- Esporte e Política
Ao longo do tempo, no desenvolvimento da
civilização humana, desde a Grécia antiga, o esporte sempre foi usado como um
modo de se provar a superioridade de um povo sobre o outro. Mais do que uma
atividade recreativa, em homenagem aos deuses ou em beneficio à saúde, no ideal
esportivo se cultivou paralelamente a noção de perfeição, o que o carregou do
sentido ideológico de nação ou raça que trouxe sempre quando disposto como
competição entre povos.
Em nossos tempos, na Idade Contemporânea,
podemos apreciar para o desgosto da alma humana, como o esporte foi usado
politicamente, por exemplo, nas Olimpíadas. É notória para todo o sempre as
imagens da Olimpíada de Berlin em 1936 quando o Estado Nacional-Socialista de
Adolf Hitler buscou alcançar a hegemonia no quadro de medalhas para provar ao
mundo a superioridade da “raça alemã”. Não obstante o uso político do esporte
por esse regime ditatorial, ao longo do Séc. XX, depois da 2ª Grande Guerra
Mundial, o embate esportivo de cunho ideológico nos campos e estádios do mundo
representado pelos Estados Unidos contra a agora extinta União Soviética,
travando uma guerra, talvez não tão perniciosa como a do racismo nazista, mas
tão destrutiva psicologicamente como a divisão do mundo em capitalismo e
comunismo.
Assim, nos dias de hoje, em tempos de
relativa paz no Ocidente, não é de se estranhar que no esporte mais popular do
mundo, o futebol, fizesse se notar as velhas pulsões irracionais humanas que
sempre houve dentro dos esportes. Se outrora pelo esporte na Grécia se tentava
demonstrar a perfeição de cada Pólis e o estilo de vida que defendiam; e que na
Alemanha Nazista houvesse uma dita possessão pelo arquétipo de Wotan, como
defendeu Carl Jung; e na Guerra Fria se buscasse até com o esporte fazer propaganda
das bases ideológicas de potências militares mundiais; hoje o futebol das
massas não traz mais em si do que a expressão da psique humana mergulhada na
fragmentação ideológica que abrange nosso mundo e requer mais uma vez do
esporte uma forma de extravasar aquela mesma irracionalidade que outrora Platão
viu na alma do mundo, e ela surge então na mácula social do Racismo, onde o
futebol, como catarse popular, enfim pode congregar de forma funesta, para a
direção de novos caminhos de discursos políticos, dando energia não às
potências educativas do esporte, mas justamente ao seu inverso, possibilitando
mais uma vez o conflito social.
- A Questão do Racismo no Futebol Brasileiro
O futebol está inserido na cultura
brasileira no mesmo patamar que o carnaval e a imagem de um país tropical, de
florestas, praias e mulheres exuberantes que vendemos ao mundo como a
representação do Brasil. Outra característica nacional que o brasileiro costuma
propagar é que aqui não existe preconceito racial, ideia desenvolvida desde o
fim da 2ª Guerra Mundial, como uma afirmação nacional de um Estado harmonioso e
democrático, esteio do mesmo pensamento Positivista que fez escrever em nossa Bandeira
o adágio “Ordem e Progresso”.
Ao lado de tal visão, porém, internamente,
qualquer pessoa consciente da realidade sócio-cultural brasileira sabe que há
também circulando entre nós, um povo formado a partir da mistura de diversos
povos, uma gama de preconceitos raciais, culturais e homofóbicos que cada vez
mais são relatados nos noticiários, para nossa vergonha como um povo que se
acha liberal nessas questões, que se orgulha de ser democrático, e que um dia
até foi denotado como portador de uma cultura de “democracia racial”, ideia
creditada erroneamente à Gilberto Freyre, mas que é uma contradição em si, pois
o próprio conceito de raça denota a ideia de um grupo fechado 1.
Sendo, pois, o futebol uma “paixão
nacional”, é normal ele então comportar manifestações que, por ser um meio de
competição e paixão, finalmente se revela o profundo preconceito racial que há
em nossa sociedade 2, e o preconceito
vem sempre dos dominadores e não dos dominados, escancarando assim a visão dos
brancos de nossa sociedade, algo que desde sempre foi passado à frente, nas
famílias, nos grupos de amigos e em situações sociais cotidianas através de
piadas ou explicitamente em opiniões “inocentes” sobre miscigenação.
Todos esses fatos de racismo na sociedade,
que agora afloram violentamente nos campos de futebol contra os atletas negros
são somente uma subida de patamar do racismo que sempre existiu em nossa
sociedade e que sempre esteve presente e denunciado colateralmente nos
noticiários onde a violência urbana se reverte para a figura do negro e pobre
como causa desta mesma violência, mas ela é tão só a expressão histórica de
nosso fracasso enquanto sociedade de produzir uma verdadeira democracia racial
e um Estado que realmente enfrentasse o problema da pobreza, tanto material
quanto intelectual, pois o racismo é uma conduta social violenta, tanto
fisicamente quanto psicologicamente e é constante o Estado se abster de coagir
tais desvios.
Assim chama a atenção de que quando ocorre
um ato de racismo nos campos de futebol, além de negar empiricamente a tal
democracia racial, mas a mídia sempre liga o ato da ofensa a um “ignorante
qualquer”. Nos jornais nacionais, vez ou outra se expõe publicamente o ofensor,
fato exemplar o da notória moça gaucha que ofendeu o goleiro do time dos
Santos, Aranha. Ela era uma entre dezenas de pessoas. Revirando sua vida
pessoal foi descoberta a vida comum que levava, até ajudando as pessoas em
eventos de assistência social, etc.
No texto Racismo no Futebol brasileiro lemos: “A impressão é que não há interesse em
identificar e conhecer melhor o(s) racista(s). Como se a origem ou causa do
sofrimento estivesse no racismo e não no racista. A imprensa descreve
detalhadamente características do discriminado. Como ele é antes do ataque e
como é o seu sofrimento emocional depois. Em matéria de Saúde conhecer o
causador do sofrimento humano ajuda a inibi-lo/combatê-lo. Quanto mais se
conhecer/identificar o agente patológico mais fácil a prevenção. E isto vale para
um vírus ou para uma pessoa que cause sofrimento humano em outra. A sociedade
precisa (re)conhecer o racista para ajudar a inibir sua ação”.
Tal violência racista não se delimita
apenas ao futebol em nosso país, ele se espalha por âmbitos diversos como o
religioso, é praticado também contra imigrantes de outros países da America
Latina, assim como contra pessoas oriundas do norte e nordeste do próprio
Brasil. E no caso de perseguições de cunho religioso nosso país ainda enfrenta
a questão do poder econômico-político por detrás dos financiadores do Poder
Legislativo, para manter o debate sobre preconceito religioso longe da pauta de
discussão das Assembleias Legislativas, este é só um exemplo como a questão do
preconceito é conduzida pelos governantes brasileiros.
Então o que vemos no futebol é uma
expressão localizada de um corpo maior de preconceito de seres humanos contra
seres humanos, onde a questão da cor surge como um direcionamento a um foco
fácil de encontrar e canalizar, o que mais uma vez prova a falta de informação
de uma pessoa que se dá ao caso de tentar ou ofender outra pessoa por causa de
sua cor. A própria conformação das funções dentro do futebol já denota o
preconceito que o brasileiro carrega desde sempre 4.
Pode-se começar a explicar o racismo no
futebol como finalmente a eclosão de pulsões atávicas que sempre surgem em
momentos de grandes crises sociais, mas só essa explicação não dá conta do
racismo promovido pelas galeras nas arquibancadas, principalmente em nosso caso
no Brasil. Vê-se também uma manifestação dos comportamentos tribais, de
companheiros de farda (ou uniformes) e tanto mais se faz notar quando se
observa uma forte influência mimética que parece ser fácil ao brasileiro
assumir.
Nada disso elucida a fundo a questão e tão
menos apresenta caminhos para uma solução do problema, se é que há solução,
pois a evidenciação de atos de racismo segue outro raciocínio, mais pernicioso,
pseudo-científico, que é a intenção existente não de longa data, mas até recente,
de se provar que há mesmo Raças Superiores à outras.
A questão mesma do
racismo ligado ao espolio histórico da Escravidão é falaciosa, pois quem tem ao
menos um pouco de noção do que foi a escravidão no Brasil há de concordar que
ela foi impetrada aos povos negros por detalhe, não por serem eles negros,
tanto que depois da abolição da escravatura, europeus brancos foram trazidos da
Europa para substituir a mão de obra negra nas frentes agrícolas, recebendo
tratamento escravo nas fazendas brasileiras. Mesmos os negros trazidos para cá
eram frutos de uma conjunção não racial na África, eram em sua maioria pessoas
pertencentes às tribos vencidas por outras tribos, que os vendiam, pois eles
eram aqueles “outros”, os derrotados, como também houve casos entre os povos da
própria Europa, onde escravos brancos eram negociados no continente, existindo
até pessoas negras proprietárias de escravos brancos.
O que demonstra que o preconceito racial
contra negros nos estádios tem um causa mais cruel e perniciosa, o fato da pura
e gratuita agressão irracional contra outro ser humano, seja apenas com o
intuito de desconcentrar um atleta de sua função profissional, seja pelo prazer
de ofender e machucar outro ser humano, seja para demonstrar qualquer tola
superioridade racial que idealmente um indivíduo ou grupo possam ter.
O racismo é e sempre foi, acima de tudo,
uma fantasia de intelectuais, erguida sobre frustrações e recalques, e amparada
pela ignorância da História e pelo sentimento de coragem dúbia que surge no
individuo enquanto em grupo. Cogita-se até que a grande atenção dada aos casos
de racismo nos campos de futebol seja mais um uso político do futebol, como há
muitas décadas vem sendo usado, e seria justamente, com todos esses holofotes,
finalmente declarado nacionalmente o Racismo, fazendo-o adentrar de vez na alma
brasileira como um confronto de raças que serviria de substância para novos
discursos políticos que os frutos não serviriam em nada para a sociedade, mas
apenas para mais uma elite, esquecendo que o maior pré-conceito que atinge a
maioria do povo negro é pobreza hereditária, e não seus determinantes
genéticos, o que implicaria um esforço governamental para reverter a situação.
Não
que não haja preconceitos, ofensas e violências, elas existem sim. Porém a ideia do próprio conceito de Racismo seria em si a grande falácia a se
finalmente provar em nossos tempos de crise social e financeira, pois no mais, o
certo é que existe apenas uma raça, a Humana. E assim como Florestan Fernandes
pensava a respeito da democracia racial, que ela não existe, mas que é possível
construí-la, sendo esse o grande projeto do Brasil como civilização.
-O Futebol no Racismo
Reconhecendo que desde os tempos antigos o
esporte foi usado como instrumento de dominação entre diferentes povos, para se
provar a superioridade física, social e ideológica de determinada nação, em
nossa época com a ascensão do futebol como esporte mais popular, ele não pode
deixar de conter em si toda uma gama de expressões sociais profundas, muitas
vezes subliminares, do pensamento de um povo.
Inserido no contexto de racismo, as manifestações violentas de ofensas
contra atletas negros ou provenientes de nações estrangeiras em times em volta
de todo o mundo, e no Brasil principalmente contra atletas negros, mas tendo
também discriminação contra homossexuais em campo e nas arquibancadas, revela o
cunho profundamente machista e irracional que o esporte comporta. Naturalmente
o ser humano não tem preconceitos de raça, mas sim preconceitos estéticos, do
belo e do feio, do diferente ou estranho a si.
O que se nota então, a guisa de conclusão,
é que psicologicamente talvez estejamos diante de um mal incurável, pois mesmo
as vias de acesso a questão que está se desenrolando em si no caso do racismo
no futebol já foi obscurecido pelo verdadeiro fator por detrás dessa questão
histórica, o fato de se incutir psicologicamente nas pessoas que existem raças
diferentes, e o uso disso como subterfúgio político a quem convier. Cabe apenas
aos nossos educadores e formadores de opinião insistir no ideal da Tolerância e
da Cultura de Paz, e deixar que as gerações enterrem paulatinamente as ideias
de raças no mesmo foco que reconhecerá um dia que o futebol também não é
importante para nosso futuro.
O vale-tudo do futebol retratado
antes dele se tornar uma
fabulosa mina de ouro para a
mídia e os políticos
-Referências
e notas:
1 - Conforme
diz Antonio Sérgio Guimarães, um dos comentadores que pondera sobre a
utilização da metáfora da democracia racial por Freyre: “Sem ter cunhado a expressão, e mesmo avesso a ela, já que evocava uma
contradição em seus termos (as raças são grupos de descendência e, portanto
fechados, ao contrário da democracia que ele pregava), mas grandemente
responsável pela legitimação científica da afirmação da inexistência de
preconceitos e discriminações raciais no Brasil, Freyre mantém-se relativamente
longe da discussão enquanto a ideia de uma democracia racial permanece
relativamente consensual, seja como tendência, seja como padrão ideal de
relação entre as raças no Brasil”. (In GILBERTO FREYRE E FLORESTAN
FERNANDES: O DEBATE EM TORNO DA DEMOCRACIA RACIAL NO BRASIL de Gustavo da Silva
Kern na Revista Historiador Número 06. Ano 06. Janeiro de 2014. Disponível em:
http://www.historialivre.com/revistahistoriador).
2
- A
expressão “racismo no futebol” é empregada de forma tecnicamente equivocada,
porque o que é assim classificado pela mídia se trata, na verdade, do crime de Injúria Qualificada, definido no artigo 140, § 3º, do
Código Penal Brasileiro, e não do crime de racismo, prescrito na lei 7.716 de 1989.
3 – In
http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/03/13/violencia-e-racismo-no-futebol/
4 – “O futebol não é, como alguns acreditam, um domínio
no qual exista democracia racial. Isso é um mito. Prova disso é que os negros
estão sub-representados nas esferas de poder do esporte. São pouquíssimos os
afrodescendentes que ocupam funções de dirigentes ou técnicos. Aos negros estão
reservadas funções dentro de campo, onde as suas alegadas habilidades físicas
são aceitas e até elogiadas, mas com uma carga ideológica clara. Ou seja, a
mensagem subliminar é a seguinte: lugar de negro é no campo de jogo e somente
nele”. (Manuel Alves Filho, do Grupo de Estudos e Pesquisas
de Futebol da Unicamp in http://globoesporte.globo.com/futebol/times/santos/noticia/2014
/09/racismo-em-estadios-do-pais-e-reflexo-da-sociedade-dizem-estudiosos.html.
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