A primeira coisa que existiu foi a luz, mas então ela era inconsciente
de si própria!
Vagando por toda parte a 300.000 quilômetros por segundo, a luz se
distanciava do Centro, da fonte de onde surgiu, para nunca mais voltar.
Solta no espaço vazia foi ganhando imensidões na velocidade do
pensamento, a luz se espalhava, inconsciente de si mesma.
Porém, como os que acreditam que as coisas todas tem um sentido de ser,
um motivo para existir, a própria luz parece ter vindo provar isso. Cega,
misteriosa, desconhecida de si, inconsciente enfim, com o tempo a luz foi se
moldando de forma que impulsionava um sentido às coisas.
Dizem que o universo evoluiu para criar uma forma de se compreender, mas
na verdade tudo aconteceu como uma forma da luz se conhecer, e enfim ver a si
mesma.
Assim foi surgindo a consciência das coisas. Primeiro se desenvolveu os
seres superiores, até chegar ao ser humano, se acreditarmos que somos até então
o ápice da “criação”, então dessa forma a consciência humana, advinda de nossos
sentidos, foi a forma que a luz concatenou para enfim conhecer a si mesma.
De tal forma, isso se deu à uns cem mil anos ou mais com o surgimento da
espécie humana, até que então, na atualidade, começamos a compreender
profundamente o que é a luz, o que é a matéria, o que é o Universo, e assim por
diante.
Dizer então que o ser humano é a “luz que se vê” pode ser correto dentro
deste contexto todo.
Interessantemente, nas escrituras gnósticas encontradas em Nag Hammadi e
se não me engano no “Pistis Sophia” é descrito um texto onde o Demiurgo, logo
depois de abortado por Sophia, quando se declarou o deus criador de tudo, sendo
admoestado pela sua mãe, viu pela primeira vez uma grande luz na forma de um
ser humano, uma luz de forma humanoide ou antropomórfica, e ali entendeu que
ele não era Deus coisa nenhuma.
Depois dessa experiência, com seus arcontes, a primeira coisa que o
Demiurgo foi moldar um corpo de barro com a forma daquela luz divinal que Haia
visto, que na verdade era o Cristo que descera do Pleroma para resgatar Sophia.
Assim o corpo humano carrega nessa metáfora gnóstica a ligação intuitiva
e maravilhosa com a luz.
Essa estória tem grandes implicâncias, a
começar que então o Demiurgo, Sophia e os Arcontes não tinha um corpo
antropomórfico ou pelo menos, se eram espíritos, luz ou energia, não radiavam
na forma de um corpo humano, o que seria um brilho como representamos em
estrelas de cinco pontas.
Interessante saber que o primeiro símbolo do cristianismo era o
pentagrama, ou estrela de cinco pontas, e só depois, com Roma, é que a cruz
seguiu como símbolo da cristandade. Até então era a estrela ou a luz que era o
símbolo do Cristo dentro da mitologia gnóstica pré-catolicismo, depois ganhando
sua marca da mortificação ou do sacrifício do crucifixo o que revela uma
mudança de interpretação psicológica com as referências arquetípicas.
De um Ser-Deus de luz, radiante e
vitorioso, na forma de conceber a própria forma humana, passou-se a entender o
corpo como sinal de mortificação, sofrimento e suplicio erguido na cruz.
O quanto desse fato levado até nossa
psique adiou ou possibilitou enfim chegarmos até as conclusões não místicas
sobre a luz, mas cientificas, de conhecimento de fato do que é a realidade, não
podemos sugerir. O fato é que por vias tortas nossa mente está conseguindo
entender o que é a luz, o que é a matéria, o que é a realidade, o Universo, a
mente, a consciência.
Mas é fato também que os gnósticos já intuíam então, antes da ciência, o
caráter numinoso de nossa existência corporal, talvez intuindo aí sim a
presença divina desta forma como a superiora na possibilidade de se entender a
realidade.
Não podemos deixar de notar também a proximidade e o jogo de ideias que
sugere as próprias palavras, luz e cruz, “lux” e “crux” em latim, donde de luz
se deriva Lúcifer e de cruz temos o crucial, ponto limite ou delimitador,
Hórus, pois à cruz, na tradição gnóstica, temos referência somente ao Staurus,
a cruz que delimita as quatro estações ou os quadrantes, tudo com uma referência
cosmológica, estelar.
De tudo isso então, voltemos à “luz que
se vê”, a consciência que permite a auto-reflexão, o conhecer a si mesmo, coisa
ligada à uma tradição profundamente prometeica ou luciferiana, o que denota a
nossa interioridade humana na busca da iluminação, da gnose.
Se como disseram os mitos judaico-cristãos, o universo ou a criação se
deu por causa da desobediência de Lúcifer, a primeira luz que quis ser maior
que Deus, e essa lenda repercute também desde os mitos gregos e no Anurag
Sagar, entre outros, talvez possamos compreender o universo filosoficamente
como um erro na harmonia geral das coisas, como defende Slavoj Zizek, e ligando
isso ao entendimento gnóstico da existência, isso não foi tanto um grande erro,
uma desobediência ou coisa que o valha, mas que apenas foi uma forma como as
coisas poderiam ser, ou conscientes ou inconscientes, ou racional ou
irracional, no sentido ordenador que a mente humana impõe ao mundo.
Na Bíblia Jesus diz, a respeito de João Batista, que no Reino de seu
Pai, o Batista era o menor de todos, porém era por isso o maior dentre tudo, em
uma clara referência à luz, pois o fóton é a menor das partículas, porém é a
que tudo produz, a mais poderosa, pois permite ver, conhecer as outras partículas, e é a mais rápida, tudo isso em uma clara ligação luciferiana de
João (Ion) com a Luz ou a iluminação. João, retratado como louco, é a
representação dessa própria sabedoria, ou “luz que se vê” ou que se compreende
e que por isso ele era o predecessor do próprio Cristo.
Ou seja, podemos interpretar isso no sentido que a compreensão ou
iluminação é mesmo a loucura final dentro da realidade, onde as pontas se
emendam, pois João (a luz) fora o primeiro, a inconsciência, e o Cristo
estrelar foi o segundo, a consciência. Isso não retrata só um lado positivo,
pois a consciência seria então uma queda, tanto que os gnósticos mandeanos vêem
João Batista como o Messias enquanto Jesus de Nazaré na verdade é um enganador,
a emanação de Satanás ou do próprio Demiurgo, denotando então que a perfeição
era a luz inconsciente, mas perfeita, enquanto a consciência é mesmo uma
aberração imperfeita, uma cópia daquela luz que desceu do Pleroma ao encontro
de Sophia e foi copiada em forma por Yaldaboath ou Jeová.
Aqui as coisas se confundem demais e dá margem a muitas interpretações
até contraditórias.
O caso é que existimos, temos consciência, somos capazes de conhecer a
realidade, somos a luz que se vê, a luz que foi possível se conhecer. Se isso
foi tudo um desvio da perfeição do nada um dia irá acabar mesmo, se esvair. Se
essa é a vontade do Pai Desconhecido, o Deus como os gnósticos compreendem não
poderemos saber, pois seus motivos estão além de nossa compreensão.
De tudo isso fica a própria probabilidade de nossa razão de existir
irrelevante, achamos que somos grande coisa, o ápice de qualquer sistema
enquanto não passamos dos olhos e da inteligência possível de outra coisa, da
luz. Mesmo que isso não seja pouca coisa, nós é que permanecemos ainda
alienados do porque existimos, pois deste ponto de vista não passamos de uma
ferramenta ou um aparelho de uma inteligência mais pura, natural, grandiosa em
sua originalidade e intenções, o que há para, além disso, são nossas próprias
razões e sentidos, que são no mínimo terciárias nas pulsões gerais do próprio
Universo.
Refletir sobre isso é mais do que tudo um choque de realidade, uma
imposição de um pouco de humildade para o ser humano diante de que pensamos e
sabemos, ou achamos saber, ao que em frente à verdadeira razão e sabedoria, não
sabemos nada então.
De todo modo ao chegarmos historicamente nas imediações de desvendar por
fim o que seja a luz, o que seja o tempo e o espaço, o que seja o tecido do cosmos,
estamos dando termino à nossa função então. O que virá depois? A Grande Ignorância? O fim do mundo? O
retorno de Cristo ou do Caos?
A cosmologia diz simplesmente que a luz irá nos abandonar e não será
mais possível saber nada do universos depois que esse momento onde nossa
consciência aflorou para a existência, pois a luz ira se distanciar de nós, não
poderemos mais observar nada no cosmo. Se não conservarmos esse conhecimento
que tivemos agora para as gerações futuras eles estarão como cegos dentro do
Universo, como um ser abortado que se acha deus, pois não via nada em volta de
si, como narra o mito gnóstico, talvez indicando que a soberba de pensar ser o
máximo é a única coisa que sobra ou exista quando a própria possibilidade de se
conhecer é o que sobra.
Triste é saber que já sofremos desse mal antes mesmo de só podermos ser
ignorantes, marcando assim nossa passagem pela existência com a nota estúpida
para o ser humano que diz que, não obstante sermos o modo que a luz teve para
se conhecer, e assim sermos também o supra-sumo da sabedoria, somos também o
ser mais tolo e perverso dentro todas as formas de inteligências que o Universo
gerou.
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