“A arte tem relâmpagos inexplicáveis”
Laci Osório
4.16 – Anquibasia
(Texto de “Heráclito e seu (dis)curso” (pp.101/102) de Donaldo Schüler – L&PM)
Concluamos com uma palavra em situação dicionária, por onde poderíamos ter começado.
Anquibasia (B 122)
A palavra é parcialmente dicionária, porque no momento que é atribuída a Heráclito, ela sai do dicionário e entra num contexto produtivo. Quem a registra é Suídas, um lexicógrafo tardio de quem se ignoram dados biográficos e que deixou um Lexikón, espécie de dicionário enciclopédico com mais de trinta mil artigos que, embora não obedeça a critério rigoroso, contém informações preciosas do mundo antigo. Ankhibasie é uma palavra rara. Como não está excluído que tenha sido criada por Heráclito, resolvemos recriá-la em português, anquibasia. Qualquer tradução - e há várias – lhe rouba as multissignificativas sugestões. Ankhi (próximo) é um advérbio poético que unido a basie, derivado de baino (andar), significa aproximação, o andar na proximidade de. O léxico de Suídas sugere, entretanto, que ankhibasie tenha sido criada para substituir amphibasie (separação, desacordo, discussão, contestação).
Anquibasia leva-nos a território heraclitiano: convergir para divergir, aproximar-se para contestar. Heráclito freqüenta filósofos, poetas, sacerdotes, devotos, oradores, políticos... Onde quer que haja discurso está Heráclito, certo de que convergências e divergências afastam e aproximam do Discurso. Como discorrer sem andar na vizinhança do Discurso? Quem pensa anda próximo, tem certa intimidade com os que pensam e com coisas sobre as quais se pensa. A hostilidade faz parte da intimidade. Quem esbraveja mostra-se insatisfeito com o que lhe é próximo: outros, ele próprio, todos, tudo. A anquibasia transcorre entre o alcançar e o ser retido.
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