles têm dica
para tudo, já que estamos perdendo a capacidade de ter opinião própria.
E o pior que isso, nossos “formadores de
opiniões”, aqueles que escrevem em jornais e revistas e dão aula nas
universidades não passam de corriqueiros piadistas sorridentes ou decadentes
pensadores auto-exilados que nos apresentam o que é idiota ou não em termos de
política e cultura usando o nível da implicância como método de divergência e
contestação.
Em bom e evidente termos, esse tipo de
esclarecedor é justamente o que merecem nossos políticos e sociedade. São
filhos de uma dinastia de oposicionismo que seguiu carreira herdando o que foi
por muito tempo a única saída do povo para criticar seus governantes, o
humorismo.
Não gosto nenhum pouco da seriedade
política, da pompa e circunstância burocrática da dos juízes e dos senhores da
verdade que pululam a baia dos telejornais em entrevistas coletivas, em
declarações oficiais e boletins econômicos, porém esses vivem bem, enquanto os
raivosos que saem nas ruas ou defendem suas siglas políticas almejam viver das
benesses do Estado também. Ambos, os sérios e os raivosos, os baileiros de gala
e os festeiros de carnaval são todos iguais, eles são a representam do cinismo
burguês que conquistou a face da Terra.
É na mão de ambos que estamos, todos nós,
pagadores de impostos, vitimas de especialistas em arrumar meias e cuecas em
malas, ouvintes de crônicas sobre corrupção e assassinatos das rádios, leitores
das colunas sociais, acusadores no facebook, etc.
O Cristo Oriental é justamente o influxo de
“jihadismo” em nossa sub-sociedade, e os homens-bombas especialistas e
recordadores de prazos de vencimento de impostos que aparecem em cada
tele-jornal regional ou nacional, os nutricionistas de beldades e os
decoradores de bairros (cinturões de pobreza) simples, são todos seus discípulos xiitas.
A guerra santa que estamos mergulhados é a
luta incessante por um cargo em concurso público, uma sequência de números
premiados na mega-sena da virada, um aumento de pouco-porcentos no salário dos
aposentados… ah! a louca fixação que nosso povo tem pela previdência social é
muito reveladora, ela revela o tamanho mínimo de nossa indignação…
E tudo nessa guerra santa travada contra o
povo é emendada à sacrifício nos altares de cada seita cristã espalhada aos
punhados por cada bairro no país. Dali provém orações e promoções de informação
em forma de livros que querem fazer reviver antigos e agora inócuos termos
gregos ressuscitados ou relatos de vidas que
emergiram da descomunal supersticiosidade anímica elevada para a podre loucura por dinheiro em nome do merecimento
perante Deus.
Se a sombra do Buda Atômico Ocidental paira
sobre a Europa e os E.U.A, se ela diz quem aqueles povos são, a sua
“consumação” como sujeito histórico, então os povos do Brasil, da África estão
debaixo não de uma sombra aprazível, mas submersos por uma onda de cinismo
financeiro que agora sai daqui e começa a penetrar também naquelas sociedades,
levando o Cristo Tomista Oriental.
Assim a vida sócio-cultural do terceiro
mundo é uma inversão das disposições que Sloterdijk viu como as duas vias de
saída para a questão da bomba: a via
exterior ou a via interior.
Em nossa sociedade a bomba já explodiu,
então não temos mais a chance de ter paz, e tão pouco a distensão seja recurso
algum, NÃO RESISTIR é justamente nosso grande crime, nem escolha o é.
É assim que adentramos no cenário geral da
humanidade. Como vitimas de uma cruel guerra interna e que quando olha para
fora, ainda temos que lidar com os fatores de uma guerra maior, niilista até o
caroço, que os donos do mundo travam hoje na Síria, no Oriente Médio e planejam
levar até a Coréia do Norte. Os estranhos fatos da doença de Fidel Castro,
Lula, Cristina Kishner e Dilma Rousseff e do falecido Hugo Chaves apontam o
dedo tenebroso do cinismo-CIA dando suas cartas no mundo também.
O fundo pessimista que revolvo se dissolve
só quando começo a mirar o verdadeiro esclarecimento, o qual alcanço com
esforço, e que meus semelhantes sequer querem ou podem perceber. O fundo
pessimista de minhas palavras é uma expressão de otimismo dentro do cenário
geral de minha situação de vida, no lugar onde vivo e com as pessoas que
convivo. E pode o ser para os outros também.
Apesar deles não se importarem com todo mal
que fazem a si e a generalidade, o fato de o ser pensante-critico ser um
“fulcro” no meio disso tudo me enche da irônica alegria de poder ainda almejar
uma fileira de pessoas inadaptáveis à esse mundo.
Essas pessoas, das quais creio fazer parte,
de alguma forma são a fissura na rocha monolítica que se tornou nosso mundo,
somos aquela falha na marmorea lapide da tumba ocidental que é o terceiro
mundo. Como diz o poeta: é por essa
fissura que a luz entra!
Nós não precisamos de seriedade nem explosões
atômicas, nem ao menos precisamos da possibilidade da severidade e da
possibilidade da devastação para nos definir. Não somos nem burgueses cínicos
ou punks bad-boys automutiladores, como observa Sloterdijk nos ícones culturais
ocidentais que glorificam a feiúra e ganham muito dinheiro com isso.
Podemos nos declarar apenas pacíficos, e
seria essa a nossa natureza. Não alienados ou entediados, não pelegos ou desnaturados.
Não é à toa que ao ler Peter Sloterdijk eu me recordo muito de Hakim Bey, que
no seu libelo “Caos” define o sujeito paria dessa sociedade ocidental como a “criança
selvagem”.
Em cada linha Bey parece prefaciar ou
concluir o que nem Sloterdijk teve coragem de propor, talvez por ser alemão,
talvez por ser professor de filosofia, talvez seu ponto de encontro idealista
seja o Taoismo de Chuag Tsé, mais evidente ainda, o “Kynismo” de Diógenes, como o próprio alemão se apega em seu esforço
de esclarecimento e separação semântica.
Mas a linha de definição que eu mesmo
estava procurando para buscar definir “meus iguais” é ditado por Bey, é ele que
descaradamente tem a coragem de enaltecer o Vagabundo. Assim o “vagabundo
esclarecido” seria esse sujeito histórico que Sloterdijk recomenda?
Seria essa impertinência que eu loucamente tento
rogar como a fissura na pedra do templo do ocidente? Acho que sim!
A característica desse dissidente é
justamente dizer SIM, e não cair na negatividade constante do NÃO como faz
querer pensar os ideólogos cínicos de nossa sociedade, pois enquanto estamos a
dizer “não”, “basta”, etc., o sujeito histórico adentra na lida política
negativamente, e esse é o processo que usa justamente os “formadores de
opiniões” playboys risonhos das revistas semanais patrocinadas pelo próprio
governo que atacam.
Na crítica do NÃO se acomoda passivamente a
“posição” e a “oposição”, os quais por sua vez dominam o poder através do
evento das eleições periódicas.
Já aquele que diz SIM não participa desse
“jogo”. Eles começam paulatinamente a recorrer ao “não-governamental”, à doação
de tempo em movimentos sociais que não precisam de estardalhaço midiático nem
espaço nas digníssimas “redes sociais”. Os que dizem SIM simplesmente se reúnem
com seus iguais e falam de coisas humanas relevantes, política verde, poesia, filosofia,
esportes, tecnologias limpas, coisas extremamente pequenas que podem mudar as
pessoas a partir da proximidade da parceria, não da massificação.
No dizer SIM está presente um genuíno AMOR
ao que se quer mudar ou ajudar, sem preceitos religiosos hierárquicos ou
financiamento público-privado. Coletivos em oposição à “rede social”, por mais
que ainda tenham cabecinhas eufóricas dedicadas a visar a propaganda, crendo
alienadamente que qualquer mudança como as das “Primaveras” que vimos no mundo
tivesse mesmo partido da iniciativa de pessoas comuns.
Já vimos o que se tornaram essas
“Primaveras”. Depois do espanto dos ancoras dos telejornais tentando incutir
que ali houvesse revoluções “do bem” brotando, o que hoje há é uma onda de violência,
de revanchismo e reacionarismo, além do abandono à reles sorte do canhão dos
seres humanos que ali estão, como é o caso da Síria, pois afinal todo esse
movimento nunca foi feito visando a vontade do povo mesmo.
No Brasil se ensaiou um movimento altamente
mimético de “Primavera”, e o que temos agora, quase um ano depois é tudo igual,
a corrupção desenfreada do Congresso e dos Políticos em geral, uma Copa e uma
Olímpia, ambas irrevogáveis, pois são negócios de “gente grande”, e a
repercussão de que o crime organizado instalou agentes de desordem no meio das
passeatas afugentou os que gritam “não” e “basta” rapidamente.
Mas não me preocupo, não são eles mesmos
que fazem a diferença nesse mundo!
Nesse no (terceiro)mundo ao inverso, a
sociedade, o povo, não tem mesmo nenhuma Bomba para barganhar o medo contra o
governo. Na guerra disseminada nas camadas sociais agora a luta é do sério
cristão verso o vagabundo espiritualista, e nada mais pode salvar o fio
evolutivo de nossa raça, nossa “civilização” brasileira, a não ser o
impertinente desamparado sábio das ruas, as pessoas de alma razoável, engajados
em um AMOR DE SI. Contra tudo e contra todos!