29 de fev. de 2024

Vinte & Nove de Fevereiro

 

Uma perspectiva relativa pauta tudo,
   tudo que fazemos, tudo que vemos
      percebemos, julgamos, reagimos...
Um fator nos encaminha, coaduna
   rege, perfila, define & indefine...
Esse fator é o
                              T E M P O

& hoje, no dia fora do dias,
   corrente de inacontecimentos
      reverbera um pequeno escape
         de nossa prisão do conhecimento inato
            que nos aprisiona...

Assim, escapulindo fantasiosamente do tempo
   através de uma data ilusória
      na engrenagem do calendário,
Vamos sorvendo um dia a mais
   que entranha na carne
      sem fazer diferença nenhuma
         & mudando tudo!



27 de fev. de 2024

1% do Céu

 

Hoje,
   na madrugada,
      o reflexo da lua na janela de um prédio
         entrou no meu quarto,
Pela mesma brecha na cortina
   onde eu via uma estrela
      & uma luz alada não identificada passou...
Todos silenciosos
   as brechas no isolamento,
      a lua, a estrela, a luz,
         iniciaram o meu dia
            & os meus olhos à coisas
               que há tempos não via...
Pela brecha da cortina,
   a abertura da janela,
      entre as frestas dos prédios 
         nos olhos, 1% do céu...
Uma semente de paraíso
   na combinação perfeita & rara
      no escuro silencioso da madrugada.



24 de fev. de 2024

Narrativas Negativas (in)Ativas

 

Existe qualquer coisa mais real que nós mesmos?
Sentimentos profusos inconfundíveis & incompreensíveis...
Existe além da pressão dos eventos que passamos algo que mais importa?
Um só fato relevante em toda essa feira de banalidade superficial do mundo imundo...
Existe, rondando por aí, um caso & um ocaso que supere nossa própria circunstância?
Nesse profundo mergulho rumo à morte, delirante fuga do nada importante...
Sendo nós a única coisa real, nós, imutáveis & estáticos dentro do fluxo do tempo, pararaios das desgraças & filtros dos milagres, aguardando ou expostos, recolhidos ou explícitos, embriagados ou amordaçados, estamos simplesmente aí... & a verdadeira & leal pulsão seria destruir... mesmo que a maioria queira servir, para uma comoção idiota, perto da iluminação, na patética representação de ser bom, legal...
Mas nós, nós, isolados, calados, isolados, refugiados... exilados... simplesmente somos & não somos... nada do que outros poderiam que quisesse que um dia poderíamos... ser! 🖕🏻



23 de fev. de 2024

Pegados

 

A gente desconhece
   a razão da ordem inversa
A complexa simplicidade
   de não se estar só
Uma trégua contra toda saudade ampla
   um refúgio contra a solidão em comum
Se não fossemos tão grandes
   em nossa pequenisse
Acalmariamos a loucura do solipsismo
   & achariamos a contentação na cumplicidade
É preciso o poder da calma
   antes de tudo se dispersar
& medir a inutilidade de cada um
   para com o outro
Através da utilidade de nos amparar
   quando menos pensamos & mais provável
Chuva molhando o asfalto
   lâmpada acesa em quarto vazio
Presença comportando ausência
   ausência em fuga da simples presença
A gente se reconhece enfim
   quando estamos felizes de estar com alguém
& apesar de haver tantos
   & tantos em solidão & outros não
Haverá um certo entre os errados
   haverá um certo acerto pra cada um
Nunca apegados pela graça de estar
   pegados no vazio entre a carne & o amor


 

22 de fev. de 2024

Passantes

 

Cegos para nós mesmos, só sentimo-nos na particularidade das dores... olhar pra dentro, da pele até o átimo de consciência, é quase... imponderável.
   Vemos, escandalizados, ou eufóricos, o mundo mudando em volta... edifícios demolidos, novas construções... o fim da vizinhança... a mudança no tempo... a novidade que vem & vai... mas não percebemos como nós mesmos vamos passando.
   Parece que não estamos onde estamos, que não somos também arrastados pela corrente do tempo, parece que nos recusamos tolamente pertencer à mesma matéria de que tudo é feito... essa coisa moldável, mistura de carne & terra, assim como o mundo é de crime & cimento, vamos recuando no tempo rumo ao desaparecimento.



21 de fev. de 2024

Jazida

 

Deslizando
   por entre as pedras ásperas da vida
A mente & o corpo esfolados
   tendem a procurar a maciez da lida
Minerar, garimpar, lapidar
   o lugar isolado no mundo
      onde podemos prosperar... na sina...

O desejo & a desistência
   regrediram ao mineral
Se instalaram na terra
   como cova de transcendência
& dentro do túmulo do passado
   agitam a alma para um novo modo
      de ser... & de estar...

As saudades agora são pedras imprecisas
   deixadas deitadas pela estrada
Os amores repousam frios
   por entre o pó & o nó espanado na poeira
& os desejos habitam agora
   o jazigo deixado intocado
      para que ainda seja jazida de alegrias...



12 de fev. de 2024

Depois de Domingo

 

Em dias como esse que me pergunto
   se realmente aconteceu um dia lá fora...
Não vi a rua
   não vi o céu
Só impressões dispersas
   de que tudo continuava a existir
      ruim como sempre foi...
Pelas ondas digitais
   vidas falaram comigo
Pela tela da TV
   o mundo colorido bruxuleou
Pelas frestas dos sentido
   o preto & branco continuou...



9 de fev. de 2024

(De)Composição

 

Eu sou o cara que fala de amor
   & ama
Na multidão, na roda de amigos
   nas mesas dos bares, redes sociais
Por entre o barulho da cidade
   & o silêncio das noites
Eu sou o cara que falava de amor
   & amou
Mas como tudo atrai seu acerto de contas
   assim como a luz atrai mariposas
& dos cadáveres brotam vermes
   & o cheiro ruim da morte
Disposto sem máscara
   ao julgamento dos estragados
Eu fui o cara que falava de amor
   & se calou



7 de fev. de 2024

Dias de Chuva

 

Vai
A estrada está molhada
Cai
   nela água do céu
Não são lágrimas
   como as suas
São até doces
   antes dela mesmo beber
      a poluição que sobe
         & o ácido que paira, do mundo...

...chuva de cima, chuva de baixo...

Vai
Toma cautela com as curvas
Sai
   do rumo das trombas de chuva
Está tudo disposto
   liso & sincero
É só chuva no asfalto
   & o cheiro de terra no ar...

...chuva que cai, chuva que repousa...



6 de fev. de 2024

Desadormecer

 

Acorda
& sai pra entrar na tela branca do dia
Na folha branca a ser escrita
À linha, que segue cursiva
   da manhã até à noite
      cair de novo
Acorda
& vai encontrar o que te reserva
Há em potência a probabilidade de tudo acontecer
Desde um beijo quente
   até uma arma fria te encontrar
      & tudo esquentar como o sol
Acorda
Que há promessas de alegria para chegar
& resquícios de infelicidade a se distanciar
& só coisas despertas & prontas à andar
   podem na tela branca do dia criar
      o cenário de cores inclusos o preto & o branco para se formar
Acorda
Que o sol também nasce quadrado para quem é livre
& na liberdade de um dia inteiro
Vamos o lapidando até à tarde
   onde o círculo finalmente se fecha
      & ele desce redondo por entre a linha de um horizonte preenchido de vida



4 de fev. de 2024

Itacolomy

 

Nesses dias, na véspera das vésperas de um grande evento ou um grande nada, catástrofes & metástase do nada cotidiano que se enfileram... eu tenho novamente um sonho recorrente.
   Um velho sonho, encravado em meu subconsciente, sonho cultural, urbano, concreto, reminiscente...
   Sonho que ando pelas ruas da cidade & vou até uma banca de revista comprar um jornal.
   Nesse, eu vou até a banca, posso ver os jornais, em papel claro, novo, bem dobrados & lisos, há revistas dependuradas ao lado, gibis, livros & tudo que há em um lugar desses.
   Em outros sonhos, sempre me vejo comprando jornais ou revistas underground, revista de terror, ficção científica, revistas de ciência, ou livros em outras línguas, principalmente espanhol, coisas de bruxaria, dos Andes, mas sempre com temas ligados à obscuridade, à luz dos sonhos, nosso inconsciente.
   Esses sonhos, com raízes fundas em minha infância, em minha formação cultural, desde o inconsciente legado pela doação cultural familiar, meu pai que adorava gibis, até minhas próprias escolhas conscientes, meus gostos, remetem à uma saudade do que o próprio zeitgeist mudou.
   As bancas de revistas pela cidade estão todas fechadas, não são lucrativas mais, hoje são totens de lata abandonados pelas praças, cubículos vazios encravados em algumas esquinas, como lápides em túmulos de um tempo engolido pelo mundo digital... engolido pelo desinteresse popular pelo papel, pelo seu conteúdo.
   Mas como sonhei, & há muitos dias me coçava a vontade de comprar um jornal, me encaminhei até uma banca de jornal, no caminho, velhas recordações de domingos do passado quando ia semanalmente até à agência distribuidora de publicações da cidade, & dessa vez, ao chegar lá, estava fechada!
   As portas & vitrinas baixadas, os banners da fachada descoloridos & rasgados, a sensação que me veio foi de desolação, imaginando que enfim, a última loja de revista & jornais da cidade enfim havia sido engolida pelo tempo.
   O meu sonho seria então um requiem, uma última lembrança pessoal que um dia havia existido um lugar como uma banca de revista, de jornais, de gibis... cedo ou tarde será!
   Disposta onde era a entrada da loja, um banner indicando que se mudaram para outro lugar, com o endereço, um suave alívio que aquele lugar mágico resistia.



Logo cruzei a cidade, para outro bairro, em busca da loja, & lá, em uma manhã de domingo, encontrei de novo, de portas abertas, a substância real de um sonho, um lugar que vende livros, revistas, gibis, jornais...


    O mundo segue, girando & re-evolucionando, muitas vezes regredindo ou transmutando. Aqui na cidade os cinemas já foram banidos das ruas & avenidas, os teatros muito antes, as garotas de programa também, assim como as bancas menores, as crianças brincando na rua, a segurança & a tranquilidade. As igrejas, as farmácias & os mendigos aumentam exponencialmente nas ruas, nos bairros, sinal que nossa saúde, mental & física, nossa sanidade,  vai sendo sublevada por esses tempos de digitalização.

   Só os sonhos enfim... permanecem, impondo o passado & o que foi bom, para quem teve a sorte de o viver!



3 de fev. de 2024

Desambiguações

 

A vida é um filme sem final feliz
Talvez a gente entenda tudo
   talvez não entenda nada
      só desentendendo o "porque"...

A vida é uma estrada que no fim
   se transforma em ruas ou no retorno
Várias possibilidades afins
   que nunca percorreremos
Não suspensas ou propensas
   mas perdidas no "para sempre"...

Porque a vida, nosso própria vida
   é maior do que a vivemos
O que releva são alguns momentos
O que revela que chegamos
   sem nunca termos chegado
      a não ser no próprio "fim"...

& o que fica, o que vai, perdido
   é saber como estamos presos
      dentro da liberdade
Como estamos condenados
   dentro do próprio paraíso
Ou como somos livres
   dentro dessa opressão toda
Como somos felizes
   cruzando o próprio inferno
Tendo só a dúvida temente da escolha
   entre todas as opções ruins disponíveis
Que no entanto, não trocamos por outra coisa
   a não ser... a vida.



1 de fev. de 2024

Anos Oceanos

 

Oceanos beijam as areias
   com tapas de ondas
      logo nada aprisionadas em ampulhetas
Praias cheias de cadáveres devolvidos
   moídos em alheias resinas
      grânulos de tempo entre os dedos
Multidões de outrora ninguém
   que esperavam o arrebatamento
      até o último momento
Agora descansam
   doando seu sal de lágrimas & ossos
      entre ondas & pedras
Que se batem & arrebentam no trabalho
   de transformar montanhas
      em poeira do fundo do mar