A Grande
Ignorância
“A melancolia é o estado sonhado
do egoísmo:
nenhum objeto fora de si mesmo, nenhum motivo
mais de ódio ou de amor, a não
ser essa mesma
queda em um lodo lânguido, essa mesma agitação
de condenado sem inferno, essas mesmas
reiterações
de um ardor de perecer… enquanto
a tristeza contenta-
se com uma moldura de fortuna, a
melancolia necessita
de uma orgia de espaço…”
– Cioran
(Breviário de Decomposição)
Já li sobre a “grande ignorância” no Tao-Te
King, de Lao Tse. Ali, o velho sábio cavalgador de bois, expressa a idéia de
quanto mais um povo for mantido na ignorância, mais feliz permanecerá, evitando
desgraças.
O tema é tratado por outros pensadores de
todo o mundo. No Ocidente, Tomás de Aquino, que acreditava em bois voando, fala
do “estado de inocência” que o ser humano possuía no Éden. Heidegger, que
considerava-se pastor (não de ovelhas, mas do Ser), fala do tédio que aprisiona
as pessoas no vazio, esse tédio é um dos estímulos fundantes do ser-aí.
Tanto na inocência quanto no tédio o ser
humano se aproxima do animal. O ser-aí é um animal que aprendeu a se entediar
para tentar fugir do atordoamento que caracteriza os animais na natureza, só
que o ser humano sente angústia, a fera não.
A “grande ignorância” em si parece ser um
conceito introduzido pelos gnósticos para a interpretação dos ensinos de Paulo
de Tarso, que caiu do cavalo, que podemos ler no Novo Testamento.
Paulo fala sobre a natureza que se
convulsiona em gemidos e dores de parto na Epistola aos Romanos. Esses
sofrimentos se dão enquanto a humanidade espera pela redenção Divina que o
Cristo, cordeiro de Deus, veio instalar.
Basílides, o mestre gnóstico egípcio, chama
tal redenção de “mégale ágnoia”, a “grande ignorância”, na qual
Deus, depois de apartar de seu rebanho os não-filhos Dele, levará seus
verdadeiros filhos de volta ao Seu seio.
Essa “grande ignorância” instalada no mundo
fará com que cada criatura deseje apenas o que lhes competem, aí, como os
filhos de Deus adentraram na eternidade do tempo, pela via aberta por Cristo, os
não-filhos de Deus serão eternos no espaço, dentro do Universo.
A “grande ignorância” fará com que os que
aqui permanecerem desconheçam qualquer coisa como superior a essa condição, não
mais se falará de Paraíso ou vida eterna, desaparecerão as egrégoras dos deuses
e mesmo a redenção proposta por Cristo, não haverá mais espiritualidade. Será
como se um grande sono que recairá sobre todas as consciências.
Faço essas paráfrases dos parágrafos acima
do livro de Giorgio Agamben “O Aberto – O Homem e o Animal”, para então
refletir sobre o mundo em que vivemos atualmente.
Mas tenho em mente também outras atribuições
legadas que acho próximas à essa “grande ignorância”, como a melancolia e a
acedia universal identificadas por Cioran nos “domingos da vida” onde “o universo
transformado em tarde de domingo… é a definição do tédio”.
Vejo estas disposições da introdução da
“grande ignorância” na humanidade de agora, como parte do processo evolutivo
que a consciência humana percorre. Estamos à porta do grande sono?
O Homem-Animal
“Mas o que é (o homem), mil definições o
denunciam e nenhuma se impõe:
quanto
mais arbitrárias são, mais
válidas parecem.
O absurdo mais etéreo e a
banalidade mais
pesada igualmente lhe convêm. A
infinidade
de seus atributos compõe o ser mais impreciso
que possamos conceber. Enquanto
os animais
vão diretamente a seu alvo, ele se perde em
rodeio; é o animal indireto por
excelência.”
– Cioran
(Breviário de Decomposição)
A “grande ignorância” não seria, como
enganosamente poderíamos pensar ao ler Lao Tse, o mundo da exploração e da
corrupção não criticado, dos livres desmazelos sociais e políticos como é tão
fácil ligar à um país de pessoas sem cultura e ignorante como o Brasil, por
exemplo. Tão pouco seria a quietude alienada, a passividade social.
A “grande ignorância” seria nesse cenário,
um não-saber a respeito do Tao.
Em nossa civilização, hoje, ainda podemos
meditar sobre as coisas transcendentais, porém a violência a cada dia toma mais
território em todos os âmbitos da sociedade, não é só coisa de notícias, a
brutalidade avança.
Um estado de bestialidade vai se espalhando,
enquanto se retiram do mundo os últimos influxos de consciência com capacidade
de pensar o espiritual.
Quando não houver mais mentes que vejam a
brutalidade como tal, a violência será esquecida, e o ser humano se tornará
verdadeiramente animal, o maior dos predadores da natureza, e não haverá mais
moral para termos de comparação das ações na vida cotidiana.
Se estamos no estágio de ainda denunciar a
violência, de recusá-la, é porque ainda a “grande ignorância” não se instalou
totalmente. Porém, observando o atual estado de explosão de violência social, o
grande índice de corrupção política e a absurda exploração da natureza, me
parece que aqueles gemidos e dores de parto estão entrando em seus limites,
alcançando os estágios finais do aborto universal que será o abandono dessas
consciências ou almas não-filhas de Deus dentro do Universo, até que se
complete, daqui a zilhões de anos, o próprio desmanche do Universo, que no
Oriente é conhecido como Mahapralaya.
Tetricamente, dentro deste cenário, podemos
ver que todo este estado das coisas no mundo, é algo planejado desde cima. O
jogo da criação de Deus comporta desde sempre esses fatores todos.
Se o Universo é uma máquina de criar deuses
ou grande crematório, isso cabe apenas ao espírito humano dizer, assim mesmo,
depois que fecharem a fábrica (frigorífico?) e se apagar a fornalha, ou melhor,
o gerador nuclear.
O Espírito
“O espírito não tem defesa contra
os miasmas
que o assaltam, pois surgem do lugar mais
corrompido que existe entre a
terra e o céu,
do lugar onde a loucura jaz na
ternura, cloaca
de utopias e vermineira de
sonhos: nossa alma.”
– Cioran
(Braviário de Decomposição)
Helena Blavatsky ensina em “A Chave para a
Teosofia” que todos os sofrimentos que o ser humano passa na sua existência,
que graças à natureza e a ignorância inerente das pessoas, são maiores do que
merecemos. Então na morte, a alma cai em um estado de descanso e adentra em uma
dimensão chamada Devachan, e ali a consciência humana é recompensada em um
simulacro cheio de beatitudes, conforme a crença de cada um, até reencarnarem
novamente no mundo.
Podemos dizer que esse processo foi urdido
por Deus para ir compensando os sofrimentos desnecessários, enquanto o espírito
faz uma viagem para depositar em outra dimensão os ensinos que adquiriu na
existência, enquanto outros corpos (físico, astral, etc. também se decompõem).
Tal disposição me parece como um processo de adoção das almas por Deus, já que
o corpo e alma são coisas dispostas pelo Universo para permitirem o
relacionamento do espírito, a Centelha Divina, com a realidade mundana e suas
experiências.
É o espírito que evolui, e esse centro de
arquivamento de informação que retornará finalmente a Deus, para fora do
Universo, tudo mais é um aborto, e decairá na “grande ignorância”.
Homem &
Humanidade
“Já passou o tempo em que o homem
se pensava
em termos de aurora; repousando sobre a
matéria anêmica, ei-lo aberto a
seu verdadeiro
dever, ao dever de estudar sua
perdição e de
correr para ela…; está no limiar
de uma nova
era: a da Piedade de si mesmo. E
esta Piedade
é sua segunda queda, mais nítida e mais
humilhante
do que a primeira: é uma queda sem resgate.”
– Cioran
(Breviário de Decomposição)
Essa visão para nós, humanos, da “grande
ignorância”, parece ser muito triste como dissemos. Mas ela ressona nos ensinos
de todas as religiões, de uma forma ou de outra.
Todos nós parecemos saber, lá em nosso mais
profundo recôndito, sobre essa “grande ignorância” que cairá como um cobertor
sobre o mundo, é isso que muitas vezes ouço de pessoas próximas de mim ao verem
um crime bárbaro na televisão, quando dizem algo como “esse mundo está na
hora de acabar!”.
Nossas visões de um mundo melhor, de uma
civilização avançada, de um retorno à Idade de Ouro, são todos ainda desejos
inócuos de uma alma que ainda tem moral e pode amar. Já são desejos acima de
nós, que sistematicamente são refutados por uma racionalidade incapaz de
articular saídas da condição de indigência que a evolução corporal, ou física,
instalou na face da Terra.
A superpopulação, o aumento da expectativa
de vida, a segurança instalada através das leis, da medicina, da tecnologia de
produção de alimentos e da assistência social confrontam-se com a pulsão de
sobrevivência e o impulso egoísta natural da mente humana, onde se dão as
tenções que observamos como a paixão à pátria ou os círculos de segurança (como
a família, a cidade, aos times de futebol, etc.), a ganância (de se ter mais do
que se necessita para viver, clamante na corrupção que visa o roubo financeiro,
etc.) e a imposição das “verdades” de uns sobre as “verdades” de outros
(expressos nas filosofias de vida, homofobia, homossexualismo, religiões,
etc.). Acrescente aí a epidemia das drogas como o crack e do álcool que fazem o
corpo e a alma sucumbir no “entreterimento-mor”
buscado pelo ser humano em sua relação com a vida e suas frustrações, um
contraste entre as necessidades naturais da humanidade e as necessidades que
não são naturais.
Nisso tudo vemos a abrangência de uma luta
entre a racionalidade que gere e quer comportar a inclusão, e a irracionalidade
que distingue e se apega a dogmas. Isso tudo são “gemidos e dores do parto”,
isso tudo é a finalização da História.
É isso que observamos quando Walter Benjamin
diz que enquanto espécie os homens já
finalizaram sua evolução, mas como humanidade, enquanto espécie está apenas no
início de sua evolução. Ou seja, a humanidade será instalada apenas com a
“grande ignorância”, porque o que importa no plano de Deus é somente a Mônada,
a individualidade do espírito, a raça humana deverá seguir seu curso sem
parâmetros de comparação que moral proporciona, a qual a espiritualidade nos
dispõe.
Na Teosofia de Blavatsky, que é o
conhecimento gnóstico refinado e avançado que dispomos atualmente se diz que o
ser humano irá galgando níveis superiores, basicamente isso quer dizer que
depois que o espírito dominou o Reino Hominal, ele o abandonará para ganhar
reinos superiores, novos corpos e novas almas serão dispostos à ele, e se
deixará para trás tudo que se refere à esses patamares hominais, como deixou o
animal, o vegetal e o mineral um dia.
O Super-homem
“Mas quem toma partido, quem vive
na loucura
da decisão e da escolha, nunca é caridoso;
incapaz de abarcar todos os
pontos de vista,
confinado no horizonte de seus
desejos e de
seus princípios, submerge em uma
hipnose do
finito. É que as criaturas só
florescem dando
as costas ao universal…”
– Cioran
(Breviário de Decomposição)
O fim da ética e da moral não quer dizer uma
vantagem evolutiva, como a personagem Faora-Ul do filme “O Homem de Aço” quer
fazer o atordoado Super-man refletir, ao defender a humanidade, se voltando
contra seus irmãos de sangue.
Ali nesse interessante filme, seu escritor
reflete perfeitamente a condição do Cristo, que carrega no peito não um “S”,
mas sim o símbolo que significa Esperança em seu mundo, como Kal El revela. Mas
seu “S” é de Soter (Salvador), como o mito gnóstico de Cristo denota. Em uma
confissão a um padre ele diz até ter 33 anos!
Acontece que a alma está sempre
exteriorizando no mundo seus anseios, seja pela cultura, pelos mitos, pelas
modas, pelas diversas visões de Deus, etc. Eu creio que esse novo filme do
Super-homem revela justamente um movimento dentro da psique (alma) humana,
expondo seus últimos impulsos de preservação desta egrégora do Salvador do
mundo.
A abrangência disso se revela nas funções
que o cristianismo atual está remexendo na mente de seus adeptos. Todas suas
palavras, todas suas pregações, todos seus rituais já estão inócuos,
nulificados na repetição secular que não mais consegue energizar as almas, mas
apenas ativa e aumenta o ego, quando não serve só para consolar.
Os eventos históricos desse ano de 2013 a
nível espiritual, com o Papa Francisco (o “Pedro II” do profeta Maláquias)
apontando para uma reforma do Catolicismo que se rendeu à corrupção mundana
(escândalos financeiros e sexuais, diminuição de fiéis, etc.) revelam a
convulsão da egrégora que “abandona” esse mundo.
A força do Evangelismo e seu aumento no
gosto popular revela também essa transição, dando adeus à beatitude do Paraíso,
ou do Devachan, e a instalação do desfrute, da prosperidade e da inteligência
em sua “teologia”, que nada mais é do que uma filosofia de vida semi-hedonista
onde o espiritualismo é apenas um conforto psicológico aos que não podem obter
sucesso em algumas de suas premissas de vida nesse mundo.
Assim, o Super-homem, esse ideal que mistura
impulsos raciais e religiosos, afirma o caráter alienígena da compaixão pela
humanidade, já que ela mesma não está destinada a isso, pois ela está destinada
à “grande ignorância”, à inocência animal, onde nenhum termo, como paz, amor,
iluminação, serão conhecidos como o diâmetro que o espírito pode conhecer e
realizar, já que o espírito ruma para outros patamares.
Estamos, é claro, falando sobre coisas ainda
fechadas à nossa parca consciência, de mundos que a nossa mente ainda não
consegue pensar. E o Super-homem ficará aqui também, ele é o ideal acabado que
agora a humanidade agora vê como risco de perder, por isso a alma ainda
interpreta seu S como esperança. Os super-homens na verdade são justamente os
Kryptonianos, que são banidos para a zona fantasma do Universo que não os
comporta mais, e o que aqui ficou é extinto pelas mãos do próprio Salvador.
Fico encantado e absorto pela própria
expressão do inconsciente humano, o qual tudo sabe, na composição de suas
expressões exteriores, como por exemplo no mito do Super-homem, e
principalmente neste filme emblemático.
Muito se falou sobre a “coincidência” do
Super-homem se chamar Kalel, ou Kal El como se patenteou agora. Também se falou
da proeminência judia desse nome e da ligação do Super-homem com Jesus Cristo,
aliás, nesse “O Homem de Aço” eles escancaram essa ligação. Confesso que eu, antes de saber qualquer
dessas coisas analógicas, quando criança pensava mesmo em Jesus como o
Super-homem, que depois “Jesus Christ Super Star” escancarou.
A chave dessa coincidência, que prefiro
chamar de sincronias ou a linguagem do inconsciente humano se expressando, e
que El é a referencia ao Elohins, os deuses ou anjos de Jeová, aqueles que
tomaram as mais belas (e inteligentes) filhas dos homens, como o Super-homem
bem o faz com a Louis Lane deste filme.
Quanto a Kal, podemos ver esse arquétipo no
“Anurag Sagar”, o “Oceano do Amor”, livro de Kabir, uma espécie de cosmogonia
gnóstica árabe onde Kal (Lúcifer), insatisfeito com sua posição nos céus, pede
a Deus que lhe conceda um lugar só para si, longe de tudo. Deus cria o abismo,
o Universo, para que Kal habite nele como quiser.
Então, sentindo-se solitário Kal pede
novamente a Deus que lhe dê uma companhia, e em seu oceano de amor Deus lhe
envia Eva. Com paixão devastadora pela fêmea, Kal a engendra e para dar vida
aos seus filhos, Deus envia suas Centelhas Divinas para habitar em seu
interior, em um plano para redimir Kal de seus erros e egoísmo.
Ou seja, nessa analogia, Kal El seria
parecido com esse Lúcifer de Kabir, que vêm para Terra como que exilado, para
dar novo sentido ao que seja Kryptoniano, gerando uma nova humanidade com a
união com as “filhas dos homens”.
Por isso o filme é “O Homem de Aço”, pois o
super-homem ali são os próprios Kryptonianos, os humanóides desprovidos de
moralidade, a quem pensam que a evolução concede vantagens. Mas eles apenas
estão já imersos na “grande ignorância”.
A “Grande Ignorância”,
o retorno
“Inofensivo, sem avidez, e sem a
suficiente energia
e indecência para enfrentar os
outros, deixo o
mundo tal qual o encontrei.
Vingar-se pressupõe
uma vigilância de cada instante e um espírito
sistemático, uma continuidade
custosa, enquanto
que a indiferença do perdão e do
desdém torna
as horas agradavelmente vazias.
Todas as morais
representam um perigo para a
bondade; só a
incúria a salva.”
– Cioran
(Breviário de Decomposição)
Deixemos de lado então essa expressão da
alma humana que é a película hollywoodiana e voltemos, para encerrar, à “grande
ignorância”.
Ela comporta, segundo Agamben uma latitude
interessante, e que deixei para revelar no final.
Aquela “ignorância” de Lao Tse, a
ingenuidade de Aquino, o tédio de Heidegger, a melancolia de Cioran, etc.,
deveriam como a ágnoia introduzida por Basílides compor seu mesmo
significado? Agamben nos esclarece que essa “ignorância” provém de “ingnosco”,
que em latim quer dizer “perdoar”.
Não sei se é esse mesmo o sentido que
Basilides usava em seus ensinamentos, mas tentemos refletir nessa direção, para
depois uma mais próxima ao legado do mestre gnóstico.
Seria então esse o perdão de Deus para a
humanidade depois da História? Aquela “humanidade enquanto espécie”?
Esse perdoar é o “deixar-ser” de Heidegger,
ou ainda, o “Let It Be” de Lennon e McCartney, ou grito de dor de Kal El ao
assassinar o General Zod (que havia “perdido a alma”), extinguindo os
super-homens!
O “deixar-ser”, o perdoar, é a função do
Cristo, que veio trazer a espada, pois a natureza, o corpo e a alma humana não
são salváveis no plano da criação, nunca foram! Seria esse a “incúria” a que
Cioran remete, esse desleixo do “deixar-ser” heideggeriano?
Aqui cabe muito a referência dos
neo-gnósticos modernos, como o Miguel Serrano, de que “o espírito é fúria”,
raiva, ele não perdoa nada no mundo, por isso julgará, condenará e executará
tudo no Universo, até os Anjos, pois o espírito nunca irá desconhecer nada, ao
final de sua jornada no Universo sairá daqui tendo existido em todos os reinos
e à tudo superado, e a “grande ignorância” não irá incidir sobre ele.
Aqui se aproxima mais o sentido de Basilides
para a “grande ignorância”, a mégale
ágnoia, onde uma “terceira filiação”, como se refere à humanidade em seu
ensinamento, ficou como que dentro da casca do ovo cósmico, como uma espécie de
aborto mesmo, cultivado assim, deficiente, parca, estão pois sujeitos em sua
maioria, à exceção do gnóstico, o homem pneumático, à grande ignorância final.
A “grande ignorância” recairá no mundo, para
finalmente tudo ser o que realmente é, não haverá super-homens, o homem será
homem, o animal será animal, porém o espírito será o que sempre foi, Deus.
No esquema de Basilides é sempre o Filho que
redime o Pai, é ele que abre o caminho da salvação. Lembremos que Abraxas é o
filho arrependido do Demiurgo em nossa realidade humana.
Esse descolamento dos fatores espirituais
dos materiais, da vida cotidiana, revela o declínio psicológico que a
humanidade passa nesse momento histórico, pois eventos como a instalação de uma
“super-tecnologia”, as descobertas dos elementos mais básicos da matéria,
paralelamente a uma crise financeira sem precedentes, as diversas convulsões
sociais das “primaveras” no mundo afora, a reformulação da Igreja instituída
pelo Papa, o fanatismo evangélico, a violência nas cidades, a epidemia do
crack, os alimentos transgênicos, o enfrentamento contra a execrável pedofilia,
etc., isso tudo exige uma tomada de partido da mente humana, como se dissesse a
cada um de nós: “E aí? Como vai ser? De que lado você vai ficar?”, e
principalmente: “O que você fará a respeito?”
Esse é o nosso drama cósmico que se repete,
esse é o nosso momento histórico, que como seres humanos, filhos de Deus,
teremos que redimi-Lo, e aí talvez entre o sentido do perdão no Evangelho de
Jesus. Assim a humanidade redimirá também seu Deus, que na linha bíblica é
Jeová (IHVH).
A ignorância não será, pois para o ser humano
pneumático, não haverá ovelhas pastando com lobos, nem com peixes ou aves… Ela
será ética em um primeiro momento, o uso da razão espiritual, a tomada de
caminho daqueles que receberam a gnose, ao resto, a animalidade.
Seria pelas reminiscências a respeito de
Abraxas, uma entidade teriomórfica, que os Santos de pós-apocalipse também tem
corpo humano com cabeça de animais? O mesmo poderia ser dito de Baphomet?
Se a felicidade anda junto com a ignorância,
e a ignorância é a dimensão do perdão, então é realmente verdade que os mansos
herdarão a Terra, essa passividade toda, porém virá só depois que o espírito
retornar à Deus e o mundo inteiro não tiver mais o mesmo sentido que tem agora,
aliás, quando ele não tiver mais sentido algum, pois terá cumprido sua
finalidade, realizado seu destino, que é o retorno da Centelha Divina àquela
fonte que lhe incendiou.
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