15 de ago. de 2014

Considerações Contemporâneas - Brasil - Ago.2014



O momento no país, agora passado o circo da Copa do Mundo, volta-se finalmente para o círculo da política, enquanto no mundo cotidiano, tudo parece estar suspenso, pelo menos para nós, que vivemos do nosso próprio trabalho.
   A esfera política arrasta, junto à sua própria indefinição, também a sociedade.
   Enquanto percebo na TV, imprensa escrita e no rádio um grande alinhamento de forças midiáticas com o intuito de atacar o atual governo, minando sua credibilidade pondo pingos em seus ii, assim o próprio governo não se refuta ao cinismo, e ele próprio tenta se sabotar a partir de dentro, fazendo valer a velha máxima de que a Esquerda nunca quis governar, mas quer apenas o poder de governar, que está assentado no capital. Enquanto a mídia, ao se alinhar a isso, só se prostitui mais.
   Há muito tempo que os elementos de Esquerda e Direita se intercambiam em suas funções políticas, assumindo um a função do outro (se é que um dia tiveram mesmo funções auto-ortogadas) no teatro político do Brasil e do mundo, e a mídia (que se autodefiniu como um Quarto Poder) vem dançando a ciranda do poder do qual o povo está alheio, a não ser quando é a vez de encenar o entreato da peça que são as eleições, evento totalmente sem sentido na atual conjuntura de forças em uma nação moderna, sendo apenas um desagravo psicológico para a manutenção da “ordem social”.
   Porém o baile esse ano assume características interessantes. Ele começou a mais de um ano ao som de rock rock’n’roll anarco-punk nos protesto de 2013, quando as pedras a rolar nas ruas apontaram que os políticos e a mídia estavam mergulhados em um profundo sono histórico dentro do jogo de poder, pois sequer entenderam os protestos, e admitiram isso, e resumiram paulatinamente esse evento ao nível de um escândalo que cobriram com desfeixo da prisão e soltura de uma jovem militante de um partido de esquerda.
   No meio disso houve a Copa, as vaias à comandante em chefe do Estado na abertura e na final do Mundial. Houve a prisão dos envolvidos no escândalo do Mensalão. Houve também a exposição dos escândalos econômicos do governo, que a oposição e a mídia guardaram para revelar no momento oportuno, politicamente agradável à estes; houve o lançamento das candidaturas à presidência, e agora finalmente, a onda de pressão do momento histórico finalmente vazou sua pressão e sincronicamente acontece a morte em acidente aéreo do candidato à presidência Eduardo Campos.

    O Escândalo em si é um estigma com o qual o governo PT vem tendo que tratar ao longo desses últimos 12 anos, antes disso, quando eles eram oposição, o escândalo tinha outra dimensão, amenizada pelas corporações midiáticas sempre alinhadas ao poder, lá no passado eles estavam restritos a jornalecos de esquerda e a uma revista pouco lida. Depois, quando Lula assumiu a presidência o escândalo mudo de endereço e foi apresentado às massas pela força das redes nacionais e das revistas semanais.
   Se “a denúncia do escândalo é sempre uma homenagem que se rende a lei”, então nesses anos de governo do PT pudemos confirmar que a Lei é a vontade das corporações, e que seus donos se alinham ao homem comum, o trabalhadores, apenas em moral, quando é para evidenciar a desordem que surge quando não são seus amigos e aliados históricos que exercem a função de comando do Estado. Aí então há de se conjurar a ordem e a moral para combater o “perigo do populismo”, que é o nome que eles decidiram dar à nova desenvoltura das esquerdas neste momento.
   Assim, mais uma vez eles provam suas “verdades”, suas “prerrogativas de direito”, pelo escândalo, algo que não dava muito certo antes para a Esquerda, mas que mesmo assim conseguiu chegar ao poder graças ao desgaste da Direita, algo que foi previsto pela Direita e que ela estava preparada para suportar, mas agora ela se impacienta, pois foram 12 anos, e a conjuntura de forças que realmente manda no país crê que prolongou-se o momento de dar este descanso psicológico às massas e chegou a hora de ter mais lucros.
   Eles assimilaram a Esquerda unida que o PT representava, enriqueceram seus lideres tornando-os megaempresários, fizeram rachar em pequenos partido idealistas as fileiras voltando-se uns contra os outros e reapresentam a tábua moral que nunca seguiram mas sempre usaram contra seus opositores e tentam por todos os meios despachar do símbolo maior de poder, a presidência, o atual governo.

   Subentendido nisso volvem forças que pouco se percebe, são elas que se condensam ou dispersam a partir dos movimentos de peças nos encraves do imaginário do povo em geral, que jogam um jogo mais profundo, que é o jogo da História, da continuidade, sempre em conformação com a energia psíquica que se espalha sobre o território que é uma nação.
   Tais forças parecem que não existirem, elas não são noticias nos jornais a não ser pelas características que assumem na realidade exterior, como tendências, moda, cultura, etc. Sua materialidade não é apontada, pois elas estão em um nível profundo, do qual não se fala pois fomos educados para viver o “mundo de fato”, não o mundo ontológico, o mundo filosófico.
   Tais forças psíquicas só são aproximadamente notadas no discurso por subterfúgios religiosos, e quando a energia espiritual de todo um povo está voltado para uma religiosidade como a vivemos, lança-se logo o véu da dualidade que divide tal força em diversas frações, e o que as massas se apegam é apenas à superfície, a qual poderíamos definir neste momento como o cristianismo, no qual no Brasil hoje está sofrendo um concreta divisão de campos e representações dado ao grande sucesso do evangelismo representado agora por uma seita que tem até partido político e um candidato a presidente (fora possuir o luxuoso Templo de Salomão!?).
   Então essa energia da qual falo se torna mais obscura e prontamente demonizada se invocada como a estou invocando aqui para falar dela, mas não é este o objetivo destas considerações, quero falar dela para um de seus desemboques de maior pressão no atual momento.

   No opúsculo do “deserto do real”, “Simulacros e Simulação”, Jean Baudrillard faz o prefácio do sentido da maior noticia dos últimos dias, a morte de Eduardo Campos. Lê-se na página 29:
   Tudo se metamorfoseia no seu termo inverso para sobreviver na sua forma expurgada. Todos os poderes, todas as instituições falam de si próprios pela negatividade, para tentar por simulação da morte, escapar à sua agonia real. O poder pode encarnar sua própria morte para reencontrar um vislumbre de existência e de legitimidade. Foi o caso dos presidentes americanos: os Kennedy morriam por terem ainda uma dimensão política. Os outros, Johnson, Nixon, Ford, não tiveram direito senão a atentados fantoches, a assassínios simulados. Mas faltava-lhes apesar de tudo essa aura de ameaça artificial para esconder que passavam de manequins de poder. O rei tinha que morrer outrora (o deus também), residia aí seu poder. Hoje esforça-se miseravelmente por fingir morrer, a fim de preservar a graça do poder. Mas esta está perdida.”
   As forças postas em movimento em nosso momento nacional exigiram então esse sacrifício sincronístico da morte do jovem político em ascensão, alguém que tinha realmente uma “dimensão política”, herdada de sua família, de seu sangue, que talvez fosse uma força realmente rejuvenescedora do espírito social e político brasileiro, mas a marcha a qual estamos submetidos, talvez todo mundo esteja, não é a marcha do renascimento, da evolução, mas é a marcha do “poder em si”.
   Não são mais os homens e mulheres, não são os partidos ou as classes sociais que detém o Poder, esse se tornou algo autônomo e agora é o Poder que detém para si os homens e as mulheres, os partidos, as classes. Tal reversão é o que Baudrillard aponta como os Simulacros nos quais agora estamos mergulhados.
   Nossas energias psíquicas agem em consonante a isso, sendo usadas para um fim em si que nós mesmos desconhecemos. A dança com a morte assumiu uma conjuntura interessante nessas eleições, que pouco se nota. De um lado elementos doentes pleiteiam a presidência, Dilma e Lula são pessoas que publicamente enfrentaram o câncer e lidam com o risco de remissão e morte constantemente em suas preocupações com a saúde. Do outro lado Aécio carrega nos lábios, além de seu sorriso psicótico constante, a menção ao avô Tancredo, morto no altar obscuro do poder de décadas atrás. O próprio Temer tem a sombra de ligação pela sua legenda partidária com a misteriosa morte de Ulisses Guimarães, no limiar do temporal do Brasil atual. Talvez todos esses elementos carreguem também a marca do alcoolismo, da adicção em cocaína, dos vícios de poder e tudo mais.
   Então a própria querência do impulso de morte penetrou na esfera límpida da coligação de Eduardo Campos, onde agora Marina Silva carrega o luto colateral de sua trágica morte, tão sincronizada com a do próprio avô de Campos pela data.
   Forças além-humanas não agem aí? Pode-se dizer que é tudo coincidência, uma trágica coincidência! Mas essa força além-humana é o próprio Poder!
   Podemos dizer que o Poder encarnado desde o povo brasileiro está se regenerando. E ele apresenta-se agora como morte, destruição, protestos, escândalos, crise financeira, etc.

   Nietzsche dizia que as energias de um povo só podiam ser usadas em um sentido de cada vez. Ou a usa na política ou na cultura. Assim na sua visão os períodos de grande desenvolvimento cultural foram períodos de declínio político, e vice-versa.
   No Brasil atual vemos pois um período cultural medíocre e um momento político horrível (nossos ídolos artísticos e esportivos são pueris, medíocres tanto culturalmente como em caráter,; assim como os políticos e sociais são corruptos ou pavoneados, como juízes e intelectuais ou críticos).
   Nossas energias estiveram voltadas à um momento econômico de altivez que passou muito rápido, seu marco temporal de finalização foram os protestos de 2013. Não se sabia o que ali se estava exteriorizando, mas a coisa era evidente, as multidões se aferravam por centavos, o símbolo final de tudo que não havia sido dividido com o grosso da nação, por isso se extravasou os protestos.
   Corrupção, liberdades civis, direitos das minorias, acesso a saúde, educação padrão FIFA, violência policial, tudo isso foram temas paralelos, contra o que se revoltavam foi a liberdade engendrada pela prosperidade que não chegou às massas. O olhar inconsciente do povo se viu então de novo encarando o abismo da miséria costumeira e o que ele quis foi só destruir… V de Vingança, ressentimento das massas, etc.

   Os movimentos se desenrolaram, e então finalmente o sacrifício pelo Poder, a canalização de todas as forças para um vetor histórico momentâneo, o desenrolar final veremos em alguns meses, na nova formação das conjunturas de forças exteriorizadas nas camadas de poder Executivo e Legislativo, que irá definindo de vez também o Judiciário, enquanto o Midiático, o mais obscuro, justamente porque se diz o mais transparente, estarão definidos, e este quarto-poder irá ver se voltará a ser oposição ou governista conforme os resultados das urnas.
   O que resultar de todos esses lances só poderá significar uma coisa, que o Poder se reinventou, e os sem-poder continuaram rumo à miséria, em sua eterna luta por um pouco influência e prosperidade, que talvez a religião seja o único fator agregador nesta atual disputa, reescrevendo o rumo da sina trágica do Brasil neste sentido.
   Procurar sangue fresco na sua própria morte, relançar o ciclo pelo espelho da crise, da negatividade e do anti-poder: única solução-alibi de todo o poder, de toda instituição que tenta romper o círculo vicioso da sua irresponsabilidade e da sua existência fundamental, do seu já-visto e do seu já-morto”.


Nenhum comentário: