30 de jun. de 2020

Suspensão

Teu beijo mais longe do Sol me diz
que não há calor interno
em nenhuma flor
que se acha no inverno,
...já em queda oca
plenas, soltas,
as folhas...
Manto seco, o chão móvel alado
Boca amarga, língua presa
cortante hálito, afiado...
... & te desejo o tanto certo
de frio que suportar,
o peso que faz as folhas caírem
é leve, deslizar...
Folhas mortas
no caminho
Palavras verdes, vivas
de carinho...
Fogo de gelo
que descolore,
desqueima no chão que encobre,
...há... frio... afia...
um corte, sem faca,
que não corrige o dia...
Da queda ao chão
folha, toque, morte,
frio, suspensão...
Efêmero, como uma & um
sozinhos
O inverno põe seu véu de folhas
em todos os caminhos...



23 de jun. de 2020

Mar És

Mar Mar Mar Mar Mar
   Mar Mar Mar Mar Mar
Vou escrever
Vou repetir, replicar
Oceânicas vezes
Mar
 de amar
  de amargar
   de marés
de calmaria, profundezas & mares
Mar
 esse lado escuro
  da lua
   do luar
    da terra
     do lar
Mar
Inconsciente
Naufrágios
Ilhas
Afundar
Mar
Só nele cabe
 meus desejos, meu desejar
Cardumes
 cama
  acalmar
Mar
Só nele cabe
 meu mergulhar
  & o transbordar
& todas as águas
 das lágrimas
  saliva
   gozar
Mas Mar Mar Mar Mar
Mar Mar Mar Mar Mar
Útero das tempestades
 furacões, fúrias, tufões
Mar
Berço da noite
Esconderijo de Dionísio
 Sereias, Krakens, Terrores
  & correntes doces & salgadas
   praias a se alcançar
& o tubarão do desejo a estraçalhar
Mar
& antes, Mar Mar Mar
Sal, Sol, suor
Velas, valas, vedas,
 fendas, falésias, você
Mar Mar Mar...



20 de jun. de 2020

Diário do (Des)diário


   Alojados na aridez desses tempos, nem achados nem perdidos, somente suspensos, nenhuma ideia permanece o tempo suficiente para ser apreendida em profundidade.
   & ainda somos de mergulhos, de oceanos, buracos negros, somos de profundidades, de nos encontrarmos na substancia colateral das luz, as sombras, escuridão...
   Lá fora, tanta luz ainda, tanto Sol, claridade abundante do dia, mas estamos confinados, estamos (des)guardados do pleno movimento, do sem precauções, do sem medos, do sem temor...
   & então tudo é desânimo, perdemos uma causa que nem sabemos nomeá-la, perdemos um impulso, uma dimensão que nos compunha, tão sútil, fina, que nem percebemos quando nos desnudaram dela.
   Agora, quando a emanação pretende exteriorizar algo, só a intranquilidade da apatia se revela, & desistimos de ir até o fim.
   Pois essa não seria a soma de todos nossos silenciosos fracassos, que agora gritam? Não seria isso a verdadeira dimensão de nossa força fraca, nos estagnando? Se sempre quisemos mais, sempre quisemos ser... outra coisa, outro ser, outra máscara... só restou restos... de algo que nunca poderíamos mesmo ser...
   & se a luz do dia nós era legada, como gratuidade, assim como as profundezas & o escuro também?
   Agora & adiante, se exigirá de nós esforço! Esforço para seguir, esforço para ficar, esforço para emanar, esforço para destruir, esforço para amar, para dizer sim, dizer não, talvez, etc.
   Isso já estava a caminho antes, na cultura que se (de)lapidava, que rapidamente se fixava pelo virtual, e a pandemia só veio coroar. Do coração do ser de cada um, materializou-se essa anti-obra de arte, a egregóra do Banal, & se tornou realidade social, comunal, se tornou modo de vida. O econômico se tornou vital, mais do que a saúde, & são esses os princípios que agora exigem, em conflagração, nossas energias.
   Perdemos a Arte, que já vinha sendo corrompida & alienada, perdemos a Liberdade, perdemos o Belo, perdemos o Bem, perdemos todas as gratuidades do imaterial & do material, praticamente nos cadaverizamos iluminados ao nos criptografar inconscientemente ou demagogicamente cientes dessa estupidez.
   Isso já era previsto, mas não esperava que a dimensão material fosse tão afetada. Mas ora, se a Grande Ignorância que desceu seu véu sobre a alma, teria que atingir também o corpo, pois são interligados...
    Perdemos pois o embate espiritual que era para perdermos no fim da antiga História, no epilogo de uma Era, só que escolhemos divertidamente submergir na dissolução do que era insuportável para nós, a Autenticidade. Por isso o ar-tista deve ser aquele que deve ser chamado com mais severidade nesse momento da nossa História.
    A história desse fim se contará assim:
1º nos interligamos, ganhamos um mundo de conectividade; 2º nós criamos uma personalidade nova para habitar no espaço virtual desse território de comunicação; 3º começamos a simular e a criticar os outros, começamos a policiar, agredir, delatar, odiar os outros; 4º começamos simplesmente a replicar, copiar, mentir, falsificar; 5º fortalecemos o oposto do que queríamos parecer; 6º adoecemos, desaparecemos...
   Atrofiamos a alma, cortamos a ligação com o espírito, corrompemos o corpo com filtros, artificiais & físicos, virados do avesso expomo-nos enfim pelo avesso da coragem, a ousadia acovardada, trocamos a criatividade por isso, & a ousadia só remexe as banalidades, a estupidez, a idiotia, as mesmices...
    Tal ousadia que só se tem coragem de expor graças ao isolamento, à distância, ao véu do virtual, calçada pela impunidade, pela distância das mãos, do crivo dos olhos, agregada à moral do banal, do corriqueiro.
   Dessa forma os dias são agora, tal moral se enrijeceu, se faz cultura, e nós, perdidos, desagregados, submergimos mais...
   Mas ainda... somos de mergulho, de aprofundar, & resistimos. Resistimos? Emanamos, queremos criar... A pandemia passará? A banalidade não! Fixou-se... resta uma transfuga... nos joguemos!



16 de jun. de 2020

O Antes & o Agora


Tempo des-regulado,
todo lugar é um ninho de ferpas,
tudo incomoda.
Não há uma só posição
no rol de um Kama-sutra cotidiano
que faça exalar das feridas
o prazer de estar...

Jaz antes,
no que foi outra vida,
momentos em que eu podia garimpar
pepitas no seu olhar
& beber da mina do seu sorriso
a saliva que me saciava
com a sede mais voraz...

Agora, o veludo da poeira
cobriu as ruas
& há rastros de mortos por toda parte.
Hordas inconscientes
impregnam todos os lugares
com o vexame de suas opiniões...

O resto, se move lento,
sepulturas a céu aberto
comendo flores deixadas para outros,
& a nós só resta lavar as mãos
como quem nunca tocou outra coisa
a não ser com um gesto
de Adeus!


13 de jun. de 2020

Arcano VI

Estranhos aqueles
por quem sentimos tudo:
Amor & ódio, desprezo & indiferença,
por obra do tempo & do espaço,
& o poder de nossos abraços...
Estranhos esses
pelos quais passamos nas mãos
& caímos aos pés
para beijar & sermos pisados,
Neles somos destruídos
& renascemos então
Pelo fogo alquímico
de toda auto-paixão...


11 de jun. de 2020

Lesão Interior


Coisas banais
   tornam-se luxo
Solidão em temor
   é um amplificador
      de nossos defeitos
-Não sei como você está indo
   mas é tudo uma lesão
      em nosso interior...-

O vírus circula
   & sua vibração é insignificante
      piora a qualidade
          do ar, do ser, do amor,
-É isso que acontece
   depois que os portões do Paraíso
      foram fechados...-

& a morte
   sussurra próxima
      com a intimidade insana
          de quem se enganou com tudo.



1 de jun. de 2020

Oniricoral

Os sonhos são corais
encalhados na lamúria dos mares
Seres vivos extáticos coloridos
que respiram submersos
o carinho das marés do tempo
Os sonhos crescem lentos
& só os notamos notáveis
depois de ressonhá-los dezenas de vezes

Uma dança tonta sóbria lembrança
dentro da sombra atol do sono
Luminoso abandono
de alguma significância circular
profundamente abandonada
como a vida animal
que sofre de sonho
& não volta atrás

Saímos assim além do recife arrefecido
do deserto ilhado da realidade
para o grande mar
Barreira de corais
do sonhar nos limites indefiníveis
Entre a vívida prisão
& a dormente libertação