A
Anti-Verdade
ou
Como
deixei de me preocupar com as aparências
e comecei a amar meu gato wabi-sabi
(Um texto nada orignal, otimista ou com sentido)
Pela
manhã me veio um pensamento sério (desses de sexta-feira que anuncia um final
de semana sem dinheiro):
“Uma civilização é construída com escravos.
Depois de muito tempo surge no seio dessa civilização a mais avançada das
ciências!”
Onde a Ciência é como uma flor que brota no
centro da pilha de mortos humanos que adubam com sofrimento as baterias da
civilização.
E ironicamente é a ciência que tem o poder
de dizer o sentido do homem e de também destruí-lo. A ciência é uma espécie
escandalosa de consciência do mundo, fria e sintética, mas original, fruto da
capacidade de intelecção (adoro essa
palavra, intelecção, não sei por que) humana.
Quando uma civilização está madura o
bastante, surge no seio da sociedade dois ou três oponentes complementares (algo como tese, atíntese, e síntese?), o
cientista, poeta e o economista, eles são a soma e a negação de tudo que foi o
pensamento humano até então. Religião, filosofia, técnica, política...
Então o cientista e o poeta serão primeiro
um só, se confundirão erigindo uma ciência poética e uma poesia científica,
então finalmente eles se separarão (por
questões técnicas) e disputarão o atributo de destruir a civilização que os
gerou. Ao economista cabe a pecha de ser um sábio destinado a pensar e influir
na vida de toda demais civilização de escravos.
Os poetas reclamarão uma volta ao arcaico,
os cientistas uma fuga para o espaço, e os economistas de dar seguimento à vida
no mundo. E nesse meio tempo os restolhos de pensamento do caminho, religião,
filosofia, técnica, política, que estão mais próximos da sociedade, terão as
armas necessárias para incendiar a montanha de cadáveres que é uma civilização,
e finalmente o farão, pois essas instâncias menores (ou maiores) têm um sentido de identidade divina.
Primeiro incendiarão suas próprias verdades
na fogueira da hipocrisia, sem nenhum medo de parecerem hipócritas, pois falam
pela verdade única. Depois incendiarão o pensamento com a polêmica da moral
definida, já que o pensador é uma espécie de porta voz da racionalidade. Então
porão fogo no senso de comunidade com o distanciamento tecnológico, afinal na
distância é mais fácil expor opiniões radicais ou ridículas. E aí o Nero Final
será o político fantoche de egos coorporativos, aqueles que amam a fantasia do
poder e se contentam apenas com uma corrupção lucrativa.
Além disso, o incêndio penetrará nos bunkers
da economia, que mesmo sendo um acordo sem realidade de fato, é bem inflamável,
pois é onde mora a verdadeira essência de uma civilização, seu assassino, seu
Cosmocrator, e o Deus Lucro incendiará o mundo inteiro, somente no intuito de
recomeçar, recomeçar, começar de novo o eterno teatro da chacina humana. Se
auto-destruindo ele é eterno pois ele é uma Fênix, ou melhor, uma lacraia, precisa sempre de fogo
para provar que contém vida e é eterno. Assim é que o economista, o
Anti-Fausto, venderá sua alma e ganhará a concessão de decidir destinos, pois
escravos não podem decidir sobre isso.
Afinal uma civilização se faz de escravos. E
o melhor escravo é aquele que crê servir a um senhor poderoso. E o que há de
mais poderoso a não ser um imortal. Pouco a pouco em uma sociedade altamente
informacional, aquele que tiver a capacidade mental de observar o fluxo dos
gráficos econômicos será o pequeno senhor da civilização. Hoje mesmo já podemos
encontrar muitos desses seres semi-divinos habitando em seus palácios.
Enquanto isso o sangue dos homens rega os
jardins suspensos da cidade reluzente, os músculos de homens movem as
engrenagens dos elevadores e os motores dos carros, os ossos de homens são os
alicerces dos arranha-céus, o suor dos homens é o preço de seu orgulho na fila
de empregos por mais uma semana de sonhos de riqueza, suas mãos são as mãos que
sufocam crianças até a fome lhes definhar, suas bocas são as bocas que consomem
o holocausto animal, suas pernas são as pernas que movem as passarelas da moda
onde cadáveres ricos desfilam, seus braços são os braços macabros que carregam
as armas para os frontes de guerra, seus narizes são os narizes que aponta para
o céu clamando por mais uma inalação do fedor das drogas que amansam, suas
costas são as costas das praças que reúnem zumbis do consumo em suspensão do
julgamento, e seus olhos, seus olhos são o órgão atrofiado e indiferente que
jubilam-se na orgia de ver todo seu corpo apodrecer no tempo por mais uma
esperança que nunca chega. O homem, quer dizer, o escravo, é a matéria prima da
civilização.
A massa de manobra do economista, servo
tecnocrata dos políticos, aliás, a conspiração economista ganha cada vez mais
espaço de ação e poder temporal na civilização, pois tempo sendo dinheiro,
aquele que visualiza o rumo que o dinheiro toma é por suas qualidades inerentes
o tecnocrata superior.
A melhor matéria prima para se moldar é a do
escravo traidor. E há uma abundância de oferta deste produto. Uma civilização
eterna de escravos maltrapilhos cheios de bugigangas que seguem para o moedor
de carnes cego da auto-traição. Da mútua traição. Da traição disfarçada. Da
traição escancarada. Traição é traição, e uma civilização só pode existir
enquanto existir deslealdade entre os escravos. Todos os níveis de deslealdade.
Agora mesmo fazem uma farra via satélite
comemorando a decepção de todas as profecias. Agora mesmo um bando de
semi-símios escancara a graça divina em quarenta canais de televisão de seitas
religiosas e horários milionários pagos somente com dinheiro de doações. E a
civilização dorme em paz sob as bênçãos do deus do lucro, e por mais que digam
o contrário, por mais que exultem diante de seus livros sagrados, por mais que
os milagres aconteçam, por mais que seus porta-vozes apareçam descontraídos e
bem vestidos em propagandas, eles sabem entretanto que não estão no controle de
nada. Eles só servem. Eles só traem. E são bem pagos para continuar mandando
provisões de graxa humana para a máquina de triturar da civilização.
Economistas, padres, pastores, monges, eis os melhores tipos de especialista no
negócio da civilização.
Alguns deles são até sinceros, mas a
sinceridade é como o patriotismo, o último recurso dos covardes, dos traidores
da raça humana.
Os templos, as escolas, as rede sociais
digitais, a policia não são nada mais que a sincera verdade da civilização. Uma
verdade usada como recurso midiático, como arma perfeita. Mansidão, razão, liberdade,
controle. Esperança, lógica, conforto, segurança. Amor, certeza,
interconectividade, propriedade. Deus, profissão, consumo, funcionalidade.
Medo, desemprego, pobreza de espírito, repressão. Dogma, miséria, futilidade,
tropas de choque.
Finalmente, na calada da noite ou ao meio
dia sob o sol de Parador, dividirão de novo os nacos de carne a serem
misturados com o concreto dos palácios, dos altares, do púlpito, do quartel, da
bolsa de valores, onde um verme corrói tanto os pavões da justiça da suprema
corte quanto o frango covarde e falacioso da democracia. Terminado o festim,
nunca farto ele seguem em frente, rumo ao órgão da próxima desestabilização, da
próxima comissão, da próxima faxina, a próxima crise, o próximo programa de
domingo, a próxima propaganda estatal em uma revista privada, o próximo evento
esportivo, a próxima chacina, a próxima aparição da Virgem, o próximo grande
livro do guru, o próximo natal, o próximo ano fiscal, moda, festa, frase,
sucesso, anjo, polêmica, pacote, aparelho, DVD, atentado, descoberta,
doença..., a próxima traição, a modernidade que justifica o avanço da
civilização.
O homem atual nunca será o exemplo bom da
sociedade que sustém, pois não há homens, só há escravos, e o escravo nunca é
modelo de nada, o escravo é a matéria prima da civilização. O modelo do mundo é
o traidor, é o fantoche, é o ator, é a mentira. O cego.
É o aparelho mais moderno, o remédio de
última geração, a moda do próximo verão, a nova semente geneticamente alterada,
o novo corte de cabelo, o modelo do ano de carros e motos, a nova programação do
hardware, os novos aplicativos para baixar, o bóson de Higs, a continuação da
série, a lâmpada econômica, a churrasqueira saudável, etc. Em cada lançamento a
mentira e a traição da eterna novidade tão velha como o modelo anterior.
A Mentira Ideal no mundo meta-platônico que
vivemos é a Verdade. Uma civilização se faz de escravos e depois a verdade é
deixada no centro do jardim das delicias para os escravos se matarem mais ainda
por ela (uma civilização nem precisa de
armas de destruição em massa, o próprio avanço da civilização é uma arma de
destruição em massa, vide o aquecimento global, as metrópoles, a nossa comida
industrializada, etc.).
Porque a verdade é mesmo uma mentira
repetida, ou ao menos, repetida pelo âncora do jornal do horário nobre, que não
informa mais do que superficialidades, porque a verdade, a verdade mesmo, seria
insuportável para a audiência (conheceis
a verdade, e a verdade te libertará!?), ou mesmo porque tempo é dinheiro e
não há espaço para se explicar tudo que se passa onde a verdade de fato atua,
nos bastidores, nas entrelinhas, na cabeça do economista ultra técnico. A
verdade está lá fora, e deixe que fique lá, pois cheira muito mal para passar
no horário nobre.
E se, Oh! Escravo, tens a verdade como pauta
em tua vida civilizada, é por que bem te comportas para ir edificando uma
civilização. Honesta, temerosa a teu Deus de escravos, boa para teus pequenos
filhos escravos, segura para teu bom emprego escravo, limpa o bastante para tua
higiene escrava, alegre o bastante para tua felicidade escrava, bela o bastante
para tua escravidão por beleza, sempre jovem, loira e bem sucedida, com os
cabelos perfeitos, os dentes saudáveis e os seios grandes e a bunda farta para
sustentar pernas grossas como todo bom puxador de carroças exemplar deve ter, para
se exibir como alguém de sucesso no desfile cotidiano do arrasto dos arados
pelas ruas asfaltas da cidade de escravos. Vendendo todas as formas de cobiça
nos intervalos da desinformação.
Eis que chegamos então aos tempos da última
traição. Ela se pode notar nos rumores de guerra sem sentido, como tudo que os
homens fazem. Família, povo, crença, vaginas e cinema. Ela se pode notar pelo
número de toneladas de lixo recolhidas diariamente das ruas. Ela se pode notar
pelo preço de uma vida. A última traição pulula nas galeras das torcidas de
futebol e distribui diplomas nos botecos onde universitários vão encher a cara
de álcool. Os rumores da ultima traição são ruídos de esperança e prosperidade
afinal! A vida é bela e os pessimistas são só um bando de fracassados mesmo.
Quanto mais desemprego mais as ações se
valorizam. Quanto mais destruição mais os mercados que se abrem. Quanto mais escasso
os recursos mais se valoriza a informação. Quanto mais as igrejas estão cheias
mais o medo é renovado e todo tipo de confronto intelectual imbecil é possível.
Quanto mais drogas são produzidas e vendidas mais o sistema financeiro e a
indústria química se fortalecessem (já
que a droga é o produto capitalista perfeito por excelência). Quanto mais
liberdade mais remédios para ansiedade serão empurrados goela abaixo. Os
rumores nunca foram de tanta esperança, pois esperança significa oportunidade.
E oportunidade tem no manual de instruções “pisar na cabeça do concorrente”.
E se entendes os rumores de esperança como
indícios de degradação, de vã soberba, isso é só porque tua forma de escravidão
está só um pouco mais abaixo ou acima de onde a fome se instala e gera os
circuitos da prosperidade. Talvez tu penses demais em sexo ou tenha nojo disto.
Talvez tu sobrevalorizes demais tua inteligência ou desdenhe de ter que dar
trabalho a teus pés. Talvez tu sejas rico ou pobre demais, talvez perdeste
mesmo o foco da vida quando saiu rumo ao teu emprego seguro dentro de seu carro
popular com o adesivo traseiro “presente de Deus”.
É porque a tua forma de escravidão é daquela
que pensa firmemente que combate contra o mundo a partir do centro nefrálgico
onde a fé se confunde com o castigo, o coração que bate por não poder fazer
outra coisa, ou os genitais que gozam sem poder fazer diferente. O contrário
disso é possivelmente sua condição existencial: insensibilidade! Infarto da
indignação, impotência estética.
Mas o que há para além da civilização? Choro
e ranger de dentes? O que é a civilização? Choro e ranger de dentes? Logo
teremos religiosos, filósofos, técnicos e políticos loucamente corajosos o
bastante para efetivar uma punição coletiva definitiva contra todos que já
choraram muito e o bruxismo de seus dentes nivelou a arcada dentária durante o
sono. “Vitam Impedero Vero”, quando li isso em latim pensei que queria dizer
que “a vida impedia a verdade”, mas é justamente o contrário (malditos Romanos! Maldito Schopenhauer! Quão
distantes uns do outro, quão malditos!).
Em um mundo onde mulheres espancam crianças
e velhos. Em um mundo onde homens infligem burcas a mulheres. Em um mundo onde
animais vivem em zoológicos. Um mundo que não tem tribunais para Estados, que
comporta paraísos fiscais, que disponibilizam foguetes nucleares e químicos, que
moleques são médicos, advogados e delegados, que reis caçam elefantes e tigres,
que cantores ditam o comportamento, onde atletas e coristas são as pessoas mais
bem remuneradas... os traidores só podem pedir por uma punição definitiva para
eles mesmos: A vida impele-nos à verdade. Que a civilização prossiga!
Cientistas e poetas prepararam isso, economistas
aproveitaram do sono da razão e agora mesmo vendem tos juntos seu holocausto.
Eu sou um poeta. Os cientistas estão por aí.
Os economistas não perdem tempo conosco, apenas fazem cálculos, cortes e
previsões. Nós todos só oferecemos sabedoria, dados, consciência, enfim, uma
faísca para o incêndio. A não ser pelos economistas, eles mantém seu próprio
fogo frio aceso.
E para não dizer que não falei das flores,
dou aos escravos como eu, um último ultraje: se a civilização é o circuito
cibernético da escravidão, o que seria o indivíduo sozinho?
O individuo é um escravo livre o bastante
para pensar em fugir, irresponsável o bastante para cogitar tipos de liberdade,
louco ao ponto de sugerir uma salvação.
Salve-se a si mesmo, e ao tentar estar
fazendo isso, essa traição final a todas as traições, talvez entenda como
enganar ao enganador, e fazer com que todas as ilusões sejam enfim reveladas,
pelo menos para você, ali só e totalmente desamparado a luz lhe alcançará,
penetrando por onde ela deve e pode penetrar, na fissura gritante de toda
mentira.
Gosto muito de cantar “... nós gatos já
nascemos pobres, por isso já nascemos livres...”, é quase um hino para mim. A
civilização se faz de escravos porque ela gera riquezas, e os que seguram o
chicote hoje em dia, os economistas, fazem seus prognósticos para que continuem
a existir os que são servidos e os que servem.
Já foi dito que os poetas não servem mais
para nada. Antes disso disseram o mesmo da filosofia, a ciência ainda pode
construir armas melhores (e teorias que
expliquem o campo), são muitos importantes e necessários os religiosos, os
políticos, a policia e os professores, mas o mundo necessita mesmo de
economistas? (Essa pergunta não foi para
os escravos membros da sociedade civilizada, mas para os indivíduos).
Eu sei que não há muito alento na escolha
entre ser escravo e ser renegado (mesmo
porque a maioria dos renegados são incríveis fracassados, pelo menos é o que a
civilização diz de quem perde, dos que negam seu óbvio). Mas aí está a
diferença de se ser massa, gado, ou um gato livre sem dono contra o qual
nenhuma injustiça poderá ser cometida mais (mesmo
porque não há para quem reclamarem).
Faça um favor a você mesmo, destrua sua
prisão. Há até uma lenda rondando por aí que diz que apesar de não termos
nascido para ser feliz, ainda podemos ter humor. E mesmo que digam que o humor
é o traço particular do ser humano, eu ainda acredito que o humor é o traço
fundamental de quem tenha inteligência, e os escravos se diferem por isso
também.
Para que servirá isso? Veremos depois do fim
do mundo.
Conheça a verdade, e a verdade te revoltará!
Ria de si e serás livre!
Nenhum comentário:
Postar um comentário