26 de abr. de 2024

Folhas Soltas

 

...à procura de iguais...
   não há para nós tais!

Maior perda de tempo
   na face da Terra
      no fosso do Universo!

Folhas caídas
   soltas no ar
      sem nenhum algoritmo à coordenar...

Mantemos encontros casuais
   apenas com as coisas do tempo
      nunca com as coisas do espaço.

Rumamos à próxima Estação
   ao conhecido da repetição
      ou ao desconhecido da inovação!

Esperar é caminhar
   ir rumo, não ao encontro
      nunca aguardar...

...à procura de enganos...
   é tudo que encontramos!



25 de abr. de 2024

Regras das Árvores que Caminham

 

"Viva como uma árvore que caminha!"
(Austin Osman Spare)

“Seja como o sândalo
que perfuma o machado
que o fere".
(Buda Sakyamuni)


Árvores que caminham
   & suas regras desregradas...
   que as regam como o nada
      em seus passos desenraizados no ar
   por entre as sebes
     mato, daninhas & desertos...

Que o seu silêncio de árvore
   seja como a sombra sempre constante
      na luz do sol, da lua, das estrelas
         & queimadas
   silêncio como a sombra da noite
      que cala, mas fala imensidões...

Doa desse tua natureza árborea
   não como presente
      mas como o perfume de tua seiva, inerente
   essência da madeira de que é teu corpo...

Não impõe, mas propõe
   raízes, tronco, galhos
      folhas, flores, fruto
   semente que contém tudo
      ser em estado bruto, mas maleável...

Nunca afronta, mesmo frondosa
   te reparam mais os que voam
      do que os que rastejam em vida polvorosa
   aqueles recebem abrigo, repouso
      esses obstáculo & o terror
         de não reconhecerem teu teor...

Árvores que caminham
   & suas regras desregradas...
   passando pelo mundo
      pelo céu & o inferno, pelo chão
         sendo o que são
   indiferentes à toda essa conflagração
      que chamam vida...


"O carvalho mesmo assegurava
que só semelhante crescer pode
fundar o que dura e frutifica;
que  crescer significa: abrir-se à
amplidão dos céus, mas também
deitar raízes na obscuridade da
terra; que tudo que é verdadeiro
e autêntico somente chega à
maturidade se o homem for 
simultaneamente as duas coisas:
disponível ao apelo do mais alto
céu e abrigado pela proteção da
terra que oculta e produz".
(M. Heidegger in "O Caminho do Campo")



21 de abr. de 2024

(i)Materialismo Estó(r)ico

 

O descampado vasto
   parcamente plantado de mato & flores
      ...não há ninguém para amar!

Eu vago pelas ruínas
   enxergando o mato como jardim...

Outros loucos
   viram as flores escondendo as correntes
      & as grades da prisão,

Eu, em meu delírio
   vejo grilhões de aço & concreto
      cobrindo as flores...

Na dialética histórica da minha vida
   revoluções imperceptíveis
      causam convulsão imaterial
         nas tentações de meu coração...

& quem sabe... possa se fazer mesmo...
   ( sem  nada  fazer )
Um jardim florindo por entre os escombros
   & ali, haja algo & alguém
      para amar...



17 de abr. de 2024

O Dia em que a Guerra Começou

 

O céu das seis incendiado
eu na rua desviando de buracos
  escondidos no asfalto escuro
   feito por bombas sem impacto...

Deixo na esquina um cuspe claro
  para o encontrar mais tarde
   no caminho de volta
      por esse campo minado...

Quando for seis de novo
só que na hora da tarde
No céu vai haver só cinzas
  & no asfalto mais buracos...

O cuspe que deixei haverá secado
  sob o fogo que ardeu o dia inteiro
Enquanto do outro lado do mundo
  os homens guerreavam...



16 de abr. de 2024

Broadcasting

 

As veias abertas da mídia latindo
   conflagrações que vendem
                                    anúncios/notícias
   entre os intervalos mudos das
                                   notícias/anúncios
Gente quebrada reportando na tela quadrada
Gente de alma feia & cara pintada
   articulam vômitos verbais
      de opiniões & opções & narrativas
   sobre a guerra & a paz
      para as ações & inações
   de homens corruptos
      & seus patrões S/A.



15 de abr. de 2024

Advento

 

Será que nós todos
Passamos os dias
À espera de um só momento
Que distoe de todo tempo
   & nos faça sentir vivo?

À espera de um milagre
À espera de um disparate
Que nos abençoe ou amaldiçoe
& signifique então
   que há mais!

Como cadáveres enterrados
No fundo da vala comum da vida
À espera de um ato
Uma palavra, um toque
   que nos abale como nunca antes...

É o sonho... A descontinuidade...
A violação... O desvelamento...
O espanto... A possibilidade...
A novidade vinda em forma
   de violência ou carinho
      dentro de toda essa mediocridade...!?!?



14 de abr. de 2024

Acreção

 

Eu tento reacordar
   depois dos tempos de dormência
Desperto insone
   no meio de uma tormenta pétrea
      de calma no meio
         de todas as coisas inquietas
   na massa que é a assimilação
      do mundo karmico de carne & concreto...
Sou um ponto na gramática
   sou um cisto de molécula
      um cisco de matéria
         um risco de essência
   finalmente engolido na máquina do sistema
      que digere & assimila
         a indiferença que faço em tudo
Enfim tornar
   um digito no meio
      de contas que não foram feitas
         para fechar...
Tento recordar
   tudo que não fui
      & agora serei
   na correnteza do vir-a-ser
      o grande nada que somado
         faz a riqueza do vir-a-ter
Um istmo medido & contabilizado
   entre imensidões acumuladas
      que não faz diferença no final
   mas sente sofre sabe
      o que não é & o que é...



13 de abr. de 2024

Ave Gravastar

 

...ex-trevas...
E l a...
EstrEla
   em constante colapso
      energia, matéria
         escura, luz
EstrEva
E v a...
   me consome, me devora
      na sua fome de nada
         que tudo... sou
...ex-brilho...



6 de abr. de 2024

Pós/sibilidade

 

...é aí que você percebe
  que tudo vai vir no tempo in/certo
  não tem hora in/correta ou marcada
     é tudo emanação da possibilidade...
...quando as coisas estiverem dispostas
  quando o querer & o poder eclipsam
  lançando sombra na realidade
     as coisas chegam, nunca cedo, nunca tarde...
...não precisa mais que paciência
  como uma letargia da vontade
  não precisa mais do que estar vivo
     como um adiamento da im/possibilidade...



3 de abr. de 2024

A Conta

 

O cotidiano é suportado
   com umas três gotas de analgésico
Que é mais eficaz na propaganda
   do que de fato na realidade é
Trabalho Salário Fé
   as horas contadas em marcha ré
As massas se movendo
   por entre o calendário
Rumo à becos sem saída
   que sempre o sistema leva
Conservar a luz própria
   é ter consciência do bem & do mal em nós
& as sombras nas paredes & no asfalto
   que simulam aquilo que achamos ser
Mas só é
   ao que nos entregamos como 'acontecer'



1 de abr. de 2024

Normitemporalidade

 

Garimpando a alegria
   na rocha da normalidade...

Não que estejamos entulhados na tristeza
   nos destroços dos outros,
      não nos nossos....

É somente a realidade
   somente a realidade
      só mente na realidade
         semente da real idade
            & mente a realidade... para nós...
               como normalidade!



5 de mar. de 2024

Oniria

 

"Eu sinto por você que já
foi livre e agora está preso
à esse triste mundo".
-Ghost in the Shell

...& se meus sonhos são melhores que a vida que vivo... & se os mundos sonhados são melhores que o mundo que vivo...
...& pesadelos do inconsciente emergem também... & um corte do mundo penetra na oniria... lugares apodrecidos com pessoas incompletas... sonho com coisas estranhas também... mas ainda assim as escolheria em troca da realidade...
...seria eu que sonho, seria eu que empesadelo, melhor, pior, estranho ao mundo?...
...atravesso a vigília & os sonhos & os pesadelos & as totais indiferenças... atravesso esse mau & esse bom... em lugares & vidas imaginados... melhores que a realidade pode dar...
...então só posso confirmar a pobreza da realidade... a incompletude do mundo... a idiotice do que criou isso, se criou... o fantasma envolto de carne que é capaz de alcançar as estrelas...
...só posso desejar, entre a existência real parca & meus sonhos bastos, viver nos sonhos... & excretar o real, pois é isso que sou para ele, carne excretada sem função...
...então... se a informação não se perde, & os sonhos são parte dela, o que sonhei, uma vida melhor... um mundo melhor... não se perderão, & poderei acessá-los... & jogar os pesadelos, como excremento, para reciclar...
...& se meus sonhos são melhores que a vida que vivo... & se os mundos sonhados são melhores que o mundo que morro... sonho & vivo... pois quem tem pouco faz dos restos tudo...



3 de mar. de 2024

Domingo

 

Não me lembro mais o que foi perdido
   pela estrada dos anos & décadas
      que modificou os dias de domingo

Faíscas de memórias relampejam
   trazendo cores, sons, odores
      uma paisagem de fundo
         que não seguro mais no pensamento

A imagem remete à campos amplos
   liberdade de céu azul, vozes em alegria
      & um cheiro que só se sente sob o sol

Acho que o que se perdeu
   é aquilo que não se pode recuperar
      o formato das nuvens que não há
         de se repetir nunca mais

Sobre o chão onde vamos nos distanciando
   dos dias que encantados
      que não voltam atrás

Onde a inocência
   foi corrompida como nuvens
      pelos ventos das idades
         & suas mudanças temporais
     


 

1 de mar. de 2024

Trans-Ações/Trans-Inações

 

Esperando coisas vazias de gente vazia para quem ofereço nada...
   (no nível da fútil troca que desqualifica tudo
   que aprendemos egoisticamente ou   
   benevolentemente como transação justa)
Desesperando sem exasperar, seguimos inquietos de uma forma quieta por entre a atribulação...
   (na turbulência inculta exalada das pessoas
   para os lugares & dos lugares para as
   relações, dessignificando tudo)
Apenas sendo o nada inato que todos somos, em uma folga constante daquilo que fingimos ser...
   (um esforço hercúleo na preguiça do amor,
   da paixão, dos pêsames, da fome & da
   melancolia das vísceras)
Mergulho recorrente na insatisfação que parece nos nutrir de permanência...
   (ficar quieto na situação incomôda onde
   nem a muita dor nem o pouco prazer faz-
   nos mover)
Enquanto vamos afundando, nos esquecendo de tudo que devíamos ter aprendido...
   (repetindo hábitos, recorrendo à erros
   repassados, insistindo na desolação
   cotidiana da falta de felicidade)
Já não tem nada a nos oferecer, agora trocam conosco promessas que não podem cumprir sobre aquilo que não conseguimos alcançar...
   (vendem-nos caro então a própria
   frustração que cultivamos)



29 de fev. de 2024

Vinte & Nove de Fevereiro

 

Uma perspectiva relativa pauta tudo,
   tudo que fazemos, tudo que vemos
      percebemos, julgamos, reagimos...
Um fator nos encaminha, coaduna
   rege, perfila, define & indefine...
Esse fator é o
                              T E M P O

& hoje, no dia fora do dias,
   corrente de inacontecimentos
      reverbera um pequeno escape
         de nossa prisão do conhecimento inato
            que nos aprisiona...

Assim, escapulindo fantasiosamente do tempo
   através de uma data ilusória
      na engrenagem do calendário,
Vamos sorvendo um dia a mais
   que entranha na carne
      sem fazer diferença nenhuma
         & mudando tudo!



27 de fev. de 2024

1% do Céu

 

Hoje,
   na madrugada,
      o reflexo da lua na janela de um prédio
         entrou no meu quarto,
Pela mesma brecha na cortina
   onde eu via uma estrela
      & uma luz alada não identificada passou...
Todos silenciosos
   as brechas no isolamento,
      a lua, a estrela, a luz,
         iniciaram o meu dia
            & os meus olhos à coisas
               que há tempos não via...
Pela brecha da cortina,
   a abertura da janela,
      entre as frestas dos prédios 
         nos olhos, 1% do céu...
Uma semente de paraíso
   na combinação perfeita & rara
      no escuro silencioso da madrugada.



24 de fev. de 2024

Narrativas Negativas (in)Ativas

 

Existe qualquer coisa mais real que nós mesmos?
Sentimentos profusos inconfundíveis & incompreensíveis...
Existe além da pressão dos eventos que passamos algo que mais importa?
Um só fato relevante em toda essa feira de banalidade superficial do mundo imundo...
Existe, rondando por aí, um caso & um ocaso que supere nossa própria circunstância?
Nesse profundo mergulho rumo à morte, delirante fuga do nada importante...
Sendo nós a única coisa real, nós, imutáveis & estáticos dentro do fluxo do tempo, pararaios das desgraças & filtros dos milagres, aguardando ou expostos, recolhidos ou explícitos, embriagados ou amordaçados, estamos simplesmente aí... & a verdadeira & leal pulsão seria destruir... mesmo que a maioria queira servir, para uma comoção idiota, perto da iluminação, na patética representação de ser bom, legal...
Mas nós, nós, isolados, calados, isolados, refugiados... exilados... simplesmente somos & não somos... nada do que outros poderiam que quisesse que um dia poderíamos... ser! 🖕🏻



23 de fev. de 2024

Pegados

 

A gente desconhece
   a razão da ordem inversa
A complexa simplicidade
   de não se estar só
Uma trégua contra toda saudade ampla
   um refúgio contra a solidão em comum
Se não fossemos tão grandes
   em nossa pequenisse
Acalmariamos a loucura do solipsismo
   & achariamos a contentação na cumplicidade
É preciso o poder da calma
   antes de tudo se dispersar
& medir a inutilidade de cada um
   para com o outro
Através da utilidade de nos amparar
   quando menos pensamos & mais provável
Chuva molhando o asfalto
   lâmpada acesa em quarto vazio
Presença comportando ausência
   ausência em fuga da simples presença
A gente se reconhece enfim
   quando estamos felizes de estar com alguém
& apesar de haver tantos
   & tantos em solidão & outros não
Haverá um certo entre os errados
   haverá um certo acerto pra cada um
Nunca apegados pela graça de estar
   pegados no vazio entre a carne & o amor


 

22 de fev. de 2024

Passantes

 

Cegos para nós mesmos, só sentimo-nos na particularidade das dores... olhar pra dentro, da pele até o átimo de consciência, é quase... imponderável.
   Vemos, escandalizados, ou eufóricos, o mundo mudando em volta... edifícios demolidos, novas construções... o fim da vizinhança... a mudança no tempo... a novidade que vem & vai... mas não percebemos como nós mesmos vamos passando.
   Parece que não estamos onde estamos, que não somos também arrastados pela corrente do tempo, parece que nos recusamos tolamente pertencer à mesma matéria de que tudo é feito... essa coisa moldável, mistura de carne & terra, assim como o mundo é de crime & cimento, vamos recuando no tempo rumo ao desaparecimento.



21 de fev. de 2024

Jazida

 

Deslizando
   por entre as pedras ásperas da vida
A mente & o corpo esfolados
   tendem a procurar a maciez da lida
Minerar, garimpar, lapidar
   o lugar isolado no mundo
      onde podemos prosperar... na sina...

O desejo & a desistência
   regrediram ao mineral
Se instalaram na terra
   como cova de transcendência
& dentro do túmulo do passado
   agitam a alma para um novo modo
      de ser... & de estar...

As saudades agora são pedras imprecisas
   deixadas deitadas pela estrada
Os amores repousam frios
   por entre o pó & o nó espanado na poeira
& os desejos habitam agora
   o jazigo deixado intocado
      para que ainda seja jazida de alegrias...



12 de fev. de 2024

Depois de Domingo

 

Em dias como esse que me pergunto
   se realmente aconteceu um dia lá fora...
Não vi a rua
   não vi o céu
Só impressões dispersas
   de que tudo continuava a existir
      ruim como sempre foi...
Pelas ondas digitais
   vidas falaram comigo
Pela tela da TV
   o mundo colorido bruxuleou
Pelas frestas dos sentido
   o preto & branco continuou...



9 de fev. de 2024

(De)Composição

 

Eu sou o cara que fala de amor
   & ama
Na multidão, na roda de amigos
   nas mesas dos bares, redes sociais
Por entre o barulho da cidade
   & o silêncio das noites
Eu sou o cara que falava de amor
   & amou
Mas como tudo atrai seu acerto de contas
   assim como a luz atrai mariposas
& dos cadáveres brotam vermes
   & o cheiro ruim da morte
Disposto sem máscara
   ao julgamento dos estragados
Eu fui o cara que falava de amor
   & se calou



7 de fev. de 2024

Dias de Chuva

 

Vai
A estrada está molhada
Cai
   nela água do céu
Não são lágrimas
   como as suas
São até doces
   antes dela mesmo beber
      a poluição que sobe
         & o ácido que paira, do mundo...

...chuva de cima, chuva de baixo...

Vai
Toma cautela com as curvas
Sai
   do rumo das trombas de chuva
Está tudo disposto
   liso & sincero
É só chuva no asfalto
   & o cheiro de terra no ar...

...chuva que cai, chuva que repousa...



6 de fev. de 2024

Desadormecer

 

Acorda
& sai pra entrar na tela branca do dia
Na folha branca a ser escrita
À linha, que segue cursiva
   da manhã até à noite
      cair de novo
Acorda
& vai encontrar o que te reserva
Há em potência a probabilidade de tudo acontecer
Desde um beijo quente
   até uma arma fria te encontrar
      & tudo esquentar como o sol
Acorda
Que há promessas de alegria para chegar
& resquícios de infelicidade a se distanciar
& só coisas despertas & prontas à andar
   podem na tela branca do dia criar
      o cenário de cores inclusos o preto & o branco para se formar
Acorda
Que o sol também nasce quadrado para quem é livre
& na liberdade de um dia inteiro
Vamos o lapidando até à tarde
   onde o círculo finalmente se fecha
      & ele desce redondo por entre a linha de um horizonte preenchido de vida



4 de fev. de 2024

Itacolomy

 

Nesses dias, na véspera das vésperas de um grande evento ou um grande nada, catástrofes & metástase do nada cotidiano que se enfileram... eu tenho novamente um sonho recorrente.
   Um velho sonho, encravado em meu subconsciente, sonho cultural, urbano, concreto, reminiscente...
   Sonho que ando pelas ruas da cidade & vou até uma banca de revista comprar um jornal.
   Nesse, eu vou até a banca, posso ver os jornais, em papel claro, novo, bem dobrados & lisos, há revistas dependuradas ao lado, gibis, livros & tudo que há em um lugar desses.
   Em outros sonhos, sempre me vejo comprando jornais ou revistas underground, revista de terror, ficção científica, revistas de ciência, ou livros em outras línguas, principalmente espanhol, coisas de bruxaria, dos Andes, mas sempre com temas ligados à obscuridade, à luz dos sonhos, nosso inconsciente.
   Esses sonhos, com raízes fundas em minha infância, em minha formação cultural, desde o inconsciente legado pela doação cultural familiar, meu pai que adorava gibis, até minhas próprias escolhas conscientes, meus gostos, remetem à uma saudade do que o próprio zeitgeist mudou.
   As bancas de revistas pela cidade estão todas fechadas, não são lucrativas mais, hoje são totens de lata abandonados pelas praças, cubículos vazios encravados em algumas esquinas, como lápides em túmulos de um tempo engolido pelo mundo digital... engolido pelo desinteresse popular pelo papel, pelo seu conteúdo.
   Mas como sonhei, & há muitos dias me coçava a vontade de comprar um jornal, me encaminhei até uma banca de jornal, no caminho, velhas recordações de domingos do passado quando ia semanalmente até à agência distribuidora de publicações da cidade, & dessa vez, ao chegar lá, estava fechada!
   As portas & vitrinas baixadas, os banners da fachada descoloridos & rasgados, a sensação que me veio foi de desolação, imaginando que enfim, a última loja de revista & jornais da cidade enfim havia sido engolida pelo tempo.
   O meu sonho seria então um requiem, uma última lembrança pessoal que um dia havia existido um lugar como uma banca de revista, de jornais, de gibis... cedo ou tarde será!
   Disposta onde era a entrada da loja, um banner indicando que se mudaram para outro lugar, com o endereço, um suave alívio que aquele lugar mágico resistia.



Logo cruzei a cidade, para outro bairro, em busca da loja, & lá, em uma manhã de domingo, encontrei de novo, de portas abertas, a substância real de um sonho, um lugar que vende livros, revistas, gibis, jornais...


    O mundo segue, girando & re-evolucionando, muitas vezes regredindo ou transmutando. Aqui na cidade os cinemas já foram banidos das ruas & avenidas, os teatros muito antes, as garotas de programa também, assim como as bancas menores, as crianças brincando na rua, a segurança & a tranquilidade. As igrejas, as farmácias & os mendigos aumentam exponencialmente nas ruas, nos bairros, sinal que nossa saúde, mental & física, nossa sanidade,  vai sendo sublevada por esses tempos de digitalização.

   Só os sonhos enfim... permanecem, impondo o passado & o que foi bom, para quem teve a sorte de o viver!



3 de fev. de 2024

Desambiguações

 

A vida é um filme sem final feliz
Talvez a gente entenda tudo
   talvez não entenda nada
      só desentendendo o "porque"...

A vida é uma estrada que no fim
   se transforma em ruas ou no retorno
Várias possibilidades afins
   que nunca percorreremos
Não suspensas ou propensas
   mas perdidas no "para sempre"...

Porque a vida, nosso própria vida
   é maior do que a vivemos
O que releva são alguns momentos
O que revela que chegamos
   sem nunca termos chegado
      a não ser no próprio "fim"...

& o que fica, o que vai, perdido
   é saber como estamos presos
      dentro da liberdade
Como estamos condenados
   dentro do próprio paraíso
Ou como somos livres
   dentro dessa opressão toda
Como somos felizes
   cruzando o próprio inferno
Tendo só a dúvida temente da escolha
   entre todas as opções ruins disponíveis
Que no entanto, não trocamos por outra coisa
   a não ser... a vida.



1 de fev. de 2024

Anos Oceanos

 

Oceanos beijam as areias
   com tapas de ondas
      logo nada aprisionadas em ampulhetas
Praias cheias de cadáveres devolvidos
   moídos em alheias resinas
      grânulos de tempo entre os dedos
Multidões de outrora ninguém
   que esperavam o arrebatamento
      até o último momento
Agora descansam
   doando seu sal de lágrimas & ossos
      entre ondas & pedras
Que se batem & arrebentam no trabalho
   de transformar montanhas
      em poeira do fundo do mar



28 de jan. de 2024

Acidentais

 

Estranha sensação de tão comum que é
Estar no meio da vida
Turbilhão de outros, torrentes de alheios...

Deuses & decrépitos no plano da realidade
Muros feitos de nada intransponíveis
Mundos & fundos de tristeza & vilezas
Perdidos & achados da materialidade

Distante proximidade
Do que é sempre a velha novidade
Que só percebemos tarde
Ou cedo demais para mudar isso que nos arde

Entranhas em desespero tão comun, fome...
Ser na periferia da vida, sempre próximo à morte...
Turbilhão de outros, torrentes de fins...



24 de jan. de 2024

Encarne

 

Osso duro se reveste de carne mole
Mas a carne dura do meu coração
   não tem osso que a sustém:
Ela explode de segundo a segundo
   cada vez mais perto do fim!

Eu senti onde os ossos brotam ossos
Revestidos de carne fresca
& tudo isso serve para morder
   & doer:
Dentadas na carne da vida
   & no pão de bolor da morte!



21 de jan. de 2024

Enxame

 

Insetos de asas
   em volta da tua fruta
Insetos peludos
   orbitam a luz da lua
Gravitam em enxame
   na selva do nexo

Insetos que rastejam
   que se arrastam
      beijando o chão
& vem comer tua carne
   no escuro
      com beijos soltos no ar

Insetos de cem patas
Primeiro desejam
   esquentam o lugar
Depois nas trilhas do álcool
   exalado no recinto
Viajam de uma alma à outra
   para se alimentarem

Insetos que digerem prazer
   execrando as dores da fome
Colorem o escuro com sua insatisfação
A loucura no rastro
   em volta das mesas
De bocas caladas
   & bocas que procriam
      que se chupam
Rastejam com a língua
   nos lábios uns dos outros

Insetos oviparos
   procurando orifícios pra chocar
Exalando machismo & feminismo
   anulando a gravidade
No fundo das águas
   no fogo frio
Que purificou o amor, extinguindo-o
   do fundo de qualquer coração


 

19 de jan. de 2024

Magma

 

Rocha líquida
   para remendar a fresta de madeira trincada
      que usamos para estancar
         a ferida aberta na carne do coração
Incandescente & quente
   incendeia a madeira
      & assa bem passado
         todo o peito
Em um banquete de vulcão
   toda carne, toda falha, todo fogo
      vai se solidificar logo
         em pedras para as mãos


 

17 de jan. de 2024

Sinapse/Sinopse

 

Passo pelo corredor escuro
Sinapses desgastadas
Venho à velocidade do espaço
Requerer a dor... ou o prazer...
A desperto com mililitros de veneno
Alquimia dispersada no sangue
& entregue como tempestade no cérebro
Onde água nada & eletricidade
Turbilham...
As paredes das sinapses
Não contatamos em um céu latente
As dimensões da memória & da consciência
Só colapsam em toque atômico
& proporcionam sensação...
A mente percebe cataloga remete
Remente & desmente & calmamente experiencia...
& tudo basta em sua repetição
Rebastando a ocasião
Saber se é bom ou não
Ou além disso, é só programação
Ou um ato de pró-liberdade...
Na sin@pse
Perto ou distante não é critério de tempo ou espaço
Mas somente de simulação...



16 de jan. de 2024

Rastros

 

O ontem
   é um hiato mal resolvido
  entre o hoje
     & o indefinido finito de nossos passos

As portas que não passam nada
   ficaram abertas
      com chaves que se perderam,
Procuramos outras saídas
   por entradas que desapareceram

Levamos sob os pés
   as pegadas que deixamos
& só isso basta
   para saber que tudo passou
      mas, ainda continuamos

Nos caminhos que nos perdemos
   embreamos em pistas do ontem
      que não seguimos mais...



15 de jan. de 2024

Ausências Trocadas

 

Ontem tentei sentir saudade de você
Em casa, na rua, esperei
   a tristeza condensar qualquer motivo
      que secretasse através de referências
         à lembranças
Um veneno pra amortizar
   a falta que você não me faz...

Hoje esqueci mais um pouco
Apenas querendo lembrar
    mas não encontrei motivos
Além da inércia de estar só
   & assim continuar
Vivendo para amontoar
   a falta que eu não faço pra você...



14 de jan. de 2024

Sono Sideral

 

Talvez nossa faculdade de dormir seja um salto na evolução... ou retornação...
   Uma preparação, para a viagem espacial... Isto estaria conosco, com todos animais, a maioria dos seres vivos, desde antes de sermos o que somos... viagem, fuga, exílio, transmigração...
   Dormindo. Preparando para nos lançarmos ao vácuo, para cobrir anos luz, fugindo de fossos gravitacionais, cinturões de detritos planetários, buracos negros... dormir, para cobrir... anos luz... sonos luz... nós não somos luz... somos a penumbra do sono, o vislumbre do sonho, caindo, se derramando, na imensidão intransponível da morte & da vida, no espaço-tempo & além, sem fronteira final.
   O Universo é a grande noite que nos criou, & nos fez para dormir nele se quisermos transpor as grandes extensões noturnas, & passar por dias locais.
   Na escuridão eterna, apegados à luz, despertos, autoconscientes, cruzaremos as distância-noite desfalecidos-sonhando, transpondo nadas carregando tudo que somos.