25 de fev. de 2022

Destrilha

 

Você sabe
   que coleciono
      simulações suas
Dispersas por entre as teias
   & os túneis
      por onde teus pés magros & brancos
          fincam passos cravos
   como se fossem minha carne
      & caldo de memória...

Nesses tempos áridos
   parto do cançasso & da exaustão
      para falar desse desejo
         & amor
Onde você, na sela do dragão,
   cavalga na trilha do sopro vermelho
      extinguindo inconsciente
         o rastro de qualquer mera paixão
   surgida no sono da noite
      onde me extinguo...



21 de fev. de 2022

Migração

 

alucina-se
Tua sombra dança em volta de ti
longe-vai...

monte
Tempo-Espaço-Abismo
cratera

O sol
A terra
A árvore
Não há nada fixo
Acima ou Abaixo
Fluxo, refluxo, empuxo, dispersão
Tua sombra não dança em torno de ti
Está tudo em migração
Rumo ao exílio
Tudo dança diante de ti
menos a sombra, em fim...



19 de fev. de 2022

Nova Era Glacial

 

Já era... o calor...
Por mais que se ande quente pelas ruas
Em atrito com asfalto negro
Jurássico & poluente
Por mais que chova
Ácido do céu
& euforia eleitoral
Pela rede social
Por mais que a seleção entre em campo
& as pessoas marchem
Por isso & o seu contrário amplo
Por mais que se some
Centígrados aos milímetros
Por mais que explodam vulcões
& manchas polulem no sol
Expelindo lava sideral
A distância sugerida entre os corpos
As máscaras ressentidas pelas faces
A fria agulha com placebo entre a pele
É por onde entra o frio no coração
& sai o gelo da opressão
Agora se aqueça com o contato à distância
Com o calor do micro-ondas
Com a segurança do passaporte pela própria terra
Com os funerais relâmpagos
Com as festas de bote salva-vidas
Com a educação virtual
Com a balada do lockdown
& o descanso da quarentena
Enquanto se instala desde o coração
A nova era glacial



16 de fev. de 2022

Ousadia I & II

 

Posso não me interessar em você
   por corpo ou forma,
Mas com certeza me interessaria
   em perversão...
Na comunhão de um desvio
   ou do prazer por via do obscuro em nós,
Insondável à luz do sol
   & longe das colunas social ou moral,
Por debaixo das pedras que não rolam
   & na sombra impenetrável dos atos;
Posso te amar & te querer
   de corpo e na forma
Do azougue que pesa & contamina,
   do vinho que entorna & lava pudores,
Da mácula imperdoável
   de um rancor que por hora se esquece,
Na benesse da gratuidade
   de um encontro casual,
No lento & longo ranger de vísceras
   em fome insaciável que só se extirpa
No conluio da perversão
   que não se torna vício, mas concessão;
& que em tudo nessa latência
   de nossa temeridade, chamemos de ardor!

Porque nós somos o lobo
& o verme que tudo come
Somos os restos
    do que não se consome
Somos o homem, o que some
& já sentimos a morte
   antes que ela nos tome
Somos o que some
   aos poucos, no sono
Somos o que se levantou
   & agora tomba
Insultados pelo que desejamos
   & sem forças para a selvageria
Somos passado
    & mais, talvez presentes abandonados
Somos futuros cadáveres
   que ainda comem o que vê
Mas já não toca
   o que há para outros ter
& já vamos
   deixando as feridas em forma de beijo
Nos corpos que tocamos
   & nos que nos foram negados
Porque nós somos o verme
   & o lobo que tudo come







11 de fev. de 2022

A Longa Retirada

 

Longa retirada
   través do sertão vazio
      que cerca o mundo

O mundo mesmo é cerca
   cessão & barreira
      que represa em separado coisas a não se misturarem

Os pés ponteiam passos
   traços pontos esparsos
      no vão abismo entre as coisas

Vamos vivendo
   de salto em salto, queda em queda
      no desamparo do viraser

Longa retirada
   em breve perpetração
      no vazio sertão ocaso & caso de tudo



9 de fev. de 2022

Soter

 

Tal qual água
Que cai de alturas improváveis
O espírito desceu
   pelo negror da noite eterna
Entre a Luz
   & o peso da matéria...

Destemidos como os animais
Que entram na noite para caçar
Nosso espírito veio ao mundo
   na busca de ser deus,
O prêmio pela coragem
   de conhecer o que lhe é impossível
A dor, a fome, a morte
   o amor...

Tal qual nuvem
Que se ergue do peso do chão
O espírito sobe
   pelo negror da noite redimida
Entre a Matéria
   & a leveza da luz...



7 de fev. de 2022

fio

 

...não falar da manhã
   & o que ela arrasta para vida
      mais um dia, depois de outros
         & milhares de outros mais
   que não são mais manhãs
      ou dias
         nem memória
   são apenas um longo fio de tempo
      que fiam-se no semi-esquecimento...

...de lá não sobra
   o que sobra sou eu
   preso ao presente
      que ninguém recebe
   mais uma aurora
      alvoroço a se reinventar
         um motivo ou dois
   para tecer de novo
      o dia, fio do esquecer...



4 de fev. de 2022

Arché

 

Um olhar real sobre a natureza & suas manifestações, vemos que ela alucina & transborda uma alegria criativa indolente...

A única coisa enfadonha é o ser humano, rebelde ao inverso, sério & arrogante, idiota & superficial, assume o arquétipo do tolo cego, demiurgo...

O ser humano é pior ainda quando se deslumbra, porque o faz com o que não existe, renegando o que é real, & sempre enganado, por si mesmo ou outro velhaco...

Sua fé ou a falta dela é cavalo de batalha, o que assume ou o que renega o faz como circo, como feira, mergulhado na Cultura Stand-Up, na Espiritualidade To-Mega-Agnoia, na obscuridade em meio ao mundo...

Mas... ainda há o pó da senda na sola dos pés-raizes dos que Caminham... deserdados de uma irrisória herança dos séculos, milênios, onde o que ficou para trás foi a carnificina da ignorância, atravessada na penumbra pela luz da Gnose...