“Nesse mundo agora você mata ou
morre, ou você morre e mata!”
O Governador
Dentre os programas populares da TV atualmente, aquele que o êxito de
audiência mais me causa curiosidade é o da série “The Walking Dead”.
Já escrevi aqui nesse blog que o cinema e a TV têm em nossa sociedade a
função de exteriorizar os anseios conscientes e inconscientes de toda nossa Civilização.
Os filmes, séries e novelas proporcionam às pessoas uma catarse que outrora o
teatro de tragédia grego veio a proporcionar aquela sociedade, e mais, além
disso as produções atuais são um espelho fiel dos ímpetos maiores de nossa
sociedade, materializando aventuras, romances, visões do futuro e apelos
espiritualistas do conjunto de nossa psique.
O cinema e as séries de TV trabalham então com os arquétipos,
individuais e coletivos, para poderem se aproximar da afeição do público, e em
retorno, as pessoas se ligam aos temas dessas produções, introjetando-as em
suas vidas cotidianas, o que ao final remete a uma síntese cultural ampla que
muitas vezes repercutem de forma profunda nos anseios humanos, revelando-os,
reverberando-os ou até moldando-os.
A estranha catarse proposta pela série “The Walking Dead” aponta então
para uma forma diferenciada de purgação popular e alia a si um anseio muito
obscuro e essencial da mente humana na atualidade, o que quero tentar abordar
neste texto.
O sucesso de filmes de terror é entendido como um produto que vem suprir
a necessidade humana de sentir medo e se relacionar com o sobrenatural. “The Walking
Dead” inovou desde o início tratando do tema “mortos-vivos” de uma forma
extensa em duração cinematográfica, graças ao formato ‘seriado’, o que agradou
de imediato os fãs desse subgênero do terror nomeado “filmes de zumbi”.
Baseada em uma série de quadrinhos (HQ), a série de TV ganhou
notoriedade pelo alto grau de dramaticidade, violência e morbidez, talvez
jamais desenvolvidos nos longas metragens do gênero, não poupando até crianças
de interpretarem as situações limites que os temas referentes ao assunto requerem.
Então, além da função de entretenimento a que se destinam os filmes e
séries, qual seria a mensagem psicológica subentendida que “The Walking Dead”
traz ao público? Com que fatores das querências humanas atuais ela remexe?
Fazendo parte de um extenso segmento de produções populares do gênero de
terror, algo que talvez se infiltrou no gosto popular via o clip da música de
sucesso “Thriller” de Michael Jackson, o subgênero Zumbi produziu notórios
filmes cuja reflexão sempre leva à questões da Extinção da Civilização e da
Raça Humana. Um ponto interessante que se nota nesses tipos de películas
especifica é que a questão do sobrenatural raramente é relacionada ao tal “Apocalipse
Zumbi”, apesar do termo “zumbi” em si derivar de uma fonte espiritual, na
crença dos nativos de Angola, onde estes seriam o espírito de um morto que
aparecem a alguém em um sonho; ou em sua distinção mais popular, quando aparece
ligado à religião Voodoo, onde crê-se que tal ser seja um defunto que retornou
à vagar pelo mundo graças à poderosos feitiços.
Porém, na maioria dos filmes, os recentes principalmente, o processo de
“zumbificação” humana é relacionado às
questões cientificas, e é esse o caso que é sugerido em “The Walking Dead”,
colocando assim de vez o tema básico da série e os filmes com esse tema em
geral como um fenômeno profundamente relacionado com a cultura Norte-Americana,
onde há grande inferência popular a respeito de armas bacteriológica, controle
populacional através de doenças propagadas por abelhas, etc.
Em “The Walking Dead”, alias, na versão original em inglês, nunca se usa
o termo ‘Zoombie’ (zumbi em português) para se referirem aos “mortos-vivos”,
usando por sua vez termos como “mordedores” ou “errantes”, os “walkers” que remete
o título da série, que notoriamente não foi traduzido ao se vender o produto
para a TV brasileira, o que manteve seu caráter cultural original intacto no
imaginário nacional.
De tal forma que “The Walking Dead” adentra nos meandros da ficção para
simular a terrível realidade de um grupo de sobreviventes lutando pela vida em
um mundo onde uma praga mortal foi espalhada pela face do planeta, e todos os
vivos também estão contaminados pelo que quer que seja que faz com que voltem a
se erguerem depois de mortos, daí os “Walking
Deads” serem os que ainda estão vivos, e não os que já morreram e tornaram
a se erguer.
A série obtém sucesso em retratar a luta pela sobrevivência das pessoas,
fugindo pelas estradas desertas, adentrando em cidades fantasmas e vasculhando
estabelecimentos comerciais em busca de alimentos, armamentos e combustível,
tudo com o perigo imediato dos “mordedores” à espreita.
Mas nessa situação, os vivos são os que se apresentam como perigo maior
à integridade física dos próprios sobreviventes, além do perigo representado
pelos mortos-vivos, que merecem mais cuidados e respeito quando se apresentam
em hordas, fora isso, o perigo iminente que representam é baixo.
É desse tipo de relação entre os grupos de sobreviventes que surgem as
relações mais dramáticas que pautam o roteiro da série. Cada grupo, agregado em
torno de uma liderança nata, se dispõe em caracterizar o que seriam as
sociedades ‘pós-apocalipse zumbi’, assim temos o grupo principal, parcialmente
nômade e parcialmente auto-exilados em uma prisão liderados por Rick Grimes; o
grupo da vila de Woodbury liderado pelo bipolar Philip Blake, o Governador; o
grupo de Atlanta liderado pela tenente de polícia Dawn, baseados em um hospital;
o pequeno grupo “messiânico” de Abraham; o grupo de caçadores urbanos de Joe, e
o grupo de canibais do Terminal de trens (Terminus).
Todas essas pequenas sociedades humanas disputam em dar um vislumbre do
que se tornaria a humanidade em tal situação.
A simpatia dos fãs da série se dá então justamente pelo caráter de
liberdade em que todas essas pessoas estão lançadas nesse tipo de realidade, e
a relação entre os sobreviventes revela o verdadeiro caráter de tal liberdade,
talvez a única liberdade possível para o ser humano: a Barbárie!
Assim o telespectador se liga à série e penetra no mundo de “The Walking
Dead” executando uma catarse com a barbárie, em nível plenamente obscuro, onde
a série atrai justamente esse lado mais obscuro da psique humana, não só pelo
caráter de morbidez, violência e medo, mas também por causa desse tipo de
irrevogável liberdade que indivíduo sadio nenhum talvez ouse pensar em querer
pagar o verdadeiro preço. Mas tal querência é projetada nas telas de nossas
TVs, alcançando grande audiência justamente por a humanidade necessitar
experimentar isto de uma forma ou de outra, assim, mais uma vez a TV cumpre tal
missão em disponibilizar tal catarse.
Conversando com fãs da série, eles sempre se entusiasmam pelo lado
aventureiro da estória, vagar pelas estradas e ruas em uma situação limite,
recolhendo alimentos e bens então inúteis, usando armas potentes para estourar
crânios dos mortos-vivos, dando vazão assim a um impedimento moral consciente de
desejar sair atirando na cabeça de gente viva.
Porém ninguém pensa nas implicações colaterais de tal estado de
amoralidade e liberdade, como por exemplo, que, para se chegar a tal situação,
poderiam ter pessoas queridas mortas de forma tão terrível, além do imenso
terror latente que tal realidade viria a proporcionar na vida de alguém. Esse
seria o preço de tal liberdade. Mas as pessoas estão livres de ter que pensar
isso, e se apegam só a um lado da situação, mas esse não é nem de perto o “lado
bom”.
O fato é que a série “The Walking Dead” revela que não há nenhum “lado
bom” em uma tragédia tal, mas mesmo assim ela angaria hordas de fãs.
Ao longo da série o espectador é levado a acompanhar aquilo que poderia
muito bem ser o “Die Irae”, o “Dia da
Ira do Senhor”, onde vai sendo aos poucos decomposta quaisquer esperanças que
se possa ter de salvação em um mundo daquela forma, os personagens mergulham em
uma espiral de desespero muito bem retratada pela situação do personagem
principal, Rick, e prosseguem até se depararem com os graus mais altos de
inumanidade, onde assassinato, loucura, infanticídio, canibalismo, ódio e
descrença espiritual são as regras para sobreviver, além é claro, da lealdade
ao grupo, tendo seus integrantes os defeitos que tiverem.
Ali a amizade, o amor e a paixão erótica são só um adendo raramente
mencionados, só para se aumentar a pontecialidade da dor da perda posterior.
Aqui, neste ponto, podemos entender o silêncio indelével sobre algo do tipo da necrofilia
não como a censura máxima impetrada à uma série de TV, mas como a própria
disposição da série em não dar brechas à nenhuma expressão erótica mais obvia,
o que só aumenta a indução de desespero ao longo da estória, onde nem o sexo
faz parte da cotidianidade.
Devemos fazer jus à série literária baseada na HQ em quatro volumes,
conhecida como a saga do Governador – ascensão e queda. Ali, sob uma tarja de “imprópria para menores”, passamos por
cenas de estupros revoltantes que a personagem Michonne é acometida. Sendo os
livros muito mais “pesados” que a série de TV, o sexo nela desemboca, via a
personagem Lilly Caul, em morte e aborto. Ou seja, em todo o universo de “The
Walking Dead”, o sexo é um apêndice tão grotesco como o massacre dos
“errantes”, a indução da fábula das mulheres menstruadas que morrem flagradas
por mortos-vivos no bosque liga definitivamente o sexo, via sangue, à grande ‘morte
zumbi’ naquela realidade.
É através dos personagens principais da série televisiva que se caminha rumo
ao nosso mundo real a mensagem contida em “The Walking Dead”.
Os personagens, que no começo da série carregam em si arquétipos comuns
e estereótipos facilmente reconhecidos, como o Cavaleiro Solitário (Rick), o
Selvagem da Motocicleta (Daryl), o Velho Sábio (Gale e depois Hershel), o
Asiático Inteligente (Glenn), o Negro Segregado (T-Dog), a Bela Donzela (Maggie),
a Inocente (Beth), o Infante Terrível (Carl), o Nêmese pessoal (Shane), a
Mulher Fraca e Forte (Carol), o Gigante Bondoso (Tyreece), o Samurai, a
Guerreira Solitária (Michonne), o Rei Louco (o Governador), e outros que vão
aparecendo ao longo da série como o Soldado (Abraham), o Gênio Tolo (Eugene), etc.,
todos eles vão sendo enterrados pelo desespero da situação geral em que se
encontram e acabam se transformando em outra coisa, outro ponto de referência
subliminar comum entre eles, que eu poderia chamar de ‘Bárbaros totais’.
A única exceção talvez seja a da personagem Michonne, que ao longo de
sua participação parece manter uma estabilidade emocional quase Zen, ligada à
referência oriental, samurai, que ela denota. Talvez Michonne seja colocada no
final da série como o símbolo da sobrevivente por excelência em toda a situação
da realidade dentro de “The Walking Dead”
(se ignorarmos o vaticínio bêbado de Beth, que Daryl sobreviverá à todos).
Curiosamente Michonne foi a única das personagens relevantes da série
que não passou pelo episódio simbólico-psicológico de maior profundidade no
começo da série, que foi o desaparecimento e morte da menina Sophia, filha de
Carol, no final da 2ª Temporada. (episódio “Praticamente Morto”)
Tratando de interpretar as séries e filmes como expressão do
inconsciente coletivo, esse episódio dentro da série não pode passar despercebido,
pois, por sua simbologia, ele carrega altos graus de implicâncias
subconscientes, os quais muitas vezes falam somente ao inconsciente das pessoas
comuns, caracterizando o jogo sincronístico que muitas vezes até os roteiristas
não percebem executar, e faz desse modo de expressão dramática um verdadeiro
espelho da humanidade.
Esse fato na série está incrustado na virada definitiva para o que será
a série “The Walking Dead” e o que ela vem a representar para as pessoas, e, ao
fim, a mensagem que tal produto cultural traz à tona.
Vamos ser direto. Sophia, em significado espiritual, representa a
Sabedoria, no Gnosticismo, a emanação da própria Sabedoria do Verdadeiro Deus,
é essa Entidade que está envolvida na criação do mundo, que de uma forma se deu
graças à sua queda no caos da matéria.
Assim, ligando com a personagem Sophia no seriado, a descoberta da morte
da garota significou o grande choque de realidade da série, algo como a própria
“Queda do Paraíso” do grupo liderado
por Rick e seus anfitriões na até então segura propriedade rural de Hershel.
A ausência definitiva de Sophia dentre os vivos enterra todas as
esperanças de uma vida ainda aprazível para os sobreviventes. É como se a
Sabedoria enfim se retirasse do mundo, deixando ele entregue enfim a algo como
a “mega agnoia” do mestre gnóstico
Basílides, a “grande ignorância” que cobrirá o mundo como um véu no “fim dos
tempos”. Perdendo toda Sabedoria, se esvai: a amizade (Rick mata Shane que tentava matá-lo), a razão (Gale morre pelo errante que Carl não eliminou), a confiança da
liderança (Rick sente-se culpado pela
morte de Sophia), e principalmente a fé (Hershel fraqueja em suas crenças morais e religiosas).
O impacto psicológico da morte da menina Sophia é tão devastadora para
os personagens, e é sentida também pelos telespectadores da série, cujo o
episódio é até então o mais emocionante dramaticamente da série ao final da 2ª
Temporada, e tal fato carrega em si toda uma guinada ao desmantelamento dos
arquétipos representados pelos personagens principais, círculo que só se
encerra ao fim da 4ª Temporada, tendo seu clímax no episódio “O Bosque”, que
quem assistirá saberá ligar prontamente, pelos motivos evidentes de sincronia
do enredo.
Todo este ciclo do final da 2ª até o final da 4ª Temporada expressam
então o mergulho simbólico que “The Walking Dead” leva seu espectador na busca
da mensagem da série, de sua Verdade interna, onde pelo caminho, se observa a
destruição interna psicológica de todos as personagens, mas, como assistimos em
“O Bosque”, a permanência da humanidade em seus corações passa sempre pelo
perdão, o auto-perdão também, pois só isso naquela situação demonstra a
diferença entre um ser humano bom e os ‘zumbis’ e demais “humonstros” que aparecem ao longo do caminho, na grande
estrada-de-ferro que leva ao “Terminal”.
Ligando os eventos da morte de Sophia e a insanidade em que está imersa
a menina Lizzie, é como se houvesse um intercâmbio de tensão entre a perca da
sabedoria e a faculdade de se agir contra a loucura, e essa tensão é pretendida
ser resolvida na série com o encontro do perdão mútuo diante de um mundo
barbarizado.
Tal destruição psicológica comum que abarca todos as personagens do
grupo, menos, é claro, de Michonne, que passa por outro processo de iniciação à
barbárie relatada por ela à Carl nos capítulos da 4ª Temporada, apontam para
iniciação de uma fortaleza mental dentro deste cenário de barbárie.
Assim podemos apontar a personagem da samurai de ébano como a inferência
da série sobre o ser humano que iria emergir de tal praga-zumbi, do fim da
civilização e da cultura. Sem laços familiares, ela é a bárbara que toma suas
escolhas conscientes mediante um mundo que a pôs em total estado de liberdade
dolorosa, sem família ou filho, sem laços amorosos, foi pelas suas mãos que
morreu o símbolo maior da loucura humana nesta realidade, o Governador.
Então ela dá a indicação psicológica, o apontamento, a sugestão de “The
Walking Dead” para a conduta humana em um mundo tal, que não deixa de ser um
espelho só um pouco embaçado da realidade em que vivemos hoje no mundo real,
onde o grau de barbárie é altíssimo, bastando se acompanhar os noticiários
regionais e internacionais para ver que a “morte
que caminha” bate nas nossas portas a muito tempo, não só à porta de nossas
casas com a violência urbana, a corrupção política e o mau zelo pelos bens
comuns do Estado, a disseminação de epidemias endêmicas, a violência contra as
crianças, animais e a Natureza, mas também às portas de nossa Cultura, como o
dito Estado Islâmico, as ditaduras regionais, o conflito Europa-Russia, sem
dizer sobre as catástrofes da natureza, que parecem alcançar um momento natural
de extrapolação com secas, enchentes, terremotos, etc.
No fundo “The Walking Dead” trabalha indicando então com uma espécie,
não só, de sobrevivência, e acima disso tudo que une em uma ponte simbólica o
Ocidente, feminino e negro, com o Oriente, na filosofia Zen-budista dos
guerreiros samurais, a síntese pesada e misteriosa que carrega a personagem
Michonne. Mas trata também da mensagem geral da aproximação da civilização
mundial de uma dança definitiva com a morte, e a série já se implanta assim no
imaginário popular como uma punição subconsciente desejada pelo ser humano
pelos males causados por toda a humanidade.
Na minha visão, punição mais exemplar não poderia acontecer ao ser
humano, ser obrigado a encarar nesse ponto crucial da História, mesmo que de
forma catártica, a morte que finalmente sairia de dentro dos vivos e se
abateria para lhes dar aquilo que nunca tivemos e não nos esforçamos em
alcançar de forma equilibrada e humana, a Liberdade.
Se esse sempre foi o anseio maior da humanidade, liberdade, independência
de tudo, seja do Governo, do Estado, seja da própria finitude imposta pela morte,
dos condicionamentos sociais e fisiológicos, as forças sociais que construímos
serviram justamente para nos privar de tudo isso também, além das imposições
morais, algumas absurdas, outras plenamente justificáveis e sadias, a liberdade
única que o ser humano poderia ter agora com uma sociedade tal como construímos
e permitimos seria finalmente a destruição de tudo isso e um apocalíptico ‘recomeçar do zero’, da barbárie
desumana onde só a funesta aceitação de nossa natureza como ela é, cruel,
institiva, mas que também comporta a função do Perdão, coisas que ainda poderão
nos distinguir dos agentes da morte.
Queira a sorte humana uma série de TV poder purgar-nos de tal sina, pois
é esse o trabalho da consciência quando constrói os meios e as possibilidades
de exposição de um show tal assim como “The Walking Dead”.
Esperemos por fim o derradeiro final do seriado e a conclusão formal
desta grande aventura. Pelo menos é o que devemos ver até o final desta 5ª
Temporada que se encerrará em meados de Abril de 2015, porém já se cogita na
net uma 6ª Temporada, e também uma série baseada na mesma realidade de “The
Walking Dead” com outros personagens. O círculo intuitivo que sairá disto tudo
será absorvido de uma forma ou de outra pelo inconsciente coletivo.
O fato é que perscrutamos aqui por uma verdade, uma mensagem emanada das
telas de TV através desta série. A que tipo de leitura subconsciente estou
querendo aqui entrever?
Outrora, no final do séc. XX, a trilogia “Matriz” apontou a solução
entre o impasse da crise entre Ocidente x Oriente e entre Trabalhadores x
Patrões, Pobres x Ricos, e os rumos da civilização humana como um armistício
eterno entre as partes litigantes, como aconteceu ao final de “Matrix
Revolutions”.
Os eventos do 11 de Setembro de 2001 e a crise econômica que se estendeu
desde então, jogaram por terra, graças aos senhores do poder mundial, qualquer
chance de paz armada também, impondo a guerra como única solução aos impasses
históricos das nações.
Agora, a resposta que nos apontará “The Walking Dead”, será a mensagem
de esperança a se apegar em outro patamar, inferior às chances de paz, mesmo
que seja armada, dos conflitos dentro da civilização, ela nos responderá no
nível subconsciente, mais pessoal do que nunca, se ao ser humano vai ser
possível ser, ainda, humano, mesmo diante de todos os males irreversíveis que
causamos ao mundo, à natureza, e à nossa própria psique, ou se a justa punição
se instalará no mundo, como subliminarmente mais e mais parecemos desejar.
Talvez o impasse resolvido pelo seriado seja a um nível tão sutil, já
que ela denotou a perda da própria Sabedoria, que nós estejamos enfim mesmo nas
garras dos estertores que nos puxarão de vez para as irrevogáveis trevas finais
do Kali-Yuga.
Suportar a mensagem de “The Walking Dead” significará suportar, da forma
mais humana ainda possível, a dissolução de nosso mundo atacada pelas hordas de
mortos-vivos da política, da religião, da economia e da pseudo-civilização,
pois como demonstra o sucesso de audiência da série, nós não temos mais forças,
enquanto sociedade, de resistir ao encanto macabro da dissolução violenta de
tudo que nos oprime e nos desvia da beleza da vida.
***
Pos-dictum:
“
VII SERMONES AD MORTUOS
Sete Sermões aos Mortos
Sete exortações aos mortos, escritas por Basilides,
em Alexandria, a cidade onde Oriente e Ocidente se encontram.
O
PRIMEIRO SERMÃO
Os
mortos retornaram de Jerusalém, onde não encontraram o que buscavam. Eles
pediram para ser admitidos à minha presença e exigiram ser por mim instruídos;
assim os instruí:
Ouvi:
Eu começo com o nada. Nada é o mesmo que plenitude...
”
Carl Gustav Jung
In “O Livro Vermelho”