Ao longo da História humana o pensamento
voltado para si construiu aquilo que conhecemos como Filosofia. Assim como
asseveraram os antigos pensadores sobre os deuses, que primeiro veio Caos, e só
depois Amor, do mesmo modo então, no rol dos saberes humanos, que deviam ser
nossos únicos deuses, primeiro veio a Filosofia, e logo depois, a Educação.
Assim, depois de engendrada e posta para funcionar, a máquina filosófica
lançou-se destemidamente a usar da interdisciplinaridade para alcanças seus
objetivos educacionais dentro da sociedade, o deus louco do caos se
metamorfoseou para se tornar o deus louco do amor, de tal forma que em uma
síntese sedutora, caos e amor deram a luz à Sophia, a deusa da Sabedoria, nem
tão louca, nem tão racional, como a quer os mais cautelosos.
Em sua gênese ponderada, a educação tem o sentido de “por para fora”,
seja um parto, uma fuga da caverna ou um expurgo catártico. Educação sempre foi
um processo traumático em sua essência, isso porque, desde cedo também foi
percebido, que no mundo, circulava uma nota desarmônica, de irracionalidade,
possuindo todas as coisas em seu estado natural, inclusive o ser humano e suas
potências mentais.
Da relação próxima entre Filosofia e Educação, a primeira, não como mãe,
mas como madrasta, não permite que a segunda, sua pupila, se torne dogmática, ou
muito menos, se cubra da função de adestradora dos seres humanos, afinal, mesmo
esse sendo um animal, ele é racional.
Nos dias de hoje então, depois da longa história do desenvolvimento das
filosofias, e se pretendendo lançar um olhar de reflexão sobre a própria
educação humana e social com bases no que mais de sublime o pensamento pode
pensar e a educação pode educar, sob o professor, o mestre, o pedagogo, a
Filosofia vem então qualificar esse que é o supra-sumo de todo e qualquer
sistema educacional, para que ele não se estagne dedicando-se apenas à
transmissão técnico-científica para qual se preparou.
Viu-se, dentro de uma sociedade que seja ainda que só um pouco
consciente de seus perigos, a necessidade de se formar mais do que técnicos em
educação, especialistas em disciplinas isoladas, mas que esse indivíduo tenha
ao menos uma chance de ser original, na medida de sua potencialidade, até
genial. Isto é reconhecer, mesmo que talvez inconscientemente, a grande
potência que é o ser humano.
Com a Filosofia da Educação se abre espaço então para que um professor
de química, de física, de gramática, etc., tenha também respaldo para
influenciar o aluno em política e na reflexão sobre o que seja a existência.
Agregando a Filosofia ao currículo do pedagogo (que é um termo filosófico para professor), convida-se esse à uma
purificação, não, antes, à uma iniciação para a autoreflexão, o que lhe
permitirá então estar livre para conduzir também o aluno à esse nível de
existência mental.
Se exige para isso, não a Filosofia, mas a Filosofia da Educação,
tirando da própria Filosofia, mais um dos tantos pesos que ela carrega, desde
que assumiu naturalmente a responsabilidade de esclarecer o ser humano sobre
sua condição no mundo.
Tal gabarito educacional possibilita então uma relação humana possível
entre aquele que está aberto a ensinar com aquele que está aberto, ou deve ser
aberto, à aprender. Desta forma se introduz na educação um jogo superior, um
jogo satisfatório tanto para o professor quanto para o aluno, denota um
respeito para com o processo de ensino.
Esse jogo está presente desde o surgimento da Filosofia como método de
ensino, com Sócrates e latão, onde a finalidade do filosofar era a condução,
via Maiêutica, de o “professor” fazer com que o “aluno” fizesse vir à luz
aquilo que ele já sabia.
É claro que há nesse processo um pouco de cinismo do que vem a ser o
“ensinar” de Sócrates, a saber, que o professor já sabe o que é a verdade, o
conhecimento correto das coisas, e que astutamente conduz todo o processo
maiêutico para um fim premeditado. Munido somente de ignorância, Sócrates
desmantelava ironicamente seu “aluno”, assim como uma parteira sabe exatamente
o que retirará do útero no final de sua atuação, não sem dor, sangue e emoções
contraditórias...
Assim, a Filosofia da Educação ratifica essa visão de ensino. Para isso
é preciso então que o professor seja instruído na “arte subversiva” de conduzir,
ele deve se munir conscientemente de todo o estofo produzido pelo pensamento
humano até os dias de hoje, pelo menos de seus pontos chaves, seus gatilhos.
Bebendo na própria fonte, essa água saciará não só sua sede de saber mais
original, mas também o respaldará quando diante da classe de aula, possa, não
afogar os alunos, mas ensinar o caminho dessa fonte.
Seria assim interessante o candidato à pedagogo despir-se de todo
idealismo banal, resguardar para si a realidade sagaz sobre a Filosofia (que ele, o professor, já sabe das coisas,
mas... será que sabe mesmo? Aqui se revela a condição de ignorante emanada por
Sócrates!), para assim poder sinceramente propor ao aluno adentrar no Jogo
de Aprendizagem, abrindo assim a passagem que possibilita retirar do aluno
aquilo o que realmente quer ensinar para sua vida, que vai valer a pena
aprender: viver autenticamente! (Relembro
nesse momento a anedota do barqueiro e do sábio, o qual achando saber sobre
tudo que se podia saber morreria afogado então por não ter saber nadar).
Esse jogo só, por si, garantirá que o aluno se interesse pelos estudos,
pois que ali não tenha nada de interessante naquele momento diante as
perspectivas de vida do aluno, terá pelo menos sinceridade, paixão, leveza...
notas, nuanças de coisas apaixonantes.
Assim como a Filosofia, também a Filosofia da Educação tem interesse
primordial no ser humano, mais precisamente, deve conceituar o que é “ser”
humano, para assim poder se aproximar disto que tem noção saber o que é e poder
enfim exercer sua finalidade, que é educá-lo. O pedagogo, como o filósofo,
deve-se tornar amigo do ensino, mas nesse caso, essa amizade deve ser guiada ao
objeto de ensino, não a disciplina, mas o estudante, o aluno, distinguindo-se
assim o pedagogo do filósofo, impetrando-o da marca sublime de enfim esse ser
um filósofo prático.
Voltado para a prática do ensino dos conhecimentos, ele se pergunta, ou
perguntaram por ele e até para ele, para fim de conscientização: O que é o ser
humano?
E muitas respostas surgiram. Muitos conceitos, dependendo de cada “via
de abordagem” ao fenômeno humano: as filosóficas disseram coisas como é “um
animal racional”, “ um animal político”, um “agente da história”, um “ser para
a morte”, etc.; a religiosa definiu que é “uma criatura feita pelos deuses”, um
ser para “servir a Deus”, etc.; e antropólogos o caracterizaram como
“homo-sapiens”, etc.
Mas a Filosofia impõe a premissa de dizer o que são as coisas, pois ela
pensa sobre o pensamento. Assim, já em sua fundação ela debate duas visões a
respeito do que é o homem.
Platão define o homem mediante sua alma imortal, portadora das
lembranças da verdade das Ideias, sua natureza ou finalidade é ser feliz ao
recordar sobre a verdade da realidade em que vive, e assim, munido de amor à
sabedoria, poder se livrar de destinos infelizes a partir de escolhas no outro
mundo.
Aristóteles por sua vez não define o homem, pois o homem é como todas as
coisas da natureza, um eterno devir, só podendo ser definido finitamente pela
sociedade, sua finalidade de vida também é ser feliz, mas agindo eticamente,
livre para tomar suas escolhas na vida, dentro das limitações do mundo
material.
E destas duas visões se desenrolou mais de 2.600 anos de definições do
que é o ser humano. Em ambos os casos, porém, se precisou a finalidade da vida
humana aqui como a busca pela felicidade. Ser humano é ser livre para ser
feliz!
A Educação, e a Filosofia da Educação, parecem ser um esforço para por
fim à esse falatório, e rumar para uma definição útil que possa principalmente
ajudar na finalidade que a educação tem para a vida, justamente observando
aquele princípio prático e recorrente na definição de homem, que é fazê-lo
saber-se livre e propenso à felicidade.
Por isso o pedagogo não pode querer que o aluno seja objeto, mas sim
sujeito da ação. Sua posição diante o aluno deve fazer reverberar o sentido do
próprio verbo Ensinar, que mesmo antes de significar “transmitir conhecimento,
no latim revela sua essência fundante, que é insignare, algo como “deixar sua marca”, conceito tal que transmite
a noção de um espaço de complementaridade, na mais profunda acepção jungiana de
totalização, ou seja, ensinar está no âmbito do possibilitar que o ensinando
seja tudo que ele é. Cabe ao professor o seduzir para que ele venha a ser, é
preciso por pra fora, pois naturalmente, tudo tende à inércia ou à entropia.
Platão reconhecia a existência de uma marca de irracionalidade na alma
do mundo, e Aristóteles parecia propor que tal irracionalidade podia ser sanada
através da educação, levando o ser humano a entender, se conscientizar que é
livre e responsável por suas ações e suas escolhas éticas.
É nesse jogo principalmente que a Filosofia da Educação introduz
primeiro o educador, para depois esse introduzir o educando, e com isso evitar
paralelamente a estagnação e a desordem de ambos e da sociedade.
Assim, como sugestão e guia entre todos os pensamentos sistemáticos
humanos, proponho o uso da Ética como lume da própria Filosofia da Educação, em
um primeiro momento introdutório. Nada marca mais apaixonadamente a alma
humana, principalmente nas idades mais tenras, do que as noções propostas pelas
Virtudes. O pensar sobre a ética seria a iniciação e o cume de qualquer
educação, pois é a partir das virtudes que se pode finalmente propor e fazer
uma crítica sobre nossa realidade.
Nas virtudes giram ideias e ideais arquetípicas da alma humana, como o
heroísmo, a coragem, o sacrifício consciente, o amor ao belo, a justiça natural
da alma, etc. A Ética nos aproxima assim de uma pulsão pragmática qualificada
para a Educação, nesse ponto já encontramos o retorno meditado do que é se
saber humano, homem e mulher.
Cabe então ao pedagogo, munido de profunda ética, não só apresentar aos
alunos as ciências práticas, mas também se exige que ele conduza o aluno a uma
reflexão transcendente dessas disciplinas, e mais, o posicionamento deste “ser
humano aluno” diante da vida cotidiana, social, ou seja, não formar um aluno,
mas formar um ser humano, como o professor é, em sua mais profunda essência
liberta.
O fato de se requerer uma disciplina como a Filosofia da Educação parece
apontar para o fato de quem em algum momento o sistema educacional se viu
perdendo a luta contra a irracionalidade natural do ser humano. Será?
Ou será que em um excesso de zelo, ou vontade de dormir, não definimos
demais as coisas, será que não definimos demais o ser humano, e assim,
psicologicamente, fizemos o trabalho de tirar do ser humano sua principal
característica inata, a liberdade de escolha, a liberdade para agir eticamente.
Ora, muitas das vezes definir o ser humano remetendo-o somente ao seu ambiente
de trabalho, à fábrica, ou à sua ideologia não faria trabalho mais informativo
ou libertador do que lhe mostrar as correntes com a qual ele mesmo deveria se
aprisionar no fundo da caverna. Isso vale tanto para o aluno como para o
próprio professor!
A Filosofia da Educação nos leva a refletir então dentro de nosso
próprio tempo, infiltra-se subversivamente com o nome de filosofia para nos
contaminar com o que de mais perigoso tem o próprio pensar, que é estar sempre
em movimento.
Adentramos em nossos tempos, olhamos em volta, gira em torno termos e
conceitos caros a todos nós, mas que talvez estejam ainda impensados
corajosamente, conceitos tais como Democracia, Justiça, Civilização, Cultura,
Ensino, Arte, Sabedoria, etc.
Pensamos aqui talvez como gregos, talvez como cristãos, mas o próprio
tempo já exige que pensemos mais amplamente, interdisciplinarmente, complexamente,
como o mundo agora possibilita que pensemos em tudo, em rede.
Eis a grande fronteira paradigmática apresentada ao pedagogo, ao
filósofo da educação, o qual talvez só queira garantir o pão de cada dia, ou
mesmo que tenha o dom de ensinar... Essa pessoa terá que inevitavelmente operar
dentro de um sentido de restauração da instituição de ensinar. (Quem já esteve dentro de uma sala de aulas
do ensino público vai entender ao que estou me referindo!).
O grande primeiro e sempre presente trabalho atual, pessoal e interior,
do pedagogo é meditar sobre a ética e a moral, para, livre dessa armadilha
cultural, poder levar sua presença à sala de aula. Só depois de se “purificar”
(termo tão caro a Platão e Aristóteles),
poderá enfim indicar o caminho de purificação ao aluno, marcando-o assim com
seu signo pessoal de professor, pois professar é reconhecer-se publicamente.
Tal Gigantomakia, outro termo
que os filósofos estão acostumados a terem em mente quando pensam, essa “luta
de gigantes” que é a do ser humano disciplinador diante uma sociedade falida em
princípios éticos, cheia de moralismo, com a visão voltada ao material, e pior,
para o lado mais miserável do materialismo, o consumismo, com a ditadura da
aparência, se põem em público o pedagogo, munido só com saber, só com Filosofia,
amor ao saber.
Com o apoio da Filosofia da Educação o pedagogo vai pisando em ovos – política,
economia, religião, apatia juvenil, propagandas enganosas, indústria da
diversão – (ovos bem indigestos e espinhosos, diga-se de passagem!), o
professor se apresenta diante a sala de aula, e do grande palco da vida, que é
a sociedade.
Ele terá de dar mais do que foi exigido “oficialmente” dele, pois ele
também veio desse sistema de ensino, a qualquer momento terá o conforto de
poder ouvir dizer dele que “veja só, não
consegue ensinar nada, mas também pudera... é só um fruto dessa árvore...”,
mas pode se negar a repousar na comodidade, e abraçar a Filosofia como
parâmetro de ensino.
Ao abraçar a “causa da educação” ele terá que, por vontade própria,
eticamente, buscar se munir com algo mais, uma coisa que é um grande vazio, que
é justamente a própria Filosofia, e só ela tem a capacidade, a substância, para
ajudá-lo a transcender as muitas pedras no caminho, (e como há pedras hoje em dia!), e não ser ele mesmo mais uma pedra
dentro da caverna, ou mais um tijolo no muro...
Isso remete finalmente à essência da própria transcendência espiritual
séria, onde se exige que cada um salve a si mesmo, o professor tem que ser o
“salvador salvo”, nada mais poderá o ajudar dentro da sala de aula, a não ser
sua formação a mais perfeita possível, como admitia Aristóteles, “querer sempre o melhor para si, e fazer o
máximo possível e impossível para merecer o melhor para si”.
Sócrates, ensinando a Platão, que depois ensinou Aristóteles, sabiam que
o ser humano devia desejar ir o mais alto lugar no céu, mas que devia se fazer
merecedor disso aqui, no mundo.
É nesse sentido que já dizia Sócrates à Platão: “aquele a quem a palavra não educar, o porrete, a violência, também não
educará!”. E Aristóteles, educado na palavra, como que complementou: “o aluno que não supera o mestre, demonstra a
falha do próprio mestre em ensiná-lo”.
Nessa exposição de mestre e aluno, não podemos deixar de falar então do
aluno mais famosos de Aristóteles: Alexandre.
É que o aluno de Aristóteles veio como se para fazê-lo pagar pelo que
disse, e se mostrou o contrário de tudo que o seu professor o ensinou.
Por tudo que fez Alexandre foi nomeado “O Grande”, mesmo depois de todas
as insanidades que cometeu, talvez seu grande professor tivesse sido realmente
o pai, Felipe, a quem com certeza superou em irracionalidade, mas a História
foi justa, a seu modo, se não olharmos os homens como as aparências exigem, mas
como a luz da verdade os ilumina.
Aristóteles, com a palavra, com o pensamento, ganhou mais mentes em muito
mais reinos que Alexandre poderia imaginar ou saber que existissem, conquistou
como professor e não como o deslumbrado inconsciente aprendiz. Que isso fique
como exemplo e parâmetro a todos os professores, quando na lida diária, se
verem diante de um mundo de sombras que já possuiu parte da alma e da atenção
de seus alunos, mas sabendo que ainda ele tem a chance e o poder de os seduzir
com o uso da Filosofia.
Assim, astutamente, desbanalizamos o banal!