30 de ago. de 2021

Samsara

 

Se o objetivo é o Nada
Nossa parca estrada
Só pode ser a senda de Tudo
Em que se resume o mundo

Os deleites
Os delírios
Os defeitos
Os decoros
As memórias
As experiências
As carências
As exuberâncias

Se o objetivo é o Nada final
Percorremos pelo Tudo marginal
& não nos perdemos
Pois não há caminho errado

Chega-se à Eternidade de assalto
Pelo pecado & pelo perdão
Caminha como arauto
Mas também como ladrão
A santidade colateral aos excessos
Dessa lucificação em processo



27 de ago. de 2021

Andarilho

 

Carrega a linha imaginária da fronteira
   ali entre um passo & outro
      o limite da subconsciência...
Depõe a sensação de exílio
   suspende, na pedra que imola
      o vício do silêncio
& zanza entre aqui & ali
   com cantos & sussurros
      borbulhando nos pés secos.

Olha para o Espaço
   como olha duas faces da moeda
& aprecia mais a sorte da cara
    do que o desvalor da coroa
Entretanto, diferente do metal
   cunha ainda um terceiro lado
      cara, coroa, coragem...

& deita com o Tempo
   sem hora para se levantar
Mas surpreende a aurora
   endossando a fogueira
      enquanto ergue acampamento
          para partir
Rumo a outro lugar nenhum.

Parte
   cara, coroa
Racha
   a trinca dos pés
Junta
   Tempo & Espaço no passo
& anda
   sem pressa
      não há onde chegar
Tudo é
   um imenso retorno...



25 de ago. de 2021

Prevalecentes

 

A extensa multidão
   nascida do pó da terra
      do soluço da lava
Que traz mansa magma nas veias
   & percorre com pés descalços
      & as costas carregadas
   as estradas do mundo
Não descansa
   como o Sol
      em suas efêmeras alegrias
         & pesadas tristezas
Mas vivem...
Se ferem, trincam, racham
   pelo peso que o mundo
      dispõe em suas crostas
& espalham pelos campos
   cantos & contos de prevalecência
Rescendem a terra
   de ocre suor, lágrima & fome
Mas inundando, encantam
    com o direito só seu
        de serem chamados
Humanos!



23 de ago. de 2021

Desalinho

 

Vida & cidade
   fora de prumo
      vivacidade
         não acham um rumo
Em desalinho
   a vida, como as ruas
   apesar de retas
      tortas estão
Não olham de frente
   nem as costas dão
      ao Sol & à Lua...

Correm despropositadamente
   de nenhum lugar
      para lugar nenhum
   a vida, como as ruas
      em um traço, um risco
         que não vai
            de Norte à Sul
Perpendiculares ao pêndulo
   & ao penhor
      perdidas...

Cama de gato
   trama, aparato
      mediante meridianos sem escala
   abaixo das Estrelas
       sugados em seus rumos
   pelo Buraco Negro
A vida & as ruas
   por onde passamos
Um emaranhado
   assim em cima como embaixo
Portas da frente, quintais...



17 de ago. de 2021

Tentáculo

 

Descomi o verme
   tentáculo solitário
Longa trilha exposta
   de cadáveres ruminados não pelo tempo
         mas pela falta de perdão;
Descomi o verme
    & regugitei feras de sono
      mergulhadas no visgo da inconsciência;
Bichos afogados
   enraizados no fundo do mar de sal
Noites & dias, encontros & desencontros
    que nunca deveriam ter acontecidos
Degeriam nas tripas da tripa
    & tinham enfim o odor da repulsão
& o sabor da água fresca
   do nunca mais & do esquecimento.



12 de ago. de 2021

Parágrafo Final de uma Biografia Imaginada, mas não Menos Desejada

 

Então...
Todas as canções que compus pra ti
Não tinham mais por que serem cantadas
& cada verso era só expressão
De uma saudade incorrigível
No túnel do tempo
De onde você desapareceu...
Mas ficaram as crias
& nos seus sorrisos & choros
Você ecoava
De lá de longe na existência memorial
Dedilhando as cordas da viola vida
No estribilho imóvel
Dessa nova presença que não passava...
Então...
Todas as canções que compus pra ti
Eram reencantadas...
& eu, aprendiz da morte
Mais te amava...



10 de ago. de 2021

Efêmero

 

Efêmero... ou não... pensamento
   cobre toda uma vida...
Podemos dizer, com a firmeza
   da existência de uma borboleta
Que coisa só nossa
   não vinda de outro lugar nenhum
      são nossos sonhos...
& voa, vem, desce, emerge, acontece, passa
   sem se submeter
      à espaço, tempo, ser, estar...
Pois, se depois da vida, a morte
   está a verdadeira realidade
Deitar, dormir, sonhar
   é um prelúdio
      para onde & quando
         encontraremos a liberdade...



3 de ago. de 2021

Arcano 0

 

A música está tocando
   mesmo antes da orquestra começar
& a loucura dá as notas
   para um rodopio no abismo salão
Nenhuma surdez faz ignorar
   o apreço que a sanidade
      tem pela distância
         & pelos corpos em conjunção...

O espaço é tudo que existe
    & mesmo assim cada um tem seu tempo
Para a dança, para tudo
   enquanto a mente se cansa
Dos ritornelos em torno do mesmo
    tempo de ação & reação
Eu dobro, contorço
    sob o peso das sensações...

A música não para
   mesmo sobre o bem administrado preço
      inumano da razão
É o passo do espírito
   de volta ao começo
É a dor que não para
   nos pés do dançarino
& no coração disperso
   na sensação de exílio do andarilho...

A música se condensa
   é forma, vazio, propensão
Ela quer a dança, a cópula
   a inexpressão
Exata como um & um estão só
   quando não se movem no mesmo ritmo
      na mesma pulsação
O que toca antes se tudo
   foi & ainda é
      o coração...




2 de ago. de 2021

Sonhei...

 

Sonhei com fugas
   & reencontros
Sonhei com corredores
   ruas, pessoas
Sonhei com o passado
   presente no futuro
Sonhei com o pai
   o filho & o espírito em espanto
Sonhei com casas
   & outras coisas habitáveis sem nome
Sonhei com o desespero
   da profunda esperança do diferente
Sonhei com a vastidão muda
   que estronda em mim como o trovão
Sonhei porque estou cansado
   & minhas forças são para moldar mundos
      onde meu espírito já vive

Penso que são convites para o além
Penso que são alivios para vida
Penso que são a sorte da imaginação
Penso que são expressão da alma
Penso que são minha totalização

Sonhei... & na estranheza
   não senti falta de nada
      nem da alegria, do amor ou da sorte
Sonhei... & era completo
    coragem, vida & morte.