Experiência da imensidão:
...o grande vazio aberto
deixado por
um amor;
Lesão viva,
terra sepulcral arrasada
pela tempestade da saudade!
(Nós somos um paradoxo
que sofremos pelos outros
as dores que são só nossas)
Se fosse dor haveria compensação,
Mas é contradição...
Me reviro & procuro fuga
Não suporto o silêncio
A verdade dói & revolto-me
Uns tem problemas...
Eu tenho a solidão...
Vagando pelo mundo
a gravidade mantém os pés no chão
mas a liberdade nos faz andar...
Nós somos os olhos que veem
somos a boca que experimenta
a mão que toca, quem respirar o ar
É nossa a mente que justifica a existência
Somos os seres mais amados
entre os mundos conhecidos...
Olhamos longe já
bilhões de estrelas
& distâncias para as quais
nem nomes temos
temos somente silêncio
O qual rompemos com nossos ais...
Aqui, por todo lado
nesse pequeno pedaço de tudo que temos
O Universo converge
& alucina em formas, cores, cheiros, sons
O Universo converge
em forma de abraço & sina...
Sina de viver, de sofrer, de esperar
de seguir, de ter tudo
apesar de pouco satisfazer,
& no entanto, permanecer, apesar...
Somos os seres mais amados
entre os mundos desconhecidos
& os que mais podem amar!
Lá fora...
(🎵Piano tocando caoticamente... melodia de galhar de pássaros... irreconhecível... mas ouvido pela milésima vez...🎶)
O muro de concreto cercou a janela,
tapando o nascer do sol.
Mas a luz acha outros caminhos aos olhos
Nas brechas dos prédios
que não se tocam mas tapam a visão
Pelo alto, no fim, ou começo, tudo é redondo
com o abismo invertido do céu sobre tudo
& ali tudo circula livre...
Luz, lembranças, som, saudade
invariavelmente rompem os muros
& chegam até nós...
É sábado de Carnaval
Isso quer dizer:
-Um dia a mais, um dia a menos!
Quer dizer:
-Longe no tempo, da última vez!
Quer dizer:
-Silêncio entre o ronco dos motores,
ronco no silêncio da alma!
Aqui dentro...
(Teremin dissonante se estende ao infinito... zunido do ruído branco nos ouvidos... melodia inexistente... só o requiem da morte de neurônios que deviam guardar uma lembrança, uma informação, de festas agora afastadas no tempo...)
A tristeza cercou como muro
o que outrora foi sua presença.
Aquela luz cegante
se tornou claridade que sombreia
a periferia da visão...
Por baixo, sob os pés, tudo é plano
& por ali só se propaga ondas sísmicas
que racham o chão para nos engolir...
Nada circula,
a não ser o pensamento desesperado
em encontrar outro porque
para não ser soterrado!
É sábado de Carnaval
& isso não quer dizer nada
sem você...
Minhas fantasias nuas
espalhadas pelas ruas
como papéis picados jogados para cima
& que agora são sujeira no chão.
No retrovisor
só fica a estrada imediata,
Momentos, lugares, pessoas
se leva no coração
na memória,
O resto é passado
& não é para lá
que estou indo...
O que há para se dizer
em um reencontro
...seja desculpas,
seja perdão,
seja um outro olá!...
Já foi dito
na hora da despedida!
& de você
nunca mais soube nada...
Logo se tornou
o reverso de tudo...
& em mim
sempre menos desconheci tudo...
Breve se desfez
o verso de nada...
& agora sobra perdão na dispensa do amor,
& depois faltará na nossa vida
continuará faltando... o que tivemos...
aquele carinho... aquela dor...
aquela paixão... aquela confusão...
aquela primeira última chance...
Eu pelo menos a vivi & morri
tão intensamente & raso
que valeu a pena
todo muito pouco prazer
& pequeno grande tormento
que passamos
que descompassou
& passou...
& nós
Com nossas digitais cravadas uns nos outros
Somos tão analógicos
Nosso sentimentos
Não rodam em nenhuma rede
Nosso furor
Não se deleta
& nossa inconstante visualização da felicidade
Nunca se atualiza
No escuro
Luz de néon nenhuma ilumina
Aqui somos nós mesmos
Somos perda de tempo
Nos relógios eletrônicos
Somos imagem em preto no branco
Em telas de polegadas infinitas
Somos organismos
Em luta com algoritmos da robotização
Enxergando além do olho nu
Nos vestimos para prints alheios
Para evitar o arquivamento
Somos a atualização ultrapassada
Somos o pé atrás da modernidade
Nascidos em outra época
Onde ainda existia contato imediato
Da chuva lá fora
sorvemos o som molhado,
carinhoso,
sonâmbulo...
Os pingos na telha
no chão,
no vidro da janela
na poça...
Os pneus rodando na rua
molhados
levando gente escondida
dentro dos carros...
A chuva segue, leve,
batizando os telhados
as copas das árvores
& a minha vontade de ficar quieto...
o mato se espalhou
o concreto rachou
as folhas caíram
o frio chegou
a barba cresceu
o sorriso amuou
mas as lágrimas secaram
& tudo passou...
Passou montado no tempo lento
Preso na estaca do passado
Andando em círculos
Escalando a montanha do esquecimento
Caindo & levantando sem sacudir a poeira
Porque a poeira assentou na pele
& a pele rachou
as rugas trincaram
o coração doeu
a alma vazou
mas os pés seguiram...
sobre as cinzas do mato que queimou
na areia dos escombros do concreto
no gelo que derreteu
na cama moida das folhas
na cara limpa
Um sorriso renasceu
Até chorar de rir
Da comédia da vida
Que enfim
Tudo apara...
A necessidade de desabar me assola
me convoca, me unge & encaminha
Mas o rochedo não rompe...
A muralha humana de pé
Em cima do terremoto
à beira do abismo
no olho do furacão
aos pés do ídolo
naufragando
& mesmo assim... erguido....
...firme de uma forma informe
que se afirma na fome...
Talvez seja o que mantenha de pé
os caídos
por acasos & pelo caos
em ocasião da queda...
...fometafora da meta fora
de alcance das forças
& da fraqueza que tudo conquista...
A necessidade de desabar não passa,
cansa ter que conquistar pela insistência,
desassossega ser inevitável
ter que desistir
Talvez seja nota de caráter
ou apenas um comedimento
que grite ao mundo
que aqui ainda há
algo humano
esperando ruir!
Ouvindo palavras tolas para mim
aprendi a desejar para os outros
o que eles querem para si
sem peso para carregar
Assim se "deixa..."
mas não "deseja..."
Porque cada um está
no profundo foço
que cavou para si mesmo
Por isso a cada um dói
só os calos & os cortes nas mãos
Mas nunca a dor alheia
intensa no coração
& como poderia doer?
Se somos dois
& não um só
Se rumamos para nosso norte,
mesmo que seja o sul
Se lutamos a nossa vida
& não brincamos a vida do outro
Ouvindo minhas palavras tolas
ensurdeci para tudo...
Falando minhas palavras tolas
emudeci para todos...
Fica muito tempo olhando pra nuvens
& elas se tornam irreais
Elas são feitas quase de seu pensamento
Elas têm formas de quase tudo
Fica muito tempo olhando as árvores
& elas começam a andar
Elas são feitas de sua própria seiva
Elas têm sua forma ao caminhar
Fica muito tempo de olhos fechados
& vê dentro da terra & de ti
Tu és feito do escuro raiz da terra
Tu és feito do claro espaço do céu
Nuvem & árvore
Água, folha, ar, raiz
Pensamento estático recorrente
Pairando no ar caminhando parado
Até a chuva cair de novo
a nova velha chuva transparente
trazendo o beijo quente da estação
Vou esperar os caracóis aparecerem
& lesmugarem lentos
sua pavimentação de gosma
para lugar nenhum
& debaixo da sombra das nuvens
me sombrear
de água & relâmpagos & trovões
Até a chuva cair de novo
cortina transparente úmida
água, sombra & raios
& o ar quente & úmido
como sua boca
beijos na trilha perdida dos caracóis
& tudo mais que se decompõe
sob a chuva, sob o sol, sob o tempo
Debaixo das folhas
que caem sob o peso da água
& se tornam ruínas como o verão
que decompõe todo amor que acabou
