27 de dez. de 2015

Carta sobre o Amor Fati

                                                                           [este é um texto, para aceitar a vida assim,
                                                                                         o último que escrevo, para afirmar enfim,
                                         minha vida sem você!]


   (Escrevo para todos & para ninguém essas reflexões, escrevo para uma só... mas tais palavras vêm da noite escura em que decidi não mais querer o que não tenho, & nem o que poderia ter, mas para tentar amar apenas aquilo que agora tenho & sou...)




   Me ponho a pensar sobre a possibilidade do “amor fati”, e o que isso realmente implica. Na disposição inerente a uma vida comum, quando o grande leque do passado está aberto e o futuro é uma névoa escura diante de si, justamente por conta do passado, o clamor ao amor fati vem com um tom estarrecedor...

   Porque amar o fado, da forma como Nietzsche nos convocou é realmente difícil. Talvez só ele, dentre toda a humanidade fosse capaz disso, pois ele era Nietzsche!

   Mas entrementes, já ouvi da boca de muitas pessoas, pessoas comuns, como eu, como você, a declaração de que gostariam de viver a mesma vida, “sem tirar nem por!”. Observei nessas pessoas, não apenas a marca da inconsequência de talvez não estarem sabendo o que dizem, mas também uma perceptível alegria em alguns casos, mas aquela alegria da ignorância que faz feliz. Mas também em alguns, uma coragem irrefutável, um amor ao que são, que só a vida com sofrimentos pode dar.

   O que é o “Amor Fati”? É essencialmente não querer nada de diferente, é também afirmação do que se tem, é desejar, sinceramente, que todo o seu fado se repita, exatamente igual... em outra vida, exatamente igual!

   No palco da Tragédia humana, devemos mergulhar nesse sentimento desvencilhando sua real afeição. Amor Fati para os nobres é aquele sentimento que se diferencia dos diversos tipos de “amores” que podemos sentir. Há, pois o “Amor Eros”, a paixão arrebatadora, violenta, erótica; há o “Amor Ágape”, aquela dó ou compaixão que sentimos pelas pessoas, no reconhecimento de nossa dignidade humana recíproca; existi o “Amor Philos”, que é o “Amor de Si”, que deseja e ama somente o belo e o bem que há nas coisas; existe também um “Amor Platônico” que comporta até suas dores de amor platônicas, idealistas; há o “Amor Amigo”, que advém de tal virtude, como Aristóteles asseverou; podemos ainda falar sobre um amor egoísta, onde o ciúme é operante; assim como existe um amor de responsabilidade que nossos impulsos biológicos, de secreções impõe-nos; como ainda um amor pelos animais e pela vida, que podemos chamar de paixão inocente...

   O Amor Fati deve se diferenciar de todos esses amores, apesar de em algum ponto poder assimilar cada um desses sentimentos, mas não imperando nenhum. Amor Fati é o amor da águia, aquele amor por si mesmo, na solidão dos altos vôos, cheio de uma coragem que aproxima-se ao ódio por si, pois deve carregar indelevelmente a marca da afeição pela derrota pessoal também, de saber-se provisório para outra coisa maior que si mesmo. Ele não ruma à outra pessoa, seja homem, mulher ou animal, seja situação, objeto ou momento, ele despreza a compaixão, pois não quer a dependência ou a fraqueza alheia, não quer nada de alheio a si, não pode amar só o belo ou o bem ou o bom, mas também o feio, o mal e o ruim, apesar dessas coisas não presentificarem-se ao se ter “amor fati”, não é idealista a não ser pelo fato de a idéia dever ser, e o não-ser estar sempre jogado na região do abismo aberto das feridas que também se ama, carrega traços marcantes de um amor virtuoso, enquanto apoteose do momento, que se afirma nas pernas tremular, mas adoradas do funambulador que entreve a queda enquanto se equilibra na corda bamba que é a vida, e de tudo mais se desvencilha, naturalmente, seja bens materiais, sejam seres vivos inferiores, esses motivos costumeiros de afetações e compensações.

   Vejo as linhas do “Amor Fati” sobrepostas naquela “bioética” que Hans Jonas dispõem, em seu “Princípio Vida”, a liberdade que só pode emanar da própria vida, enquanto estar lançado na absurda fragilidade do viver biológico, onde surge uma liberdade imponderável, que eu diria, nietzschiana, aquela liberdade de mão sujas, maculadas pelo barro da existência carnal, com suor e sangue da vontade de poder. A nobreza que há nisso é apenas a consciência de si, e isso o amor fati tem bastante, e talvez seja isso que mais importa nele.

   “Nosce te Ipsum”, pois não há amor fati que não conheça a si mesmo, é fato imprescindível no amor fati saber o que se ama em si mesmo. Por isso creio que aqueles que comumente dizem “não querer nada diferente”, quando dizem isso entremente à alegria, nas festas, ou sem pensar, diante da vida, não sabem o que estão dizendo, pois ainda fala forte a sentença de Sileno que para o ser humano o melhor é nunca ter existido.

   Devemos, pois, para conceber o amor fati corretamente, pensá-lo dentro do âmbito da tragédia, onde mais do que nossos acertos, nossos erros determinam a proveniência daquilo que devemos amar sinceramente. A alegria e a boa sorte trazem elementos facilmente amáveis, e engana o ser humano na hora de afirmar sua existência, enquanto que a dor e a má sorte põem-nos em atenção para o que está diante de nós, é dali que temos que retirar, como garimpeiros, a pepita de nossa grandeza.

   Tal coisa tão pequena e de extremo valor revela em sua substância não mais o valor alheio, o dever ser, a benção da sorte ou de Deus, mas comporta a potência do reconhecimento, da afirmação pessoal, do abençoar livre pela própria boca, da sorte/morte individual, perante somente si mesmo.

   Ela comporta aquela fraqueza/forte, aquela imensidão no ínfimo, aquele terror desejável, coisas com as quais o ser humano não está acostumado e geralmente não quer, não compreende, não busca ou sequer percebe quando encontra, caso esteja disposto apenas diante da alegria, da luz, da boa sorte...

    O amor fati não pode ser em momento nenhum uma desculpa para a infelicidade, não pode ser uma compensação psicológica para nenhuma dor, nenhuma culpa. O amor fati não pode ser retardo para um devir, uma vingança, uma ilusória sensação de superioridade. Como eu disse, é o amor da ave de rapina, é a condição biológica para se digerir lá no alto a carniça que se ingere na vida, nutrição das carcaças dos mortos, dos ossos dos massacres que a cotidianidade nos impõe, sendo isso sempre consciente.

   Se pudesse, se suas forças permitissem, a águia voaria até o Sol, e se o ar lhe faltasse, ela respiraria o nada que também sustentaria seu vôo. Se suas asas fossem loucas, como só pensamento sabe ser, a águia dançaria pelas estrelas, em passos improvisados nunca antes pensados, e tocaria de lado a lado os precipícios que arregimentam o abismo, fazendo dele sob medida para sua envergadura, sua autonomia seria do tamanho de sua coragem, e a coragem da águia é aquilina; mas ela não quer nada disso... ela só quer o que tem, e só tem o que quer!

   A águia é uma estrela com órbita própria, assim devem ser aqueles com Amor Fati.



Uberlândia,

Verão de 2015.




23 de dez. de 2015

Mensagem aos Homens do Mal

   Chega o final de ano e somos inundados por uma enxurrada de mensagens de esperança, enaltecendo a vida e o otimismo calcado no simples conceito da benevolência que promove o comércio e a alegria na sociedade.
   Porém nessa mensagem quero me dirigir aos “homens do mal”, àquelas pessoas ruins, que promovem a discórdia, a desordem, a decadência e desesperança na sociedade, essas pessoas, homens, mulheres, jovens e adultos que com sua presença, por onde passam, são um foco de decadência e corrupção em nosso mundo.
   Essa mensagem é endereçada também às pessoas que fecham os olhos à verdadeira essência do mal que há entre nós, àquelas pessoas sem consciência social e política, àqueles que creem firmemente que o mundo não é complexo em sua manifestação, que tomam o real como única forma possível das coisas serem, e que assim creem que o mundo termina nos limites de sua cabeça, que o que importa é aquilo que os muros de sua casa delimitam, que acreditam piamente que a vida se resume no que é noticiado nos meio de comunicação “oficiais” e que tudo mais é normal, banal, imutável.

   Aos ruins, aos piores, aos maus, o que tenho a dizer é que a única coisa que me desagrada neles é a irredutível posição de não quererem ser melhores, pois no mais, o mundo mesmo há de os julgar, e o “mundo” aqui é a totalidade das coisas, a complexa rede de inter-relações que podemos chamar de “Vida”.
   Essas pessoas errantes, que andam por aí, nas ruas, nas escolas, nos bares, nas igrejas, nos órgãos públicos, saibam que o mundo nunca os tolerará como são, por isso a vida de pessoas assim tende sempre ir de mal a pior. Pois as pessoas de bem nunca realmente toleraram ou tolerarão as pessoas assim...
    Por mais que as pessoas ruins andem no meio de nós, destruindo a harmonia da sociedade, destruindo em pequena escala a paz e a harmonia que as pessoas de bem constroem e cooperam por existir, imputando desordem nas salas de aula, nas empresas, na administração pública, sempre chega o momento de ser cobrados dessas pessoas uma posição definitiva em relação a como elas agiram ou agirão.
    A história nos ensina que gente assim sempre será cobrada a respeito de seu caráter, de suas atitudes. Muitas vezes vemos indivíduos relapsos e revoltados contra o mundo, desleixados com sua educação ou com sua vida profissional, com suas famílias e com a sua comunidade.
   Invariavelmente a vida dessas pessoas se deteriora, e em algum momento de suas vidas lhes é cobrado ou pela lei ou pela sociedade aquilo que devem. Muitas vezes pessoas assim se creem perseguidas, indignadas pelas injustiças sociais, ou quando não antes, se creem acima da lei, intocáveis pela sociedade. E esse é seu maior erro, pois a vida sempre cobra a conta da desarmonia que eles impetram em seu meio social.
   Hora é mesmo os estertores da Lei e da Ordem que os pune, outra vez são os rumos da própria vida que escolheram que vem acertar as contas, e quando menos percebem suas proles se voltam contra eles, onde vêem os próprios filhos se revoltando contra o tipo de consciência que seus pais querem insistir em perpetrar.
   Isso se dá porque de geração em geração é costume dos filhos se insurgirem contra os pais, e quando aquilo que os pais lhes legaram é a pobreza, seja material ou de espírito, os mais novos vão sempre de encontro ao que pode lhes redimir e dar uma vida melhor, seja na forma de reforma moral, seja em busca de um pouco de bem-estar e prosperidade.
    Assim, muitas das vezes, esses elementos errantes, fonte de baderna e discórdia, são alijados pela própria vida, tendo como legado apenas o fúnebre acerto de contas traumático com as novas gerações.

   Não arrogo aqui um acerto de conta histórico, não invoco aqui também uma espécie de revanche cósmica contra os estúpidos, cada um percorre nessa vida os caminhos que livremente escolheram, e ninguém paga pena por aquilo que em liberdade decidiram, mas tudo no mundo tende à harmonia, mesmo que a harmonia seja apenas uma forma doce de se ver a própria morte.
   Também não conclamo um monumento existencial à passividade ou à quietude, o que estou fazendo é enviar uma mensagem de seriedade e sinceridade aos ruins, aos que não querem melhorar, aos corruptos e aos estúpidos e estupidificados o bastante para não perceberem que tudo muda, tudo um dia passa, e assim passa e se transforma e exige reparação de toda a mediocridade e indiferença que as pessoas cometem em suas vidas.

    No mais conclamo às pessoas de bem não abrirem mão do amor, da beleza e da felicidade, pois isso é o que sempre nos diferenciará daquela parte nociva e corroída de nossos semelhantes, os quais porém escolheram divergir de nós optando pela estupidez recorrente. Esses sempre são punidos, e começam a ser punidos por eles mesmos, e por mais que vivamos em tempos difíceis, muitas vezes causados por essas pessoas mesmas, isso é só parte de um grande processo de seleção no qual ao final o bem e a vida sempre vencem.
   Toda mal sempre está destinado à derrota, porque o mundo foi feito pela vida, e as coisas que estão diante de nós só existem pelo esforço da própria vida, a qual mesmo frágil, é um centro de liberdade e esperança, e justamente por ser essa sua essência, a vida sempre impõe à realidade a condição básica dela continuar, pois o bem aprende com o erro, mas o mau é sempre superado e transmutado pelos suas própria ignorâncias.
   Aos bons ainda digo, não temam o mal, não temam esses tempos difíceis, não temam os corruptos, os bandidos, os estúpidos, pois o grande fulgor de nossos dias não passa do mal combatendo o próprio mal, e esse é o estágio final de toda emanação de tudo que é ruim.
   Procedida toda limpeza, os bons voltam novamente a desfrutar as benesses de se ser bom, onde nossa maior fortuna é ainda existir, pois existir em maldade não é existir, mas sofrer, enquanto existir na bondade e na beleza é cumprir a finalidade da vida, e receber o que de bom a vida tem para doar, poder desfrutar do amor, da dignidade e do prazer justo, sentimentos que só os bons conseguem acessar, vivendo assim toda a totalidade da existência, e não só parte dela.



Pax Konx!


6 de dez. de 2015

O Vazio d’Ela...

   Segue entrementes, por um vazio que se instala no meio de tudo, sem sinal de onde vem ou para onde vai, no devir de cada dia que intui ser uma repetição distante, porém com algo que falta.
   Em seu peito uma saudade que não tem fundamento, um sentimento de nada que às vezes é confundido por ele com carência.
   Mas um dia, cruzando uma praça vazia, evacuada por uma forte chuva que logo cessara & então queimava no sol de verão do meio dia, fluindo névoa no calor, ele enfim percebera que tal saudade era o rastro da ausência de alguém que devia estar em sua vida, mas não está! Como ele poderia entender isso?
   Sim! Era a falta dela, uma falta já eterna cuja presença sempre foi também eterna & terna, mas desde essa existência apenas... O que ele intuía então o sabia inferindo por aquela ausência atroz que lhe falava de uma parte sua faltando, uma mulher que ele amou eternamente, mas que agora, nesse círculo do eterno retorno, não mais estava junto dele.
   A praça vazia, o peito agreste, o clima cerrado, o coração oco, a mente saudosa, tudo era o sentido da falta, do “devia ser” porque “sempre foi”. Mas agora não mais era...

   Ele é um vislumbrador, alguém que viu os raios de sol do grande meio dia, e há muito tempo andava pelos mesmos lugares de outra vida, porém sem a presença daquela pessoa, que havia enfim partido do círculo incessante deste hades hilético.
   Nas infindas idas e vindas do eterno retorno do mesmo ela alcançou a saída & ele repermanecera no ciclo eterno, por isso agora ele seguia esse vazio desconcertante por entre as praças, os cômodos, os lugares em que ia, dentro do ônibus, nas ruas lotadas, dentro dos bares, olhando para o lado, esperando vê-la, seu sorriso, seus olhos, o que sempre fora o melhor de sua vida, e que não é mais.
   Eles percorreram juntos trilhões de vidas, sempre a mesma, nunca outra, eternamente revivida, onde um dia se encontravam; trilhões de primeiros beijos todos iguais, agora não mais beijados...  trilhões de palavras trocadas todas iguais, agora não mais proferidas... trilhões de afetos & carinhos recíprocos depositados no relacionamento, agora não mais relacionado... & mais, um resto que agora ele jamais saberá, pois falta ela... Ela não veio mais... Ela alcançara a liberação, & ele sentia que logo iria atrás, para o grande nada, a ignorância dos filósofos.

   Quando disso, todas as energias do Universo vibram como se abortando um pedaço de si, todas as realidade paralelas infindas, mas não infinitas dissonam, em todas as vidas possíveis que eternamente se repetem uma se modifica & a própria totalidade dos devires se abala, uma delas foi desassimilada enfim, & dentro daquele túnel os dados extraviam-se naquele jogo de cartas marcadas, alguém urdiu uma trapaça, uma galáxia perde uma estrela, e os anos cósmicos ressente-se, em um sistema planetário um Arconte urra de ira, seu cárcere diminuído, & por um momento, ao meio dia em um planeta insignificante, uma pessoa morre e não mais nasce, saindo pela tangente ao que sua plataforma astral curva perpendicular & escorre dali um fio de espírito furioso arremessado para longe do tabuleiro, alguém se livrou do eterno retorno do mesmo, alguém se libertou... Um anel foi rompido.
   O Arconte pensa: “Um se foi! Que falta faz?”, & remoei a dor de sua própria perda.

   Alhures & agora, foi ela, ele sente, ele intui, ele sabe... A ferrenha saudade & a descomunal solidão diz que um dia algo foi diferente, houve ela... & que agora não mais é, agora ela se foi, definitivamente para todo o sempre.
   Quereria ele outra vez, & só uma mais, esse amor-fati? Suportaria ou suportou isso por quantos aeons? Suporta agora? Deseja sinceramente isso? É preciso só dizer sim! Resignado perder para ganhar.

   Em sua triste & alegre exultação ele persevera, pois sabe de tal grande êxtase de felicidade, & sabe ser possível ele se ir também, deixando saudades sem fundamento para quem ficar.
   Logo ele irá, ele sabe, ouve o chamado nulo dela imperando no céu de seu mundo, uma paixão que não aconteceu, um amor sem igual, mas que outrora sempre acontecera, sinal de uma desilusão significativa ao extremo, sinal de que ambos então estarão juntos... no nada... em plenitude!

   É meio dia no mundo inteiro...
                   O coração cheio de luz negra...
                                          O eterno retorno evitado...
                                                           Os ventos cessados...
                                                                         O Anel enfim rompido...
                                                                                      É Meio Dia no mundo inteiro...




21 de nov. de 2015

Prazer Livre Saber

Assim como
   qualquer prazer
     é um gozo de dor...
A liberdade só é alcançada
   quando sujamos as mãos...
& toda sabedoria
    é sedutoramente lasciva & nunca basta...

Os melhores pensamentos são corrosivos
As mais belas imagens excitam
As mais belas palavras calam
E as melhores situações são cheias de fúria & ardor

Promiscua é a vida
   & a vida é boa
Mas nossos sentimentos
   estão cheio de fantasias de morte & pureza
A beleza pura, a bondade pura, a pura justiça
Coisas que não são o que parecem...
Feiura & maldade & crime

Mas
   Todo prazer dói & é bom
   Toda liberdade é suja & enobrece
   Toda sabedoria é lasciva & seduz

Não confio em um poeta cujo um livro não tenha as palavras ‘merda’ & ‘mel’
Só reconheço nos homens, a única coisa que sei sobre nós:
Amamos nos odiar & odiamos não nos amar...
Todo mundo quer ser deus, mas ninguém quer se deixar possuir por um demônio
Ninguém que saber quanto custa ser nada...

&
   Todo prazer dói & é bom
   Toda liberdade é suja & enobrece
   Toda sabedoria é lasciva & seduz
& nunca basta...
       ...nunca basta...

Livre é quem ama

& Viver é estar em plena consciência. 


13 de nov. de 2015

Aurora: em penhascos & horizontes


A aurora com seu voo de coruja
   crava na borda do horizonte
      seu ninho de luminescência...

A aurora com suas asas de mariposa
   adentra a noite arrancando do escuro
       a dádiva de lúmen que a consome,

A aurora com seu canto de cigarra
   ruge nos ouvidos dos adormecidos
      o zunido do alvorecer.

Vaga-lumes & lumes vagos se escondem
   junto com as estrelas e meteoritos
      atrás do orbital véu azul transparente,

Estranho canto...
Estranho esvoaçar...
Melodia de pranto...
Rasante encantar...
Charnecas no precipício
    que o novo dia escala...

Agita tuas asas áureas
   & dispersa a escuridão
      na revoada dos pássaros
         que vem te devorar,

Arraias celestiais & morcegos notívagos dissolvem-se
   junto com cada pecha de pez do céu inescalável
      guardando os mistérios dos sonhos uranianos...

Abra os olhos dorminhocos,
   que lá fora o sol imóvel se levanta...
É o mundo que gira, é você que se curva
   no encrave de mais um dia...

Aurora, Coruja de Minerva
Algoz da madrugada
Vem & vê
   o dia que passou,
Inaugura um novo tempo novo...

Corujas, mariposas, cigarras, vaga-lumes & estrelas vão dormir
Enquanto a aurora tira de perto tudo que é de se despertar...
Indo para longe penhascos & horizontes.



7 de nov. de 2015

Animalia

...
Peixes
&
Pássaros
&
Cães
&
Gatos

Humanos Humonstros
Pessoas personas peçonha
Crianças crionças criadas
Animais racionais & irracionais

Icebergs Ciborgs
Nas Gaiolas Digitais
Curral Virtual
Naufragando no ártico
   de corações artificiais

Peixes crianças
Em seus aquários
Onde a dor não entra nem cansa

Pássaros adolescentes
Pavõezinhos estúpidos
Emplumados, enlatados, descontentes

Cães adultos
Latindo nas ruas
Suas ideias cínicas até contra vultos

Gatos felizes
Apartados de tudo isso
Ignoram felinamente qualquer deslize

Peixes
&
Pássaros
&
Cães
&
Gatos
No Pet shop social

Exagero de frieza
Exagero de narcisismo
Exagero de emoção
Exagero de desprezo

Tubarões egoístas
Sardinhas medrosas
Carpas decorativas
A boca no anzol...
Papagaios imitadores
Galinhas estéreis
Galos de briga covardes
A mente em frangalhos...
Pastores alemães fascistas
Pitbulls psicóticos
Poodles impertinentes
Vigias das baladas...
Siameses nirvânicos
Angorás estelares
Pelos curtos pacientes
Solitários e dormentes...

Crianças peixes
Inertes, zumbificados
O mundo é do tamanho de seu aquário

Jovens pássaros
Coloridos e barulhentos
A vida é um peito estufado

Adultos caninos
Sempre no cio e vazios
Adulam a adulteração e o adultério

Mestres gatos
Silentes & calmos
Ensinam o correto viver

Não se esqueçam dos insetos, dos ratos,
Das cobras, dos coelhos, dos patos
&
 Cavalos
&
Peixes
&
Pássaros
&
Cães
&
 Gatos

...


1 de nov. de 2015

O Vôo do Falcão (Um poema de tríplice beleza)


“Como sabeis, que cada Pássaro que irrompe
a ventania não abarca um imenso universo de
delícias, imerso em vossos cinco sentidos.”

William Blake
in “Casamento do Céu e do Inferno”

Tradução Alberto Marsicano, Ed. L&PM


“...
   Os falcões-peregrinos estão entre as aves mais rápidas da Terra, mergulhando sobre o alvo a velocidade de até 320 quilômetros por hora. Mas eles poderiam voar ainda mais depressa se o fizessem em linha reta em vez de seguir uma trajetória espiral até suas vitimas. O biólogo Vance A. Tucker da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, EUA, passou anos se perguntando por que os peregrinos não usavam a distância mais curta até a presa. Então ele percebeu que, como os olhos dos falcões ficam nas laterais de suas cabeças, para tirar vantagem de sua visão extremamente aguçada, eles precisavam inclinar a cabeça 40 graus para um lado ou para outro. Tucker descobriu em experiências num túnel de vento que essa inclinação de cabeça os deixava mais lentos. Os resultados de sua pesquisa, que foram publicados na edição de novembro de 2000 do Journal of Experimental Biology, mostram que os falcões mantêm a cabeça em linha reta e seguem uma espiral logarítmica. Devido à propriedade equiangular  da espiral, esse caminho lhes permite manter seu alvo à vista enquanto maximiza a velocidade.
   O fascinante é que a mesma forma espiral encontrada na foraminífera unicelular e no girassol e que orienta o vôo de um falcão também é observada nos ‘sistemas de estrelas agrupadas em um plano comum, como as da Via Láctea’...”

Mario Livio
in “Razão Áurea”
Trad. de Marco Shinobu Matsumura,
Ed. Record



“Para ver um Mundo em um Grão de Areia,
E um Céu em uma Flor Selvagem,
Pegue o Infinito na Palma de sua mão,
E a eternidade em uma hora.”
                                                    William Blake



22 de out. de 2015

mestre kogusmellum

Meu amigo cogumelum ~ cognato de caramelo com gosto de
cristal ~ & forma de guarda chuva-nuclear ~~ Me fez a cabeça ~ numa queda do último andar ~ & outro amigo meu nunca mais voltou de lá ~~ Cogumelo mágicko ~ amigo da lanterna chinesa de Yume Sama ~ ilumina a noite de dentro com luz de leite condensado ~~ Na noite eu sonhei ~ com um pasto largo de cogumelos & bois chorões ~ sinceros em sua antecedência mansa ~~ E no sonhos vi os cogumelos como deuses ~ massa de pão & pão de verbo ~ ação mofa, reação ração, adeus razão..., mofo logos ~~ E o pasto o mundo & eu boi ~ pastando a pasta de grama & cogumelo ~ pensando se um dia existiria um bicho pior que o homem ~~ Grama justa, pasta de cogumelo ~ podia me fazer esquecer da engorda & do abate ~ lembrando só da branda foda com as vacas ~~ O chá já se vai no charque do tempo ~ & boi deixarei manso ~ o pasto, o rastro, a pata, o passo, a parte ~~ Acordo homem carnívoro da alma ~ meu amigo cogumelo debocha da forma que eu o imito ~ só parte, não inteiro, ereto ~~ Desfalecido no caminho perdido ~ desvio de algum lugar do tempo passado ~ onde homens existiam como cogumelos por inteiro ~~~ cheios de luz e doando luz, e existindo como luz...


15 de out. de 2015

Antecâmara


“A arte consiste em ocultar a arte"
Ovídio
...

inferir perfeição
                            naturalmente

comunicar sons
                           harmonias

informar cores
                          cromatias

filosofar não-saber
                                sentimentos

sonhar com nada
                             confins do esquecimento...

rabiscar mazelas
                            subentendidas nas entrelinhas

sorver fractais
                        dos ramos, das nuvens, das matas

amar dançando
                          penetrar sem toques a nós mesmos e aos outros

descobrir pela gnose
                                  que não mais habitamos o mundo

já vivemos no irreal
                                  complexos de símbolos

perdidos em nossa genialidade humana
                                                                não sabemos mais voltar à perfeição do desdito

a sina, o fado, o desejo
                                     para sempre lacrados pelas palavras que esquecemos as origens

a anti-verdade
                         reprisada no desconcerto de nossas decepções

dos mistérios perdidos
                                 aquele das núpcias ainda nos esperam na antecâmara do Pleroma


& finalmente esquecer...