(Uma crônica crítica do dia 13 de Março de 2016 em
Uberlândia)
“No mundo realmente invertido,
o verdadeiro é um momento do falso.”
...
“O espetáculo apresenta-se como algo
grandioso, positivo, indiscutível e
inacessível.
Sua única mensagem é «o que aparece é bom,
o
que é bom aparece». A atitude que ele exige
por princípio é aquela aceitação passiva
que, na
verdade, ele já obteve na medida em que
aparece
sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.”
...
“O espetáculo é o capital a um tal grau de
acumulação que se toma imagem.”
G.
Debord
A chuva da noite passada não quer dizer mais
nada. Na praça limpa, com as avenidas e ruas laterais varridas pelas enxurradas
vespertinas, se intumesce um clima de protesto. O espetáculo vai começar...
Sentado em um banco de onde observo a
multidão em pé ao sol, posso notar o vai e vem dos mais velhos, das crianças e
demais pessoas.
Logo um desfile de moda da estação começa a
transitar pelas vias periféricas da praça, sob a sombra. Uma característica
denota o protesto desde cedo, é algo loiro, ou oxigenado, bem vestido e cheio
de saúde.
Logo indícios de mal-estar começam a
fulgurar como apontamentos psicológicos para quem os sabe notar. No caminhão de
som, o mestre de cerimônias dá avisos, instruções de comportamento, relata a
presença de entidades, pede aplausos, tudo muito civilizado, até dizer que
queria o fim do mandato de Dilma, fosse por renúncia,
impeachment ou suicídio...
Ofensas não faltam, seja em cima do carro
de som, seja em cartazes e camisetas em toda a praça, elas revelam um
ressentimento travestido de “ética” difícil de engolir, é apenas moralismo, o
mais baixo, o que vejo é um forte rancor expresso em todos os que protestam.
Sinceramente não vejo sanidade ali, tudo é
festa, sim, mas esse é o momento daqueles que sempre criticaram a forma festiva
das esquerdas. Tal festejo tem mais a forma de descarrego, desagravo. Finalmente
a incompetência da Esquerda e a truculência do PT de Lula e Dilma conseguiram
fazer despertar tal energia que estava simplesmente contente com seu bem estar elevado,
com suas negociatas, com os favores prestados pelos políticos, mas agora é
ponto de honra combater “os vermelhos”
Por exemplo: as atitudes do atual prefeito
de Uberlândia, do PT, em nada divergem qualitativamente das atitudes do seu
antecessor, do PP. Mentiras, uso da máquina pública, serviços aos amigos, ferro
nos inimigos, divergência com a imprensa, e a generalização do terror medíocre,
seja ele político ou religioso que instalam, ambos, à sua forma, cheio de
Uísque, Cachaça ou sobriedade canalha. Um é cria do outro, esquerda direita, direita esquerda, direitos deveres, deveres direitos,
as coisas não são tão simples. Os que protestam agora, parte (não todos), mas a
maioria, carregam uma pulsão psicológica diferente da militância de esquerda,
porém são da mesma qualidade: péssima.
Uma fileira entra pela lateral, querendo
fazer se notar, são os Maçons, ordenados, os construtores da civilização, do
bem estar social, da doutrina, entram mudos e saem calados, como convém a eles,
e me lembro do discurso de Kennedy... não sei porque!
As velhas músicas de protesto, as poucas que
tocam, foram compostas para criticar outros elementos políticos, que agora
estão sendo depurados pela história, como estão fazendo com a nefasta figura de
FHC, redimido em tempo para ascender ao patamar de líder político da nação. Tocam
Cazuza uma duas os três vezes, tão burguês/anti-burguês com o toque do protesto
que se desenrola, um jogo espetacular que aponta o ato-falho que se estabelece
ali no coração dessa rica e prospera cidade: “Brasil, mostra a sua cara [ontem
e hoje, quem são esses assim convocados a ‘mostrar a cara’?]
Quero ver quem paga, pra gente ficar assim! [anunciando desde aquela
época as negociatas do poder, então presidias por outras instâncias políticas!]
Brasil! Qual é o seu negócio, o nome do seu sócio... [bem, sabemos quem
sempre foram os sócios do Brasil...], e assim vai, “música de protesto”,
amortizada, no protesto dos felizes... Em tempo, fazem uma paródia de “Pra não
dizer que não falei das flores”.
Chega a hora do civismo, vamos cantar o
Hino Nacional. Fico impressionado, pois esperava aquela paixão de campo de
futebol, mas isso é muito popular, ao contrário as coisas são quase comedidas, não
fosse um corneteiro que tocou junto e a fanfarra também, não se houve o canto
alto, as palavras que deviam ser de união da alma, e o Hino termina no meio,
executando-se só a primeira parte, com um “final” arrebatador, aplausos e
gritos, sem nenhuma lógica, apenas a confirmação estranha de ter feito graça a essa
parte ao panteão brasileiro.
Só aí entendo o que realmente se passa. Isto
é um show, um espetáculo, uma cena. O que se dá é puramente um conluio
inconsciente de todos ali em busca de extravasar raiva, despeito, não há
civismo, mas apenas a vontade feroz de protestar, protestar contra a jararaca,
como dizem, contra os bandidos, contra os sem-vergonha, contra os médicos
cubanos, etc.
O histerismo é visível quando uma mulher
começa a discursar, e fica mais impressionante justamente por ela ser mulher e
dar vazão sem pudor à onda histérica que proporciona. Depois conclamam, como se
fosse uma oração, um mantra, convocando todos a repetirem alto, os pontos pelos
quais se está manifestando.
Um sentimento quase religioso se instala.
Sinto se revelar enfim a onda arquetípica que está dominando aquele evento: é
um afloramento Apolíneo que emerge, que toma conta de tudo.
Posso ser acusado de preconceito, de tendenciosidade,
mas eu estava ali esperando um pouco de lucidez, um clamor por Justiça, por
Ética, mas em nenhum momento vi ou senti isso. O protesto era uma grande
encenação de descarrego, mexendo com energias primitivas represadas em uma
camada da sociedade que nunca se deu a isso, pessoas que sempre foram
privilegiadas pela vida, de nascença, por herança, ou que conseguiram vencer na
vida pelo esforço de seus estudos e trabalho, todos os tipos que foram muito
recompensados nesses tempos de governo do PT, ganharam muito dinheiro em suas
empresas e em seus serviços nos últimos anos. Agora se põem em discordância,
quase que inconscientes dos verdadeiros elementos em ação em todo o momento
histórico pelo qual passamos. Não há qualquer noção de justiça social, mas
justiça do dos Jacobinos e Girondinos, a justiça do terror, seja de esquerda ou
de direita, essas posições políticas que uma garante a outra, sem nenhuma
preocupação democrática ou popular, tudo mergulhado em uma inconsciente que sempre
foi latente da direita, que se acha isenta da Ética, vide pesquisas de opinião
a respeito do problema envolvendo o Zika-Virus e a gravidez.
Evidentemente há ali pessoas pobres, até
necessitados do serviço social, porque não?! Mas eles não são o sujeito da
ação, eles não podem comprar bonequinhos infláveis de R$20,00, fetiches
representando Lula presidiário e Dilma ladra, e nem podem pagar por grandes
bandeiras amarelas com mãos de quatro dedos. No máximo adquirem alguma
bandeirinha de plástico do estoque da última copa.
É claro que qualquer um pode comprar, com
mais ou menos esforço uma camisa da CBF com o horrível e sem sentido símbolo da
Nike, aquele trenó Rosebud ou concha que em nada remete à Deusa da Vitória, a
não ser pelo fato que é uma marca de sucesso, mas as camisas oficiais amarelas
são a maioria.
Ordeiramente a passeata parte depois do Hino
Nacional ridiculamente entoado, segue seu circuito curto, preestabelecido, tão
normal, tão apolíneo, tudo que não seria noticia se não tivesse tantas pessoas.
Ao fim esse protesto parece enfim instalar o
Brasil na modernidade, ou na pós-modernidade, com ele nossa sociedade enfim se
insere na civilização mundial, na Sociedade do Espetáculo. Nossos momentos
iniciáticos foram a Copa do Mundo, e agora as Olimpíadas, tudo imerso no
caldeirão político de corrupção, antevendo um golpe na vontade popular, que não
significa nada a não ser o que as elites desfilosas
agora tomaram gosto, e tornarão seu querer, com a iniciativa do
Parlamentarismo, única forma entrevista para combater as máfias dos partidos
políticos.
Protestando, desfilando, gritando, a elite
financeira ou esclarecida do Brasil insere a nação no futuro então, o futuro
que começou há décadas, mas agora finalmente se efetiva em Pindorama:
“O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande
diversidade de fenômenos aparentes. As suas diversidades e contrastes são as
aparências organizadas socialmente, que devem, elas próprias, serem
reconhecidas na sua verdade geral. Considerado segundo os seus próprios termos,
o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, socialmente
falando, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do
espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; uma negação da vida que se tornou
visível.” (Tese
11: “Sociedade do Espetáculo”. G. Debord, 1968).
De tal forma que as aparências são
exacerbadas, o clima de desfile é grande, a ordem notada é expressão da vontade
maior, reprimida, antes uma ditadura de direita do que de esquerda, antes uma
conflagração estética do que ética, é para onde tudo aponta, e assim vai. É
necessário no seio da sociedade essa representação que ocorre, ela deve ser
forte para combater a representação que beira à idiotia da “presidenta” e do
ex-presidente agora incriminado, finalmente.
E mais, seguindo as linhas da crítica social
de Guy Debord, podemos finalmente ver o que são realmente esses protestos, o
que representam em sua essência, para além da concatenação psicológica, das
urgências morais, do grito dos que nunca foram oprimidos, ela representa tudo
isso, mas mais além, no debate ideológico (no caso do Brasil seria “ideo-ilógico”), representa a expressão
de nossa “fraqueza intelectual”, representa a mediocridade dos formadores de
opinião, como os pensadores que apóiam Lula e o PT, justificando cegamente
também os erros do PSDB e da direita, como os eventos da história reescrita
pela TV Globo, que agora defenestra Lula e Dilma, depois dos favores prestados
em seus governo à tal instituição e outros loucos embates menores, cotidianos,
nas escolas, nas repartições públicas, nas ruas, nos bares, que revelam a
porcalhice de nossa opinião política, nossa alienação eterna em relação à
Democracia e à Nação Brasileira, tudo emergindo na forma dessas manifestações.
Por fim, o último perigo que nos aflige,
como notei na manifestação, e que permeia radical, pelo menos no nível
municipal, que é a fonte de energia de todo Fascismo possível de se instalar,
seja de esquerda ou de direita, que é a questão emocional re-dirigida à Religiosidade,
para mim o maior dos perigos que se instala, como verme terminal no corpo moribundo
da política nacional, e que é o golpe definitivo no Esclarecimento Cultural e
Científico da Consciência, fator histórico com o qual todos nós, sem nenhuma
exceção, contribuímos nesse país.
O Paraíso na terra prometido pelo
comunismo, associado às correntes Católicas, que ladeia em latência e
concorrência com a visão de mundo maçônica, que deve ser sumamente negada pela
direita e pelos liberais, pois em seu profundo conhecimento burguês sabem que
não pode haver desenvolvimento eterno capaz de suprir de bens e serviços toda a
humanidade, ideia que devia definhar em cada bairro da periferia, com sua
realidade, se não fossem os discursos Evangélicos conclamando desde lá, para
ricos e pobres, que Deus deseja prosperidade para todo ser humano; o ideal de
paraíso (prosperidade, bem-estar social, justiça, ética) adentra na política
totalmente distorcido, na polarização apolínea asséptica do discurso atual, que
reverbera na manifestação:
“À medida que a necessidade se encontra
socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O espetáculo é o mau sonho da
sociedade moderna acorrentada, que ao cabo não exprime senão o seu desejo de
dormir. O espetáculo é o guardião deste sono.” (Tese 21: idem).
É isso que eu temo, que essas manifestações,
que estão lidando com o profundo sentimentalismo nacional, enquanto a minoria
privilegiada engrossa o caldo nas praças, e a maioria desprivilegiada fica nos
bairros tomando sua cerveja domingo de manhã, que aflore disso mais um sono e
com ele mais um pesadelo, onde quem sempre sofreu continue a sofrer, e quem
sempre gozou continue a gozar, creio mesmo que os agentes em movimento procuram
efetivar, mesmo que inconscientemente, somente isso, ou seja, tudo ficar como
sempre foi.
“O espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem presente faz sobre
si própria, o seu monólogo elogioso. É o auto-retrato do poder no momento da
sua gestão totalitária das condições de existência. A aparência fetichista de
pura objetividade nas relações espetaculares esconde o seu caráter de relação
entre homens e entre classes: uma segunda natureza parece dominar o nosso meio
ambiente com as suas leis fatais. ... A sociedade do espetáculo é, pelo contrário,
uma formulação que escolhe o seu próprio conteúdo técnico. O espetáculo,
considerado sob o aspecto restrito dos «meios de comunicação de massa» — sua manifestação
superficial mais esmagadora — que aparentemente invade a sociedade como simples
instrumentação, está longe da neutralidade, é a instrumentação mais conveniente
ao seu automovimento total. As necessidades sociais da época em que se desenvolvem
tais técnicas não podem encontrar satisfação senão pela sua mediação. A administração
desta sociedade e todo o contato entre os homens já não podem ser exercidos senão
por intermédio deste poder de comunicação instantâneo, é por isso que tal «comunicação»
é essencialmente unilateral;
sua concentração se traduz acumulando nas mãos da administração do sistema
existente os meios que lhe permitem prosseguir administrando. A cisão
generalizada do espetáculo é inseparável do Estado moderno, a forma geral da cisão na sociedade, o produto
da divisão do trabalho social e o órgão da dominação de classe.” (Tese 24:
idem).
O que parece ser o momento da união
nacional, já se demonstra desde a origem justamente como nossa maior cisão, por
ignorância de ambas as partes políticas, farinha do mesmo saco, e agregada pela
ação do povo brasileiro, incivilizado, aculturado pela televisão, crentes no
paraíso, tornado mais medíocre ainda pelas redes-sociais que impõe um padrão de
politicamente correto que enfim reuniu as lideranças desses movimentos atuais,
os pros e os contras.
“A origem do espetáculo é a perda da unidade
do mundo, e a expansão gigantesca do espetáculo moderno exprime a totalidade
desta perda: a abstração de todo o trabalho particular e a abstração geral da
produção do conjunto traduzem-se perfeitamente no espetáculo, cujo modo de ser concreto é justamente a abstração.
No espetáculo, uma parte do mundo representa-se
perante o mundo, e é-lhe superior. O espetáculo não é mais do que a linguagem
comum desta separação. O que une os espectadores não é mais do que uma relação irreversível
com o próprio centro que mantém o seu isolamento. O espetáculo reúne o
separado, mas reúne-o enquanto
separado.” (Tese 29: idem)
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