1 de jul. de 2015

Racismo no Futebol

- Esporte e Política
     Ao longo do tempo, no desenvolvimento da civilização humana, desde a Grécia antiga, o esporte sempre foi usado como um modo de se provar a superioridade de um povo sobre o outro. Mais do que uma atividade recreativa, em homenagem aos deuses ou em beneficio à saúde, no ideal esportivo se cultivou paralelamente a noção de perfeição, o que o carregou do sentido ideológico de nação ou raça que trouxe sempre quando disposto como competição entre povos.

     Em nossos tempos, na Idade Contemporânea, podemos apreciar para o desgosto da alma humana, como o esporte foi usado politicamente, por exemplo, nas Olimpíadas. É notória para todo o sempre as imagens da Olimpíada de Berlin em 1936 quando o Estado Nacional-Socialista de Adolf Hitler buscou alcançar a hegemonia no quadro de medalhas para provar ao mundo a superioridade da “raça alemã”. Não obstante o uso político do esporte por esse regime ditatorial, ao longo do Séc. XX, depois da 2ª Grande Guerra Mundial, o embate esportivo de cunho ideológico nos campos e estádios do mundo representado pelos Estados Unidos contra a agora extinta União Soviética, travando uma guerra, talvez não tão perniciosa como a do racismo nazista, mas tão destrutiva psicologicamente como a divisão do mundo em capitalismo e comunismo.

     Assim, nos dias de hoje, em tempos de relativa paz no Ocidente, não é de se estranhar que no esporte mais popular do mundo, o futebol, fizesse se notar as velhas pulsões irracionais humanas que sempre houve dentro dos esportes. Se outrora pelo esporte na Grécia se tentava demonstrar a perfeição de cada Pólis e o estilo de vida que defendiam; e que na Alemanha Nazista houvesse uma dita possessão pelo arquétipo de Wotan, como defendeu Carl Jung; e na Guerra Fria se buscasse até com o esporte fazer propaganda das bases ideológicas de potências militares mundiais; hoje o futebol das massas não traz mais em si do que a expressão da psique humana mergulhada na fragmentação ideológica que abrange nosso mundo e requer mais uma vez do esporte uma forma de extravasar aquela mesma irracionalidade que outrora Platão viu na alma do mundo, e ela surge então na mácula social do Racismo, onde o futebol, como catarse popular, enfim pode congregar de forma funesta, para a direção de novos caminhos de discursos políticos, dando energia não às potências educativas do esporte, mas justamente ao seu inverso, possibilitando mais uma vez o conflito social.


- A Questão do Racismo no Futebol Brasileiro
     O futebol está inserido na cultura brasileira no mesmo patamar que o carnaval e a imagem de um país tropical, de florestas, praias e mulheres exuberantes que vendemos ao mundo como a representação do Brasil. Outra característica nacional que o brasileiro costuma propagar é que aqui não existe preconceito racial, ideia desenvolvida desde o fim da 2ª Guerra Mundial, como uma afirmação nacional de um Estado harmonioso e democrático, esteio do mesmo pensamento Positivista que fez escrever em nossa Bandeira o adágio “Ordem e Progresso”.

     Ao lado de tal visão, porém, internamente, qualquer pessoa consciente da realidade sócio-cultural brasileira sabe que há também circulando entre nós, um povo formado a partir da mistura de diversos povos, uma gama de preconceitos raciais, culturais e homofóbicos que cada vez mais são relatados nos noticiários, para nossa vergonha como um povo que se acha liberal nessas questões, que se orgulha de ser democrático, e que um dia até foi denotado como portador de uma cultura de “democracia racial”, ideia creditada erroneamente à Gilberto Freyre, mas que é uma contradição em si, pois o próprio conceito de raça denota a ideia de um grupo fechado 1.

     Sendo, pois, o futebol uma “paixão nacional”, é normal ele então comportar manifestações que, por ser um meio de competição e paixão, finalmente se revela o profundo preconceito racial que há em nossa sociedade 2, e o preconceito vem sempre dos dominadores e não dos dominados, escancarando assim a visão dos brancos de nossa sociedade, algo que desde sempre foi passado à frente, nas famílias, nos grupos de amigos e em situações sociais cotidianas através de piadas ou explicitamente em opiniões “inocentes” sobre miscigenação.

     Todos esses fatos de racismo na sociedade, que agora afloram violentamente nos campos de futebol contra os atletas negros são somente uma subida de patamar do racismo que sempre existiu em nossa sociedade e que sempre esteve presente e denunciado colateralmente nos noticiários onde a violência urbana se reverte para a figura do negro e pobre como causa desta mesma violência, mas ela é tão só a expressão histórica de nosso fracasso enquanto sociedade de produzir uma verdadeira democracia racial e um Estado que realmente enfrentasse o problema da pobreza, tanto material quanto intelectual, pois o racismo é uma conduta social violenta, tanto fisicamente quanto psicologicamente e é constante o Estado se abster de coagir tais desvios.

     Assim chama a atenção de que quando ocorre um ato de racismo nos campos de futebol, além de negar empiricamente a tal democracia racial, mas a mídia sempre liga o ato da ofensa a um “ignorante qualquer”. Nos jornais nacionais, vez ou outra se expõe publicamente o ofensor, fato exemplar o da notória moça gaucha que ofendeu o goleiro do time dos Santos, Aranha. Ela era uma entre dezenas de pessoas. Revirando sua vida pessoal foi descoberta a vida comum que levava, até ajudando as pessoas em eventos de assistência social, etc.


   No texto Racismo no Futebol brasileiro lemos: “A impressão é que não há interesse em identificar e conhecer melhor o(s) racista(s). Como se a origem ou causa do sofrimento estivesse no racismo e não no racista. A imprensa descreve detalhadamente características do discriminado. Como ele é antes do ataque e como é o seu sofrimento emocional depois. Em matéria de Saúde conhecer o causador do sofrimento humano ajuda a inibi-lo/combatê-lo. Quanto mais se conhecer/identificar o agente patológico mais fácil a prevenção. E isto vale para um vírus ou para uma pessoa que cause sofrimento humano em outra. A sociedade precisa (re)conhecer o racista para ajudar a inibir sua ação”.

     Tal violência racista não se delimita apenas ao futebol em nosso país, ele se espalha por âmbitos diversos como o religioso, é praticado também contra imigrantes de outros países da America Latina, assim como contra pessoas oriundas do norte e nordeste do próprio Brasil. E no caso de perseguições de cunho religioso nosso país ainda enfrenta a questão do poder econômico-político por detrás dos financiadores do Poder Legislativo, para manter o debate sobre preconceito religioso longe da pauta de discussão das Assembleias Legislativas, este é só um exemplo como a questão do preconceito é conduzida pelos governantes brasileiros.

     Então o que vemos no futebol é uma expressão localizada de um corpo maior de preconceito de seres humanos contra seres humanos, onde a questão da cor surge como um direcionamento a um foco fácil de encontrar e canalizar, o que mais uma vez prova a falta de informação de uma pessoa que se dá ao caso de tentar ou ofender outra pessoa por causa de sua cor. A própria conformação das funções dentro do futebol já denota o preconceito que o brasileiro carrega desde sempre 4.
     Pode-se começar a explicar o racismo no futebol como finalmente a eclosão de pulsões atávicas que sempre surgem em momentos de grandes crises sociais, mas só essa explicação não dá conta do racismo promovido pelas galeras nas arquibancadas, principalmente em nosso caso no Brasil. Vê-se também uma manifestação dos comportamentos tribais, de companheiros de farda (ou uniformes) e tanto mais se faz notar quando se observa uma forte influência mimética que parece ser fácil ao brasileiro assumir.

     Nada disso elucida a fundo a questão e tão menos apresenta caminhos para uma solução do problema, se é que há solução, pois a evidenciação de atos de racismo segue outro raciocínio, mais pernicioso, pseudo-científico, que é a intenção existente não de longa data, mas até recente, de se provar que há mesmo Raças Superiores à outras.

     A questão mesma do racismo ligado ao espolio histórico da Escravidão é falaciosa, pois quem tem ao menos um pouco de noção do que foi a escravidão no Brasil há de concordar que ela foi impetrada aos povos negros por detalhe, não por serem eles negros, tanto que depois da abolição da escravatura, europeus brancos foram trazidos da Europa para substituir a mão de obra negra nas frentes agrícolas, recebendo tratamento escravo nas fazendas brasileiras. Mesmos os negros trazidos para cá eram frutos de uma conjunção não racial na África, eram em sua maioria pessoas pertencentes às tribos vencidas por outras tribos, que os vendiam, pois eles eram aqueles “outros”, os derrotados, como também houve casos entre os povos da própria Europa, onde escravos brancos eram negociados no continente, existindo até pessoas negras proprietárias de escravos brancos.

     O que demonstra que o preconceito racial contra negros nos estádios tem um causa mais cruel e perniciosa, o fato da pura e gratuita agressão irracional contra outro ser humano, seja apenas com o intuito de desconcentrar um atleta de sua função profissional, seja pelo prazer de ofender e machucar outro ser humano, seja para demonstrar qualquer tola superioridade racial que idealmente um indivíduo ou grupo possam ter.

     O racismo é e sempre foi, acima de tudo, uma fantasia de intelectuais, erguida sobre frustrações e recalques, e amparada pela ignorância da História e pelo sentimento de coragem dúbia que surge no individuo enquanto em grupo. Cogita-se até que a grande atenção dada aos casos de racismo nos campos de futebol seja mais um uso político do futebol, como há muitas décadas vem sendo usado, e seria justamente, com todos esses holofotes, finalmente declarado nacionalmente o Racismo, fazendo-o adentrar de vez na alma brasileira como um confronto de raças que serviria de substância para novos discursos políticos que os frutos não serviriam em nada para a sociedade, mas apenas para mais uma elite, esquecendo que o maior pré-conceito que atinge a maioria do povo negro é pobreza hereditária, e não seus determinantes genéticos, o que implicaria um esforço governamental para reverter a situação.

      Não que não haja preconceitos, ofensas e violências, elas existem sim. Porém a ideia do próprio conceito de Racismo seria em si a grande falácia a se finalmente provar em nossos tempos de crise social e financeira, pois no mais, o certo é que existe apenas uma raça, a Humana. E assim como Florestan Fernandes pensava a respeito da democracia racial, que ela não existe, mas que é possível construí-la, sendo esse o grande projeto do Brasil como civilização.


-O Futebol no Racismo
     Reconhecendo que desde os tempos antigos o esporte foi usado como instrumento de dominação entre diferentes povos, para se provar a superioridade física, social e ideológica de determinada nação, em nossa época com a ascensão do futebol como esporte mais popular, ele não pode deixar de conter em si toda uma gama de expressões sociais profundas, muitas vezes subliminares, do pensamento de um povo.

     Inserido no contexto de racismo, as manifestações violentas de ofensas contra atletas negros ou provenientes de nações estrangeiras em times em volta de todo o mundo, e no Brasil principalmente contra atletas negros, mas tendo também discriminação contra homossexuais em campo e nas arquibancadas, revela o cunho profundamente machista e irracional que o esporte comporta. Naturalmente o ser humano não tem preconceitos de raça, mas sim preconceitos estéticos, do belo e do feio, do diferente ou estranho a si.

     O que se nota então, a guisa de conclusão, é que psicologicamente talvez estejamos diante de um mal incurável, pois mesmo as vias de acesso a questão que está se desenrolando em si no caso do racismo no futebol já foi obscurecido pelo verdadeiro fator por detrás dessa questão histórica, o fato de se incutir psicologicamente nas pessoas que existem raças diferentes, e o uso disso como subterfúgio político a quem convier. Cabe apenas aos nossos educadores e formadores de opinião insistir no ideal da Tolerância e da Cultura de Paz, e deixar que as gerações enterrem paulatinamente as ideias de raças no mesmo foco que reconhecerá um dia que o futebol também não é importante para nosso futuro.


O vale-tudo do futebol retratado antes dele se tornar uma
fabulosa mina de ouro para a mídia e os políticos

-Referências e notas:
1 - Conforme diz Antonio Sérgio Guimarães, um dos comentadores que pondera sobre a utilização da metáfora da democracia racial por Freyre: “Sem ter cunhado a expressão, e mesmo avesso a ela, já que evocava uma contradição em seus termos (as raças são grupos de descendência e, portanto fechados, ao contrário da democracia que ele pregava), mas grandemente responsável pela legitimação científica da afirmação da inexistência de preconceitos e discriminações raciais no Brasil, Freyre mantém-se relativamente longe da discussão enquanto a ideia de uma democracia racial permanece relativamente consensual, seja como tendência, seja como padrão ideal de relação entre as raças no Brasil”. (In GILBERTO FREYRE E FLORESTAN FERNANDES: O DEBATE EM TORNO DA DEMOCRACIA RACIAL NO BRASIL de Gustavo da Silva Kern na Revista Historiador Número 06. Ano 06. Janeiro de 2014. Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador).
2 - A expressão “racismo no futebol” é empregada de forma tecnicamente equivocada, porque o que é assim classificado pela mídia se trata, na verdade, do crime de Injúria Qualificada, definido no artigo 140, § 3º, do Código Penal Brasileiro, e não do crime de racismo, prescrito na lei 7.716 de 1989.
3 – In http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/03/13/violencia-e-racismo-no-futebol/
4 – “O futebol não é, como alguns acreditam, um domínio no qual exista democracia racial. Isso é um mito. Prova disso é que os negros estão sub-representados nas esferas de poder do esporte. São pouquíssimos os afrodescendentes que ocupam funções de dirigentes ou técnicos. Aos negros estão reservadas funções dentro de campo, onde as suas alegadas habilidades físicas são aceitas e até elogiadas, mas com uma carga ideológica clara. Ou seja, a mensagem subliminar é a seguinte: lugar de negro é no campo de jogo e somente nele”.  (Manuel Alves Filho, do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol da Unicamp in http://globoesporte.globo.com/futebol/times/santos/noticia/2014

/09/racismo-em-estadios-do-pais-e-reflexo-da-sociedade-dizem-estudiosos.html.


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