25 de mar. de 2022

Viver da Fome

 

Incrível que
   Como quem vive da fome
      Da miséria
          Do interesse do corpo
Tem que acreditar
   No dia melhor
Sempre amanhã, enfim hoje
   Sempre agora
       Sempre de novo
Um dia melhor
Incrível
   A miséria dependendo da miséria
      A miséria fugindo da miséria
Até se tornar melhor...

Grandes tristezas
   Infindas esperanças
      Relativas alegrias
A vida é um despertar
   Ao mesmo tempo em que se adormece
Uns encontram entorpecimento
   Em meio a choques de realidade
Uns encontram a cegueira
   Em meio à iluminante escuridão
Uns encontram a disposição
   No beco sem saída da exaustão
Acreditando no sentido
   Que aponta para a morte
Entorpecida, real, cega,
   escura, disposta, exausta
Perdida, luminosa, irracional... existência...

Incrível
   Como quem vive da fome
      Come & é devorado...



20 de mar. de 2022

Adicção Anti-Cósmica

 

...........:....:......:........:...
...:......
....:..
...sigo rastro de estrelas pulverizadas
   temperando matéria escura em convulsão
Eu cheiro...
   fungos de planetas esmagados
      pela gravidade biliocentenária
   deixados como carreiras por entre constelações
      pairando no que foi & podia ser...
Eu aspiro...
   pó de quasares
       expelidos por buracos negros
   que cagam quantas pra fora das galáxias
Eu aplico...
   toda essa insana titanomaquia cósmica na veia
      graxa de máquina crematória
   & de produzir deuses
      que é o des-uni-verso...
Faço mais uma carreira
   & engulo um trago alquímico de soma
O deus abriu o abismo & só há de fechar
      depois que entrar em coma...



18 de mar. de 2022

Caos Verde

 

Isso é música...
Você é que não tem os ouvidos selvagens...

Isso é arte...
Você é que não tem os olhos selvagens...

Nem a tez rude do sol & do vento
   o paladar grosso da fome dos animais
      o olfato inerte queimado pelo sal
         o tato ávido não pelo contato mas pela dissecação do ato...

Isso é vida
   o velho caos verde sob os pés
      com o calor úmido a te cercar
Como mata, como revida
   como a podridão que esterca a vida...

Isso é felicidade
   na calma saciedade
      da serenidade depois do gozo
         que nega que precisemos da sociedade...

     


 

16 de mar. de 2022

Eu... Falo...

 

Eu falo de você, abalo-me,
   és areia que vaza no funil da ampulheta,
Sempre falo em você
Seu doce
   Azedo
      Familiar
Gosto de decepção & êxtase;
   mal bem estar.

Seu gosto de sorriso & choro
   o desprezo & benção corporal
Os lábio faciais & altos baixos abissais
Que exalam & sugam
   Distâncias & temporais,
      raios & trovões à esbravejar
Enxugam & umidecem
   Lágrimas de sal & outros ouros mais.

Eu calo sobre você, anulo-me,
   Silêncios gulturais
Escarificados até os ossos sub-verbais
   Pois você é visceral
Caverna escura
   do tempo de criança já demente
Mina & olho, útero & poro,
   onde sonhei deitar... eternamente...

& ali deleitar
   Gozar, chorar, esquecer, amar
Sem corpo, só pulsar
Na fala, no calar
   Na falta falha presença pensar estar
Da prolongada incerteza do fim
   De que tudo que é real
É só seu vir a ser, sobre mim.

Eu... falo... calo...
Você
   Sob véu que não protege
Aquece, arremete, nossa nudez
   Ao silêncio sem beijo
& todo mais entremeio
   que vai da morte em vida
   até a vida nessa morte
Silêncio silício da solidão
   Onde fico.



14 de mar. de 2022

A trilha

 

Todo rastro
   de passos dados
      são a prova cravada
De que estamos à esmo
   perdidos no espaço
      & no tempo gasto
Para se deixar... levar pelos próprios pés...

Toda trilha
   arrastada pela fúria
      de esquecimento & descanso
Pisada pelo peso
   da procura por carinho
Vai dar no mesmo lugar
   ponto de partida onde se implora
      o conforto de se esquecer...

Estradas inexistentes
   nas fronteiras de qualquer exilio
      não traçam caminhos de volta
Só sendas intermediárias
   prolongamentos da saudade do lar
      de ausência de amor
          do encontro com a ternura...

Eu racho a rota
   eu sei que a senda
      tem trilha de fogo oculto
Tem na racha o bálsamo
   do que se despreza & acha
      motivo para se deleitar
O sorriso roto
   de canto a canto
      começo & fim do motivo de se tentar...
Ir / ficar!


 

9 de mar. de 2022

O Virtual é a Sombra da Completude...

 

Não posso me associar
   à nada que me censure,
   que me suspenda,
   que me exclua...
Não posso me aliar
   à nada que me diminua,
   me deprima,
   me recuse como sou...
Não posso estar
   onde sou um produto,
   uma mercadoria,
   um consumidor,
   uma marca...
Não posso conceber
   que eu seja tipificado,
   numerado,
   redefinido,
   algoritmizado...
         Sou carne que vale mais que bits;
      Sou corpo que vale mais que forma;
   Sou mente que vale mais do que fotos;
Sou alegria & tristeza que valem mais que simpatia;
& mesmo com a consciência que nada é
   mas só parece,
Sou só o que me convém
      & nada além...



8 de mar. de 2022

Grande Perigo

 

                                                  "Mas aonde há o perigo,
                                           cresce também o que salva."
                                                                           - Hölderlin

Grande perigo
   nos cala
      não de medo
         mas de apreço
            ao silêncio
               em confronto com o estrondo...

Rostos fechados
Aeroportos destruído
  Portos vazios
   Portas arrombadas
    Mortos antecipados
     Corpos comportados
         em terra arrasada...

Dão vazão
   à uma urgência de paz
      reverberando uma intensa insatisfação...

A ponte para as estrelas
   interditada por entulho
No ar só ondas de guerra
   ensaios de cantos fúnebres
Trilha para o 'não seguir em frente'...

A rosa tem lá seu nome
   & o espinho é anônimo
Mas todos sabem do que o chamar:
-Ignorância!

O grande perigo
   da história de povos inteiros
      presos ao grilhões de um homem só
De ideias que querem se autodestruir
   & que se repete...
      que se repele...
         que se refere... à morte... sempre!



2 de mar. de 2022

Distância

 

Distância...
    Longe...
          nunca
               a necessidade foi tão presente....
& constatar
    como a revelação de uma luz
        saída da sombra
   Que só a morte
       pode realizar tal desejo...
Se nem o próprio deus
   pode me seduzir
      com toda beatitude de uma esperança
          vaga como a sombra
              saída de uma luz fraca
                  & inconstante...
Abraço o clamor da distância
   dos passos perdidos por trilhas exiladas
    da solidão das florestas
     do frio espantado pelas fogueiras ermas
      do encontro no silêncio das ruas esquecidas
        & toda corrupção que nos completa
            para além de todas as decepções
                desse mudo imperfeito...
Os dias acumulados
   condensam um muro de realidade
      sempre à nossas costas nós empurrando
         para o barranco de erros constantes
    como se não fossemos imperfeitos como tudo aqui...
& essas desilusões concretizadas
    como um fóssil
        que se petrificou desde regiões isoladas
            em eras abissais no tempo ido
    são apenas a prova de nossa involução
Do caldo primordial grosso
    de energia volvendo matéria
   onde éramos
     vírus  ervas  manada  pedregulho
   & agora exigimos     distância
Longe
   (de tudo)
    desde nunca
       (de mim)
           até o sempre
               (de nada)
                   enfim...