20 de abr. de 2015

Enquanto Houver Nuvens

Tendo lembrado & relembrado
O estranho furor dos dias que anestesiam a alma
Repousei na memória do meio-dia
   das coisas que nem sei...
O que me dizes, Águia & Serpente?

Aceitar as verdades dos outros
É um longo caminho que sequer tenho o mapa
As razões que fazem você dizer os seus lamentos
Não são as mesmas que me fazem desejar minha própria dor

Nos últimos dias então viajei em uma dor lancinante
   que me visitou dentro do sono
& com ela pairei sobre a própria realidade
   desfigurada do sentido que sempre nos faz fugir do que dói
Depois dali, procurei por ana em palavras alheias sussurradas
Mas não tive mais que o próprio carinho
    daquela dor pela qual naveguei dentro da madrugada:
Seu acalmar...

Agora pairo anestesiado
   por entre encruzilhadas que eu não soube desarmar
Falam-me os vazios e os horizontes do mundo
   sobre um lento despertar:

“Enquanto houver nuvens há esperança...”
Enquanto eu crer no milagre, pode o milagre chegar...
Que chegue a tempo
   salvação do meu corpo, salvação de minha alma
Para ti reservo o fascínio do fluir calmo
   dos rios do céu,
                que cedo ou tarde,
                              desabam como graça
                                               em chuva sobre o chão.

2 de abr. de 2015

O Conto do Átimo*

   Imersas em uma escuridão que não é a escuridão que conhecemos, pois nessa escuridão nenhum grão de luz pode chegar. Ali estilhaços de nada condensados e vergados em inaudita tensão vibram como supercordas tocando, cada uma, uma sinfonia de um sonho de um nem isto nem aquilo. E cada uma dessas supercordas não passa de um grão de poeira no tecido da realidade, a textura de um abismo chamado real.

   Agitando o maior dos oceanos existentes em qualquer mundo, oceanus maximus esse, porém, invisível ao mais poderoso dos olho de máquinas arcônticas, as supercordas impulsionam então as marés de flutuações quânticas, revolvendo ondas infindáveis. Porém esse oceano e suas tempestades quânticas não passam de um grão de poeira dentro de um átomo.

   Um só átomo, cuja energia pode destruir um planeta, se cindido, pulsa radioativamente, compondo em sua multifuncionalidade qualquer estrutura, compõe até os ácidos que em vez de dissolverem, coagulam a base de toda vida. Mas o átomo é só um grão de poeira que compõe um cristal em uma fita de DNA.

   E dentre todos os átomos impermanentes que formam periodicamente um corpo, há um átomo permanente, a Mônada, que em sua essencialidade faz distinguir um ser humano de um verme, pois esta Mônada contém em si a propriedade da determinação da autoconsciência no corpo propício que habitar.  Entretanto uma Mônada é um grão de poeira dentro do corpo.

   O corpo humano, que dizem ser o ápice da evolução dentro da natureza, com sua capacidade de engendrar tudo de bom e tudo de ruim, contendo a Mônada espiritual advinda da Eternidade, este corpo não passa de um grão de poeira disperso pela face da Terra.

   Este planeta, repleto de vida e beleza, com uma natureza exuberante, que abriga todo tipo de vida animal, vegetal, mineral e elemental, com seus sistemas eco-dinâmicos, este globo vivo não passa de uma grão de poeira girando sob a força gravitacional em volta de uma estrela que chamamos Sol.

   Tal estrela, imensa diante da Terra, acolhe em seu esteio todo um sistema solar de planetas, luas, asteroides, cometas e vidas. Esta estrela e todo seu sistema não passam, porém de um grão de poeira perdido na periferia de um dos braços da galáxia conhecida como Via - Láctea.

   A Via – Láctea comporta em seu corpo sideral bilhões de estrelas até mil vezes maiores que o Sol, e tantos mais planetas, quasares, supernovas, constelações, e em seu centro um colossal fosso devorador de matéria que nunca ninguém verá. Mas a Via - Láctea é só um punhadinho de grãos de poeira dentro do Super Aglomerado Galáctico.

   Este grande conjunto de galáxias, possuindo inimaginável tamanho, vagando sem rumo conhecido, em comparação com o Universo, o aglomerado não passa de um grão de poeira perdido.

   Este portentoso Universo, esse colosso que de tão grande se une aos seus próprios versos de cada lado, existindo sob suas próprias leis de tempo e espaço, o Universo não passa de mais um entre outros Universos dentro de um complexo pluri-cósmico nomeado Multiverso. Dentre milhares de universos, o nosso é só mais um, como um grão de poeira entre outros grãos.

  Pois o Multiverso, com sua meta indecifrável, misteriosa, é por sua vez um espólio de pensamento emanado da Eternidade, e diante a Eternidade, o Multiverso não passa de um grão de poeira.

   A Eternidade, perfeita em tudo, fonte da própria perfeição, que sempre “existiu” e sempre “existirá”, e que Dela permitiu que o “existir” se distinguisse por vieses desconhecidos, além de qualquer Bem ou Mal, essa Eternidade mesma não passa de um grão de poeira dentro do Nada.

  E se pudéssemos pensar em algo como a imediação imediata entre a Eternidade e o Nada, onde tal imagem fosse uma anquibasia simbolizando tal imediação infinita, essa paragem profunda e silenciosa mesma é nada dentro do Nada...






   Saiba o incauto leitor que esse conto é a base de um canto, uma composição louca que se propaga como música que impulsiona tudo que a ouve em uma dança espiral ad-eterna:

   Agora, todos esses nadas, esses grãos de poeira onde estamos, todas as imensidões, confins, paisagens e sendas sobrepostas, vagueia dentro da Eternidade, pois tudo é só um átimo do pensamento do Deus Desconhecido, e no, e do, infinito, nós acontecemos.
   Dentro disso tudo, ou fora, seja lá como for, do nada nós viemos parar aqui. E como é possível isso acontecer? Como é que nós simplesmente acontecemos aqui imersos nessa inaudita infinitude eterna.
   De onde viemos? Somos daqui? Da Eternidade? Do Nada?
   Isso que somos, a consciência, a Mônada, o Espírito, seria uma distensão entre o Ser e o Não-Ser, a Eternidade e o Nada?
   Com certeza, para chegarmos aqui, viemos pela senda algorítmica que sai do Nada ao Nada, no compasso de uma razão rítmica não simétrica, pois a simetria perfeita é da natureza da Eternidade, do Infinito, pois mediante a simetria deste Universo, a perfeita simetria da Eternidade consegue harmonizar em perfeita divisão o indivisível.
   E para além disso tudo, muitas vezes o que nos importa não é o tudo ou o nada, não são as galáxias, os éteres, os buracos-negros, o espaço ou o tempo, ou o tecido do cosmos, o que nos importa simplesmente não é nem nós mesmo, o que importa é o outro, a pessoa amada, a chance do encontro com ela.
   Não obstante tantos átimos e a abismal Eternidade, só queremos encontrar quem nos faça feliz e completos, e é mais por isso do que por qualquer outra coisa que bailamos loucamente dentro do Universo. 
***


*Capitulo retirado do livro
“Geografia Pneumática de Paisagens & Sendas Sobrepostas”
de Eduardo Moura Tronconi, Editora Textura do Abismo, 2015e.v.