O momento no país,
agora passado o circo da Copa do Mundo, volta-se finalmente para o círculo da
política, enquanto no mundo cotidiano, tudo parece estar suspenso, pelo menos para
nós, que vivemos do nosso próprio trabalho.
A esfera política arrasta, junto à sua
própria indefinição, também a sociedade.
Enquanto percebo na TV, imprensa escrita e
no rádio um grande alinhamento de forças midiáticas com o intuito de atacar o
atual governo, minando sua credibilidade pondo pingos em seus ii, assim o
próprio governo não se refuta ao cinismo, e ele próprio tenta se sabotar a
partir de dentro, fazendo valer a velha máxima de que a Esquerda nunca quis
governar, mas quer apenas o poder de governar, que está assentado no capital.
Enquanto a mídia, ao se alinhar a isso, só se prostitui mais.
Há muito tempo que os elementos de Esquerda
e Direita se intercambiam em suas funções políticas, assumindo um a função do
outro (se é que um dia tiveram mesmo funções auto-ortogadas) no teatro político
do Brasil e do mundo, e a mídia (que se autodefiniu como um Quarto Poder) vem
dançando a ciranda do poder do qual o povo está alheio, a não ser quando é a
vez de encenar o entreato da peça que são as eleições, evento totalmente sem
sentido na atual conjuntura de forças em uma nação moderna, sendo apenas um
desagravo psicológico para a manutenção da “ordem social”.
Porém o baile esse ano assume
características interessantes. Ele começou a mais de um ano ao som de rock rock’n’roll anarco-punk nos protesto de 2013, quando as pedras a rolar nas ruas
apontaram que os políticos e a mídia estavam mergulhados em um profundo sono
histórico dentro do jogo de poder, pois sequer entenderam os protestos, e
admitiram isso, e resumiram paulatinamente esse evento ao nível de um escândalo
que cobriram com desfeixo da prisão e soltura de uma jovem militante de um
partido de esquerda.
No meio disso houve a Copa, as vaias à
comandante em chefe do Estado na abertura e na final do Mundial. Houve a prisão
dos envolvidos no escândalo do Mensalão. Houve também a exposição dos
escândalos econômicos do governo, que a oposição e a mídia guardaram para
revelar no momento oportuno, politicamente agradável à estes; houve o
lançamento das candidaturas à presidência, e agora finalmente, a onda de
pressão do momento histórico finalmente vazou sua pressão e sincronicamente
acontece a morte em acidente aéreo do candidato à presidência Eduardo Campos.
O Escândalo em si é um estigma com o qual o
governo PT vem tendo que tratar ao longo desses últimos 12 anos, antes disso,
quando eles eram oposição, o escândalo tinha outra dimensão, amenizada pelas
corporações midiáticas sempre alinhadas ao poder, lá no passado eles estavam
restritos a jornalecos de esquerda e a uma revista pouco lida. Depois, quando
Lula assumiu a presidência o escândalo mudo de endereço e foi apresentado às
massas pela força das redes nacionais e das revistas semanais.
Se “a
denúncia do escândalo é sempre uma homenagem que se rende a lei”, então
nesses anos de governo do PT pudemos confirmar que a Lei é a vontade das
corporações, e que seus donos se alinham ao homem comum, o trabalhadores,
apenas em moral, quando é para evidenciar a desordem que surge quando não são seus
amigos e aliados históricos que exercem a função de comando do Estado. Aí então
há de se conjurar a ordem e a moral para combater o “perigo do populismo”, que
é o nome que eles decidiram dar à nova desenvoltura das esquerdas neste
momento.
Assim, mais uma vez eles provam suas
“verdades”, suas “prerrogativas de direito”, pelo escândalo, algo que não dava
muito certo antes para a Esquerda, mas que mesmo assim conseguiu chegar ao
poder graças ao desgaste da Direita, algo que foi previsto pela Direita e que
ela estava preparada para suportar, mas agora ela se impacienta, pois foram 12
anos, e a conjuntura de forças que realmente manda no país crê que prolongou-se
o momento de dar este descanso psicológico às massas e chegou a hora de ter
mais lucros.
Eles assimilaram a Esquerda unida que o PT
representava, enriqueceram seus lideres tornando-os megaempresários, fizeram
rachar em pequenos partido idealistas as fileiras voltando-se uns contra os
outros e reapresentam a tábua moral que nunca seguiram mas sempre usaram contra
seus opositores e tentam por todos os meios despachar do símbolo maior de
poder, a presidência, o atual governo.
Subentendido nisso volvem forças que pouco
se percebe, são elas que se condensam ou dispersam a partir dos movimentos de
peças nos encraves do imaginário do povo em geral, que jogam um jogo mais
profundo, que é o jogo da História, da continuidade, sempre em conformação com
a energia psíquica que se espalha sobre o território que é uma nação.
Tais forças parecem que não existirem, elas
não são noticias nos jornais a não ser pelas características que assumem na
realidade exterior, como tendências, moda, cultura, etc. Sua materialidade não
é apontada, pois elas estão em um nível profundo, do qual não se fala pois
fomos educados para viver o “mundo de fato”, não o mundo ontológico, o mundo
filosófico.
Tais forças psíquicas só são aproximadamente
notadas no discurso por subterfúgios religiosos, e quando a energia espiritual
de todo um povo está voltado para uma religiosidade como a vivemos, lança-se
logo o véu da dualidade que divide tal força em diversas frações, e o que as
massas se apegam é apenas à superfície, a qual poderíamos definir neste momento
como o cristianismo, no qual no Brasil hoje está sofrendo um concreta divisão
de campos e representações dado ao grande sucesso do evangelismo representado
agora por uma seita que tem até partido político e um candidato a presidente
(fora possuir o luxuoso Templo de Salomão!?).
Então essa energia da qual falo se torna mais
obscura e prontamente demonizada se invocada como a estou invocando aqui para
falar dela, mas não é este o objetivo destas considerações, quero falar dela
para um de seus desemboques de maior pressão no atual momento.
No opúsculo do “deserto do real”, “Simulacros e Simulação”, Jean Baudrillard
faz o prefácio do sentido da maior noticia dos últimos dias, a morte de Eduardo
Campos. Lê-se na página 29:
“Tudo
se metamorfoseia no seu termo inverso para sobreviver na sua forma expurgada.
Todos os poderes, todas as instituições falam de si próprios pela negatividade,
para tentar por simulação da morte, escapar à sua agonia real. O poder pode
encarnar sua própria morte para reencontrar um vislumbre de existência e de
legitimidade. Foi o caso dos presidentes americanos: os Kennedy morriam por
terem ainda uma dimensão política. Os outros, Johnson, Nixon, Ford, não tiveram
direito senão a atentados fantoches, a assassínios simulados. Mas faltava-lhes
apesar de tudo essa aura de ameaça artificial para esconder que passavam de
manequins de poder. O rei tinha que morrer outrora (o deus também), residia aí
seu poder. Hoje esforça-se miseravelmente por fingir morrer, a fim de preservar
a graça do poder. Mas esta está
perdida.”
As forças postas em movimento em nosso momento
nacional exigiram então esse sacrifício sincronístico da morte do jovem
político em ascensão, alguém que tinha realmente uma “dimensão política”, herdada de sua família, de seu sangue, que
talvez fosse uma força realmente rejuvenescedora do espírito social e político
brasileiro, mas a marcha a qual estamos submetidos, talvez todo mundo esteja,
não é a marcha do renascimento, da evolução, mas é a marcha do “poder em si”.
Não são mais os homens e mulheres, não são
os partidos ou as classes sociais que detém o Poder, esse se tornou algo autônomo
e agora é o Poder que detém para si os homens e as mulheres, os partidos, as
classes. Tal reversão é o que Baudrillard aponta como os Simulacros nos quais
agora estamos mergulhados.
Nossas energias psíquicas agem em consonante
a isso, sendo usadas para um fim em si que nós mesmos desconhecemos. A dança
com a morte assumiu uma conjuntura interessante nessas eleições, que pouco se
nota. De um lado elementos doentes pleiteiam a presidência, Dilma e Lula são
pessoas que publicamente enfrentaram o câncer e lidam com o risco de remissão e
morte constantemente em suas preocupações com a saúde. Do outro lado Aécio
carrega nos lábios, além de seu sorriso psicótico constante, a menção ao avô
Tancredo, morto no altar obscuro do poder de décadas atrás. O próprio Temer tem
a sombra de ligação pela sua legenda partidária com a misteriosa morte de
Ulisses Guimarães, no limiar do temporal do Brasil atual. Talvez todos esses
elementos carreguem também a marca do alcoolismo, da adicção em cocaína, dos
vícios de poder e tudo mais.
Então a própria querência do impulso de
morte penetrou na esfera límpida da coligação de Eduardo Campos, onde agora
Marina Silva carrega o luto colateral de sua trágica morte, tão sincronizada
com a do próprio avô de Campos pela data.
Forças além-humanas não agem aí? Pode-se
dizer que é tudo coincidência, uma trágica coincidência! Mas essa força
além-humana é o próprio Poder!
Podemos dizer que o Poder encarnado desde o
povo brasileiro está se regenerando. E ele apresenta-se agora como morte,
destruição, protestos, escândalos, crise financeira, etc.
Nietzsche dizia que as energias de um povo
só podiam ser usadas em um sentido de cada vez. Ou a usa na política ou na
cultura. Assim na sua visão os períodos de grande desenvolvimento cultural
foram períodos de declínio político, e vice-versa.
No Brasil atual vemos pois um período
cultural medíocre e um momento político horrível (nossos ídolos artísticos e
esportivos são pueris, medíocres tanto culturalmente como em caráter,; assim
como os políticos e sociais são corruptos ou pavoneados, como juízes e
intelectuais ou críticos).
Nossas energias estiveram voltadas à um
momento econômico de altivez que passou muito rápido, seu marco temporal de
finalização foram os protestos de 2013. Não se sabia o que ali se estava
exteriorizando, mas a coisa era evidente, as multidões se aferravam por
centavos, o símbolo final de tudo que não havia sido dividido com o grosso da
nação, por isso se extravasou os protestos.
Corrupção, liberdades civis, direitos das
minorias, acesso a saúde, educação padrão FIFA, violência policial, tudo isso
foram temas paralelos, contra o que se revoltavam foi a liberdade engendrada
pela prosperidade que não chegou às massas. O olhar inconsciente do povo se viu
então de novo encarando o abismo da miséria costumeira e o que ele quis foi só
destruir… V de Vingança, ressentimento das massas, etc.
Os movimentos se desenrolaram, e então
finalmente o sacrifício pelo Poder, a canalização de todas as forças para um
vetor histórico momentâneo, o desenrolar final veremos em alguns meses, na nova
formação das conjunturas de forças exteriorizadas nas camadas de poder Executivo
e Legislativo, que irá definindo de vez também o Judiciário, enquanto o
Midiático, o mais obscuro, justamente porque se diz o mais transparente, estarão
definidos, e este quarto-poder irá ver se voltará a ser oposição ou governista
conforme os resultados das urnas.
O que resultar de todos esses lances só
poderá significar uma coisa, que o Poder se reinventou, e os sem-poder
continuaram rumo à miséria, em sua eterna luta por um pouco influência e
prosperidade, que talvez a religião seja o único fator agregador nesta atual
disputa, reescrevendo o rumo da sina trágica do Brasil neste sentido.
“Procurar
sangue fresco na sua própria morte, relançar o ciclo pelo espelho da crise, da
negatividade e do anti-poder: única solução-alibi de todo o poder, de toda
instituição que tenta romper o círculo vicioso da sua irresponsabilidade e da
sua existência fundamental, do seu já-visto e do seu já-morto”.
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