26 de nov. de 2024

Eterno Retorno

 

Eterno retorno...
   O Eterno Retorno é sintoma de algo perfeito que se quebrou.
   Aqui nós, em luta incontrolável contra o já acontecido na angústia esperançosa de algo novo... mas o que "novo"? O "de novo"!?!?
   O sempre aqui do que nunca se foi & sempre será. Treme minhas pernas & o chão sob elas que chacoalha para impulsionar também o mesmo lugar...
   Não há conjunturas. Não há acasos, causalidades definidas, artifícios sintetizados, etc.
   Fico a pensar na "primeira vez". A vez fundante de tudo isso, a primeira vez que aconteceu o que depois seria eternamente repetido.
   Não houve então a "primeira vez que aconteceu", mas sim o inevitável devir do que devia ser por toda a eternidade que em sua essência seria retornável, encaixando, escorrendo pelas mesmas "frestas trincadas absolutas" do espaço-tempo abertas desde todo sempre, para depois de atravessado, tornar a retornar por essa fresta, essa falha aberta...
tenroetrnoetronnotretroneenortronteetnorretonnotertrenoonertornet
   Uma tal falha aberta como cria-ação numa outrora imutável perfeição harmônica que rompeu, rachou... & que só podia resultar uma coisa a ser para sempre repetida como um "filme" da produção dos Estúdios Demiurgo S.A., que disparou para sempre os ciclos de ação por toda o Nada rompido (não se sabe se localmente ou em uma tal abrangente totalidade), aberto como Espaço, ciclos esses conhecido como Tempo.
   Por isso o terno retorno é o sintoma de algo perfeito que se quebrou.
tenroetrnoetronnotretroneenortronteetnorretonnotertrenoonertornet
   O eterno retorno só pode ser então, o retorno do que devia ser, do que só podia ser...
   Não há então "luta", e por que deveria haver "esperança" ou mesmo "angustia"? Se "apenas" passamos (& repassamos) re-ternamente pelo torno da mesma configuração única possível por onde passar, como em um filtro de pedra com um só caminho fendido em si, como dobras & rasgos, filamentos congelados ou concretados no tecido quântico do universo por onde desliza-se o que é, que foi & que será!
Retorno eterno...



24 de nov. de 2024

(24/11/24)

 

         Quando não é o tempo que se esgota
         Mas o clima que extrapola
...ontem
   nem toda festa
   nem toda dor
   todo sono
   ou euforia...
Evitou alguém
   de partir!
         Não é a causalidade que age
         Mas a fatalidade que abate
...hoje
   nem todas as horas
   nem todo tempo perdido
   todos os sábados passados
   ou os domingos que virão...
Faz alguém
   ficar!
         Momentos que passamos na farra
         Mas a vibração é de tristeza
...amanhã
   nem toda chuva
   nem todas as ruas
   toda noite escura
   ou néon acesso...
Fará alguém
   voltar!
         São banalidades coletivas vividas
         Enquanto tragédias pessoais sucumbem
...nunca
   água alguma
   ar algum
   quer faltem
   quer sobrem
Acrescentará nada ou ninguém
   no aberto que não se fechará!



23 de nov. de 2024

Vesúvio

 

Chuva ácida nas vísceras
A fome incomoda toda hora
   & todas as hortas, chiqueiros
      currais, alcovas
         não surtem crias que saciem...

Eu aplaco o fosso
Enchendo o nariz de terra
   a mesma terra em pó
      donde brotou a planta que anda
         & que vem até mim
            enquanto também vou...

Reviro o fundo das coisas
   com o remedo da fúria elétrica
Enchendo os olhos de vidro
   que solidificaram do magma
      que escorreu de mim
Pelos poros, pelas lágrimas
   pelo gozo & outros vulcões...



21 de nov. de 2024

A Noite Também Se Levanta

 

Enquanto todos olham
   para o pôr-do-sol
A noite também como o dia
   vem do Leste...

A noite
   vem de lá
Do mesmo lugar
   que o sol nasceu...

A noite também se levanta
   & vem pelas costas
De quem olha o sol
   se ir à Oeste...

& se invertem
   nossos sentimentos
O que era riso do dia
   se torna receio do breu...

Pois o sol nasce pelos olhos
   & a noite pela dorçal
Essa abre abismos
   & aquele preenche os vãos...



20 de nov. de 2024

Bela & Estranha Noite

 

Bela & estranha noite
   onde quebro a regra & a exceção...
Saio para variar o aprisionamento
   & passo por lugares-covas de lembranças
      passo por lugares-comuns
         & vejo fantasmas do futuro
            que não me assombram mais...
& pelas ruas, nos bares
   celebro só todas minhas companhias...
As que me fazem falta
   & as com que estou feliz
      por não estarem aqui...
Estranha & bela noite
   onde ratifico a exceção & a regra
Do escuro que me recolhe
   do brilho fugaz
      dos olhos de quem negaram me ver
         & dos braços que me recusaram...
Da lembrança que esqueceu de mim
   & da que lembrou
      depois que esqueci...
Pelos bares ares de um será
   que nunca foi
      & não tornará...
Na bela & estranha noite
   que me fez feliz
      te ignorar...



16 de nov. de 2024

Coágulo

 

...coágulo espesso no meio de tudo...
Seu peso causa atração
   Atração causa tempo que acrescenta ou esvai

Gravitamos inertes ou em espasmos
   Em volta do fulcro
Há lutas imaginárias acontecendo
   & embates reais a se travar

...o coágulo se expande...
Agrega alegria vivída
   & rancor de morte

As pessoas habitam suas lamúrias
   As pessoas casam com suas descrenças
Animais impassíveis com medo de tudo
   Animais irrascíveis com credos de tolos

...o coágulo se contraí...
Execra pânico em orações
   Defeca discórdia em atos banais

Afundamos em descaminho verticais
   Nossa insanidade natural exposta em público
Nos perdemos achando saber onde estamos
   & tudo é um ensaio do inferno que vivemos tentando fugir

...o coágulo nos põe em lugar comum...
Somos aproximados do que queremos fugir
   Qualquer companhia humana é o que sempre temos que superar



14 de nov. de 2024

Símiles

 

as palavras todas prontas
   & o silêncio armado
os sentimentos experimentados
   & a indiferença afiada
as situações revividas
   & o irrealizado surpreendendo
os atos repassados
   & as fugas recortadas
nessa espera longínqua
   pela graça que nunca desaba sobre nós
um aprendiz de decepções
   na escola da morte da solidão
o coração encouraçado
   já nem bate mais
mas as palavras... já estão prontas



12 de nov. de 2024

Álgebra

 

Vislumbrei o resultado da equação
   da conta que ninguém faz...

Somando para diminuir
Subtraindo para aumentar
Dividindo para harmonizar
Multiplicando para simplicicar

Nessa fórmula
   onde as contas não fecham nunca
Uma quinta operação para as incertezas
   anular & plenificar

Um quinto elemento da natureza
Uma quarta parede do cotidiano
Um terceiro sexo à se considerar
Uma segunda opção para descartar
Um primeiro contato à cada dia
Um caminho do meio em todas as considerações

Vislumbrei o resultado da equação
   da conta que ninguém faz
As proporções do amor
   que pesam, apreciam, avaliam,
      solucionam & complicam
O afeto disposto
   ao longo do tempo & espaço
      na métrica & na proporção dos corpos
         & na obscuridade
            & imponderabilidade do espírito
Resolvido sem se definir
   & é assim que é
      em probabilidade & liberdade
A contagem, soma & diminuição
   de carne ferida, ossos quebrados
      & coração partidos...



10 de nov. de 2024

Revoada

 

Pássaros se arrastam
   aos pés dos muros
Eles batem nas paredes
   eles beijam o chão
& ciscam nas migalhas
   que vieram no vento que outrora voaram...

São aves, são anjos, são pássaros
   são nossos sonhos de voar
São nossas asas cortadas
   que se arrastam agora sem céu
      sem lua, sem vento, sem mar
Beijando os muros, lambendo o chão
   vivendo de restos, são sobras também
De nossos desejos com as asas cortadas...

Pessoas que se arrastam
    aos pés dos outros
Batendo a cara na parede
   beijando a lona & a sarjeta
& não sobram nem restos
   de voos ou quedas de paixão...

São santos pecadores, são aves marias
   são pássaros que passarão
      são anjos que caíram
         aves manias de paixão
Revoada de esperança que ainda insistem
   & mordiscam as migalhas no chão...



9 de nov. de 2024

Fera

 

Saia para selva fera
   não esqueça de afiar as garras
A fome é um estímulo
   a fome sempre foi o grande estímulo
Ao contrário dos homens que comem
   & se apegam ao poder
Os fracos
   são a carne dos fortes

Saia para noite moça
   não esqueça de esconder a vergonha
Você pensa estar em segurança
    ao lado de predadores doentes
Quem caça são eles ou você?
   a presa é o corpo ou o prazer?
A fome
   é um interlúdio da caça

Saia para a caça omça
   mantenha as presas afiadas
É pela boca que vive
   pela boca que morre
Não há trocas justas
   quando temos interesses tão diferentes
A força
   é o espírito dos fracos



8 de nov. de 2024

Estante/Instante

 

Na estante
   uma tonelada de palavras no papel
Eu fico pensando:
   -Todas passaram por mim...

& agora? Onde estão a maioria delas?
Fantasmas que me atravessaram
   como átomos livres
& partiram para lugar algum...

Ideias transportadas
   na velocidade da luz
Muitas meus olhos deteram
   & poucas repousaram na mente...

Matéria viva, matéria escura
   matéria palavra-ideia que me compõe
Material achado & perdido
   na estante-instante eterna
      de meu passar os olhos & ler...



5 de nov. de 2024

Fundo

 

Nós que permanecemos no fundo
   da sala, dos bares, da fila, do mundo
Vemos tudo à distância
   a chuva, o sol, a aula, a vida
      nossa & dos outros
         como um teatro
            a nos entreter ou aborrecer...

Depois do show os aplausos
   os flashs, as vaias
      um rabisco num caderno de recordações
         um risco na memória de quem passou
Um drama ao que sobrevivemos
   ou assistimos os outros passarem...

Nós que nos entretemos já
   mais com o copo que com o corpo
Com nossa visão já
   acostumada ao escuro
Enviamos missivas de lágrimas
   de alegria & tristeza
      para os que estão à distância...

Depois do sol a chuva
   & depois da chuva o frio
Vem inverno & primavera
   o sucesso da maçã
      & a sucessão de decepção
& nós no fundo
   acostumados à escuridão...



4 de nov. de 2024

Pandora

 

Procurar desvendar o mistério
   de outra pessoa
É apenas conhecer
   sua insanidade...

Estamos entre estranh@s
   com seus mistérios
Tão fechados
   como abertos
Guardando nossa loucura
   como personalidade
Revelando nossos mistérios
   como decepção

Pessoas iguais
   à caixas fechadas
Os mal, ou bem aventurados
   amaldiçoados, defeituosos
Os trincados
   por onde nossa luz sai & entra

Estamos entre estranh@s
   & falta tão pouco para tudo se desvendar
& é tão desconcertante
   a verdade de cada um
Dita sóbria ou ébria na cara um dos outros
   que faz do amor o veneno mais fraco
      guardado no fundo da caixa do peito...



2 de nov. de 2024

Apêndices

 

Os mosquitos adoram meu sangue
É seu alimento & comunhão com vampiros maiores

As larvas habitam minhas feridas
& procrastinam a cura da minha carne

As bactérias amam minha pele
& dela exalam aromas que flor nenhuma tem

Os demônios se apegam aos meus pensamentos
& me fazem porta-voz para o silêncio dos infernos

Os anjos se entretém com minha sina
Em voos de queda & ascensão na matéria imperfeita

& você se apega ao nada que sou
Esperando sossegada que eu seja como os outros

Minhas palavras atraem antivaticinios
Que não se cumprem sem se cumprir

Minhas visões cegam futuros
Que eu próprio desfiz para mim

Meu atos anulam certezas
Que se fossem outros ao certo desejariam

& ao que me entrego é só o fado que não carrego
Pois já aprendi o que é existir

As maiores ilusões de minha vida
Eu pago com realidades mortais

A nuvens chovem sobre mim
& eu me escondo ao ar livre

O sol projeta minha sombra no abismo
& eu a recolho na lua cheia

A terra é minha testemunha
& persigo novos álibis para meus pecados

Penetro nas multidões
Para confirmar que não faço parte delas

Extraio a seiva de limbo dos meus apêndices
Secretando minha fraca rebeldia & raso aniquilamento







1 de nov. de 2024

Diáspora

 

 "Um exilado está em três condições
no mundo, e só tem dois lugares neste
mesmo mundo que lhe pertencem:
aquele espaço pleno dentro de um
abraço, ou o lugar oco de sua tumba.
   Assim o exilado é um ser amado ou
um cadáver, ou é um degradado só.
   Então, de resto, enquanto vivo, solto &
sem ser amado, um exilado é apenas
um proscrito, um desterrado, & assim
se sente, única forma que o identifica
a "imagem & semelhança do Deus",
ou seja, um Abortado".
(Ednael VidgDharma)


Agora meu corpo é dois
São muitos
E mais...
Faz parte de um despovo, inmultidão
Nação dos desamados
Dentro do tempo & do pasto
E mais...

Agora parto como todos & ninguém
Para uma terra que não é a minha
Sempre estrangeiro
Cada átomo, cada órgão, um aborto
Sou parte de um povo que se desprendeu

Cada pedaço meu padece de saudade
Sem ao menos saber onde pisei
Porque saber também é amar & ser amado
No meio-chão que é seu

Eu vago perdido por entre fronteiras
Por paragens que nunca me mereceram
Não fui reconhecido em nenhum lugar
& por isso carrego comigo meu lar

Estou longe em cada porto
Me pego desejando o naufrágio
Não vejo saídas em aeroportos
Não será melhor para onde quer que for

Eu só sonho com um outro corpo
Que prove que meu lugar é em um enlace
Um homem não precisa de mais para ser feliz
Que o espaço de um abraço



27 de out. de 2024

Massa Negativa

 

A maioria
Tendo a liberdade alheia como insuportável
Clama para si a repressão
& se todos estiverem debaixo da chibata,
   melhor

Trocam a suavidade da individualidade
A beleza do consenso
& a fúria da unidade coletiva
Por qualquer ditadura que puna & controle
   não só a si, mas à todos

Eis o conforto do ressentimento
Eis a razão da mediocridade
Eis a segurança dos covardes
Eis o poder dos tementes

Deus no céu,
   o pai na mesa,
      o facínora no trono
O pastor e o padre na mente,
   os valores sociais na psique,
      o déspota encorporado


 

22 de out. de 2024

Antes do Fim

 

Tu sabes... isso que nós nunca sentimos,
   vivemos tempos viscerais

Cada vez, mais perto de todos os fins,
   as coisas se tornam estranhas

O nunca vivido, apesar de insistente,
   tem que finalmente acontecer

Para consumar
   a completude de cada vida

Nossos problemas fundamentais
   & nossa aventura fortuita se enlaçarão

Fatos insistentes, ao longo da vida,
   recorrentes, mas negados, hão de se  concretizar

Para completar nosso grau de martírios
   & perfeição

& nosso rol de tristezas
   & felicidade

Não é vida nem morte
   é simplesmente a totalidade, antes do fim...



21 de out. de 2024

Extemporâneos

 

Vamos como um continente à deriva
   em uma convulsão planetária...
Estrelas com planetas, continentes com ilhas,
   desejos com carências, colidindo...
Pisamos no chão
   mas ele balança em terremoto contínuo...
Os pés sem raízes na vida, no gênero,
   na gramática, no mundo...
Estamos sob o efeito
   de fortes encantamentos...
Véus sobre véus de feitiços lançados
   & agora já fora de controle...
Vamos nos chocando uns com os outros
   carnes & ossos se misturando...
Bocas & palavras sendo trocadas,
   promessas & sonhos a se abandonar...
Damos uma volta completa
   numa órbita desconhecida...
& estamos de volta
   onde pensamos... estar o amor...



19 de out. de 2024

Deguste

 

Me deixou
   com teu gosto na boca,
Tudo que eu queria
   ou não queria ter...
O sabor de tua boca
   qualquer coisa entre o doce
      & o salgado
Entre o paladar da vodka com cereja
   & o gelado amargo da cerveja...
Comigo o dia seguinte inteiro
   o imprint da boca na boca
      & o gosto do teu hálito
Em profunda lembrança imediata
   o sabor da tua língua & lábios
& fico assim
   entre tua boca que me deu repouso
      & o gosto dela que me desassossega...



17 de out. de 2024

InConexo

 

Conectar-se
   não é partir ou chegar,
Então por que estamos sempre indo
   para essa ausência de nós mesmos?
Por que essa urgência preguiçosa
   de estar ligados sem estar próximos
      ou sequer comunicando?

Se os livros nos ligavam mais até
   que toda infovia espalhada em rede;
Se nas rodas de fogueira
   sobre os escombros das estrelas,
      havia muito mais informação & nutrição
   que nos sites de ciência & culinária ;
Se no verbo bem falado
   ao pé do ouvido sussurrado,
      nos entendemos tão melhor
   do que com toda esse falatório digital...



16 de out. de 2024

Pós

 

O pó se acha
Sempre encontra mais poeira
   para compor a sujeira
Decompõe os corpos em partes
   as partes em cacos
      os cacos em ciscos
         os cisco em pó
Pra ser varrido
   escondido
      levado
         matéria prima
                  de todo
                        esquecimento
Afinal, o que é esquecer
   senão ter que transtornar
       carne, alegria, tempo, ódio ou dor
           em pó
Solidão em sólido
& todas essas durezas leves
   pra se moer & varrer ao vento...



15 de out. de 2024

Abrigo

 

Virá a chuva
   as libélulas antes
      formigas depois
   traçar seus restos
Logo cai
   & com os venenos também
      caem os enxames
   que invadem sob o teto
...os besouros, vespas, guarda-chuvas
     infestarão também como gotas de chuva...
Virá a mosca
   & também as aranhas
      virarão todos húmus
   na umidade, nós também mofaremos
Logo o ninho será cova
   o lar desabrigo
      onde habita convulsão
   longe das nuvens, perto do chão


 

14 de out. de 2024

Destinos Iniciais

 

Toda estrada é um vazio
   conosco à preenchê-la
Caminhos abertos a cada trecho
   até que nossos olhos vejam
      que o dia se tornou noite
Como a reta torna outra curva,
   sinuosa & depois certa

Toda estrada não tem começo
   apesar de um destino
Mesmo que as solas gastem,
   mesmo que o asfalto trinque
      & a terra afunde em desbaste
O caminho recomeça em cada desenlace

Toda estrada não tem fim
   apesar de sempre terminar
Nos pontos de encontro, gente se despedindo
   nos terminais, gente recomeçando
A cada metro mais distante
   & mais perto de tudo & nada
De si mesmo & do que virá a ser

Nossos destinos iniciais
   tão diferentes de nossas sinas finais
O fluxo do trânsito versa
   inverso & contraditório, reverso
No chão, no rio, no ar, no mar
   dentro de nós mesmos
      dos pés que andam à cabeça que manda

Chegar não é opção
   é uma ordem
      dentro de todo esse caos pavimentado
Chegar não é opção
   partir sim
      ou fugir, mesmo ficando no lugar
É a estrada em volta de si



13 de out. de 2024

Toda Estrada É um Vazio Conosco à Preenchê-la

 

O que essa estrada te fala
   em seu silêncio de senda?
O tempo é curto, mas as horas são imensas!

Há muito a se percorrer, mas contados caminhos
   o mesmo tanto para cada um
Só que nem todos pegam o trilho...

Essa estrada é a vida, é o amor, é o dia
   são essas coisas de que não temos saída
A não ser concluir...

& há esse desfecho, fim de tudo, até do fim
   que na estrada não é outra coisa
Senão que em cada remate, é também um princípio...

O que essa estrada em ti cala
   em seu ruído de rotas?
O espaço é curto, mas algumas distâncias imensas!




11 de out. de 2024

Quase...

 

Dispersando incessantemente no tempo
   Uns indo do passado para o futuro
   Outros indo do futuro para o passado
      No presente quase nos encontramos...
Nunca ausentes
Sempre nos cruzamos
   Com quem temos que nos cruzar
Uns indo, outros vindo
   & todos, provavelmente, perdidos, ou quase...
Caindo sempre no espaço
   Nos braços uns dos outros
   Em abraços ou empurrões
      No presente nos estorvamos...
Nunca falhando
Corpo com corpo se atrita
   Com quem temos que colidir
Uns vindo, outros indo
   & todos, certamente, desnorteados, ou quase...
Não temos tempo ou espaço para tudo
Não temos braços cruzados ou abraços para todos
   Temos só um instante
   Para quem está ao alcance do nosso momento
      Ou nem quase isso...
Quase sempre um sempre acaso
   Até nos acabar
   Nesse todo um pouco mais durar
Ou na lembrança do que passou
   & assim cada um ser
   A contramão do que podia ter sido
Só restando a incerteza do acontecido
   Que para sempre será...



9 de out. de 2024

Desconfraternização

 

...& o mundo que sempre esteve
      perto da catástrofe
         embalando pesadelos
            no berço da discórdia;
...& muitas vezes,
   mais do que sabemos,
      mais do que lembramos,
         mais do que nos atingiu,
            a catástrofe aconteceu;
...& agora vivemos tempos de espera
   de novos desastres materializarem
      passamos dias esperando a última noite
         passamos horas esperando o último minuto
            & só queremos festas & despedidas...
...festa do fim ou fim de festa...



5 de out. de 2024

Somos de Tempo Nenhum

 

Não viemos de nenhum tempo...
   O tempo é que nos traz!
   Vamos indo
Vem nos decompondo...
   Hora após hora, dia após dia!
   Fluxo infindo

O cançasso de eras
   Que transpassa uma noite mal dormida
      com dor que causa a transpiração
A exaustão de uma vida
   No trabalho de minutos de amor
      até o nada insaciável no fim do gozo
A fadiga universal
   Do tecido do espaço
      que se estica até rasgar
Sem nunca romper o tempo
   As horas, os dias, os anos, as eras
      o laço entre existir & passar...
     
Somos de tempo nenhum
   Uma perda de tempo
      um achado de nada
Confundindo sempre
   Agora com antes ou depois
      presença com ausência ou carência
Viemos de uma lacuna
   Para qual nunca mais voltamos
      porque o tempo não passa,
      ele apenas dura & nós perduramos.



3 de out. de 2024

eclipZe

 

vem o eclipse
& talvez
               com menos luz
                  enxerguemos
                         as coisas
                              melhor

...o sol estupra a lua
             coagulando penumbra
                      & medos ancestrais...
astecas fazem sacrifícios
  ...truculência por benevolência...
cristãos dobram os joelhos
   ...o anticristo escancarado...
bruxas dançam nuas
  ...o poder aumentado...
gregos calculam
  ...um pouco de sanidade adquirida...
druidas pressagiam
  ...rumores de um futuro passado...
...a lua fere o sol
               dissolvendo brilho
                        & assombros arcaicos...



2 de out. de 2024

CaraMásCara

 

Na minha cara
Máscaras são como o redemonho
Transparentes como ar poluído
Furiosas como a brisa

Na minha cara
Fere o furacão
Que gira roto, expulsa & lixa
Tudo no caminho

Na minha cara
Se esconde o choro & o escárnio
Sem maquiagem ou barba
Só o muro facial que colide com o mundo

Na minha cara
Velha, irreconhecível & baconiana
Contorce agruras de músculos
Que aventa sorrisos & monstros


 

1 de out. de 2024

Venturas

 

"Aquele que se deixa prender
por uma única alegria,
rasga as asas da vida.
Aquele que beija a alegria
enquanto ela voa, vive no
amanhecer da eternidade"

William Blake

O vento
   que força as asas da águia
Vem
   & bate na minha face de barro
Vai-se
   detritos da visão do voo
& fica a saudade travestida de vontade
   de voar no sopro do ar

Aventa-se
   os mentirosos de milênios
Que um dia tive asas
   para voar mais do que no vento
Asas de cruzar estrelas
   transitar dimensões
Agora tenho só face
   em que mal cabe máscaras



26 de set. de 2024

Atentamento

 

Se nem a dor mais incomoda
   ou ainda virá a incomodar
      somos confinados ao encantamento
      de não perceber as maravilhas de existir
Eu passo o olhar
   no delineamento das formas que passam
      & aprecio o belo & o feio que compõem
      a perfeição dentro da imperfeição
Assim os sentidos lutam
   desvelando novas formas de sentir
      para por a dor no seu espaço certo
      & o prazer em todos os tempos



25 de set. de 2024

Alheamento

 

A todo instante
   tentando acordar
      do sonho dentro do sonho
      que nos mantém cativos
O corpo atento
   inquieto com o sono
      tendo que combater primeiro
      o sonambulismo próprio & alheio
É tudo uma luta
   de corpo & mente
      contra uma derrota programada
      pela máquina do mundo



23 de set. de 2024

Matinal (um haikai extendido)

 

Cinco & trinta da manhã
Pura segunda-feira

As pessoas saem para as ruas ainda escuras
Daqui sete minutos o dia vai clarear

O sol não vem carente como a maioria de nós
Virá quente

O que posso dizer sobre a semana,
   cinco dias a passar,
Cabe em um haikai extendido por oito sílabas:

Aguentar até sexta-feira!



21 de set. de 2024

Riscos

 

Só depois de me envenenar
   me arrependo
      & não tem como pender
         pro lado da lamuria, resta tolerar
Antídotos são prescritos
   & no sono ainda agito
      mais do que orações
          para se evitar o mal a me corroer
Os riscos no corpo
   são crateras, traços de colisões
      que não se pode evitar
         mesmo podendo se prever
Eu tenho duras penas à cumprir
   & deixar outras para escrever
      antes que seja tarde
         a morte pelos venenos chegar
& os riscos que não recortam
   só rabiscam no confuso corpo
      cravado de alma, mapa sem norte
         & abismos a se percorrer
& preste atenção, aguente calado
   porque a vida é selvagem
      mas a existência há de retribuir no equilíbrio possível, sem se importar com os outros
         um mesmo certo tanto de sofrimento & delícias para cada um de nós