18 de jul. de 2015

Acaso de Luzes & Sombras




Recorrente aurora
Correnteza de cores urdidas ao acaso
Como pode a beleza ser
   tão fundamental & tão banal?

Fazes-me, em paz,
   pensar em música dodecafônica
Mediante sinfonia tal
   de urgência que descansa nesta cromo ação,
      varrendo hiperprismas para acima do chão.

Cantarolo com a gata eriçada
   o coro ronronado grato, roto, salpicado,
      da revoada de tizius
Que partem para o ar fresco das 6 da matina
   depois de pastarem sementes de capim colonial

Os sons mesmos acordam
Dão corda aos ruídos que arruínam nas ruas
   o noturno sigilo que em segredo liberou esta hora
      no afresco onde ela se esparramou.

Ao que penso, ainda pesado pelo incomodo das dores
   de uma noite mal dormida, pensamento tenso:
Que abaixo desta beleza
Também inaudita maldade perpassa
   no surto abrigo da natureza humana...

Mas... se abaixa o ocaso lá do outro lado
Aqui eleva-se a aurora, revelando
    que assim como o bem & o mal
Tudo depende dos olhos que buscam o arrebol.

Não é o sol que nasce
É o horizonte que se move
Apesar das aparências,
Apesar de todas as urgências,
   tudo está mesmo... fora de seu lugar...

É a luz que penetra nas sombras
São as sombras que deixam se efervescer de luz
O ocaso que com descaso se abre em acasos
Melindres de fazer deixar começar a brincadeira...

Sempre é meio-dia no mundo inteiro
Sempre é meia-noite em qualquer lugar,
Cada canto & cada ente tem sua cota
Utopias de auroras minam com o orvalho
Para quem acorda antes do sol raiar.





11 de jul. de 2015

Vesperança

Antes da aurora
   desperto de uma semana de sonhos
No céu, estrelas fora de lugar
   me lembram que o inverno ainda não passou

Eu as espero voltar ao lugar
   e a Estrela da Manhã novamente rebrilhar em seu trono...

Nos sonhos me falavam de perfeição
    com um sorriso meio-higiênico, meio-demente
Agravando as certezas que nos deterioram

No sonho me digo enamorado da imperfeição
   pois se a eternidade imóvel está nos números perfeitos
O infinito transmutante
   se revela nos imperfeitos, como caracóis nas mirações

Espero a sanidade voltar
   e a fiel Sophia novamente reinar nos corações...

Incompreendido fujo dessa prisão para o caráter
   & saio pela boca escancarada de um Xibalba funcional
Expelido como em um parto doloroso
   acordo sob as estrelas desviadas
Como um sinal do poder eterno & restrito dos Arcontes
   que como professores, são presas de seus pupilos

O sereno da hora mais escura no meio do inverno
    fratura o tempo em momentos infinitos... infinitesimais...
Agradeço na oração das manhãs
   a imperfeição que ainda me permite

      vislumbrar esperanças....


7 de jul. de 2015

Educação pela Filosofia na Filosofia da Educação

Ao longo da História humana o pensamento voltado para si construiu aquilo que conhecemos como Filosofia. Assim como asseveraram os antigos pensadores sobre os deuses, que primeiro veio Caos, e só depois Amor, do mesmo modo então, no rol dos saberes humanos, que deviam ser nossos únicos deuses, primeiro veio a Filosofia, e logo depois, a Educação.

   Assim, depois de engendrada e posta para funcionar, a máquina filosófica lançou-se destemidamente a usar da interdisciplinaridade para alcanças seus objetivos educacionais dentro da sociedade, o deus louco do caos se metamorfoseou para se tornar o deus louco do amor, de tal forma que em uma síntese sedutora, caos e amor deram a luz à Sophia, a deusa da Sabedoria, nem tão louca, nem tão racional, como a quer os mais cautelosos.

   Em sua gênese ponderada, a educação tem o sentido de “por para fora”, seja um parto, uma fuga da caverna ou um expurgo catártico. Educação sempre foi um processo traumático em sua essência, isso porque, desde cedo também foi percebido, que no mundo, circulava uma nota desarmônica, de irracionalidade, possuindo todas as coisas em seu estado natural, inclusive o ser humano e suas potências mentais.

   Da relação próxima entre Filosofia e Educação, a primeira, não como mãe, mas como madrasta, não permite que a segunda, sua pupila, se torne dogmática, ou muito menos, se cubra da função de adestradora dos seres humanos, afinal, mesmo esse sendo um animal, ele é racional.

   Nos dias de hoje então, depois da longa história do desenvolvimento das filosofias, e se pretendendo lançar um olhar de reflexão sobre a própria educação humana e social com bases no que mais de sublime o pensamento pode pensar e a educação pode educar, sob o professor, o mestre, o pedagogo, a Filosofia vem então qualificar esse que é o supra-sumo de todo e qualquer sistema educacional, para que ele não se estagne dedicando-se apenas à transmissão técnico-científica para qual se preparou.

   Viu-se, dentro de uma sociedade que seja ainda que só um pouco consciente de seus perigos, a necessidade de se formar mais do que técnicos em educação, especialistas em disciplinas isoladas, mas que esse indivíduo tenha ao menos uma chance de ser original, na medida de sua potencialidade, até genial. Isto é reconhecer, mesmo que talvez inconscientemente, a grande potência que é o ser humano.

   Com a Filosofia da Educação se abre espaço então para que um professor de química, de física, de gramática, etc., tenha também respaldo para influenciar o aluno em política e na reflexão sobre o que seja a existência.

   Agregando a Filosofia ao currículo do pedagogo (que é um termo filosófico para professor), convida-se esse à uma purificação, não, antes, à uma iniciação para a autoreflexão, o que lhe permitirá então estar livre para conduzir também o aluno à esse nível de existência mental.

   Se exige para isso, não a Filosofia, mas a Filosofia da Educação, tirando da própria Filosofia, mais um dos tantos pesos que ela carrega, desde que assumiu naturalmente a responsabilidade de esclarecer o ser humano sobre sua condição no mundo.

   Tal gabarito educacional possibilita então uma relação humana possível entre aquele que está aberto a ensinar com aquele que está aberto, ou deve ser aberto, à aprender. Desta forma se introduz na educação um jogo superior, um jogo satisfatório tanto para o professor quanto para o aluno, denota um respeito para com o processo de ensino.

  
   Esse jogo está presente desde o surgimento da Filosofia como método de ensino, com Sócrates e latão, onde a finalidade do filosofar era a condução, via Maiêutica, de o “professor” fazer com que o “aluno” fizesse vir à luz aquilo que ele já sabia.

   É claro que há nesse processo um pouco de cinismo do que vem a ser o “ensinar” de Sócrates, a saber, que o professor já sabe o que é a verdade, o conhecimento correto das coisas, e que astutamente conduz todo o processo maiêutico para um fim premeditado. Munido somente de ignorância, Sócrates desmantelava ironicamente seu “aluno”, assim como uma parteira sabe exatamente o que retirará do útero no final de sua atuação, não sem dor, sangue e emoções contraditórias...

   Assim, a Filosofia da Educação ratifica essa visão de ensino. Para isso é preciso então que o professor seja instruído na “arte subversiva” de conduzir, ele deve se munir conscientemente de todo o estofo produzido pelo pensamento humano até os dias de hoje, pelo menos de seus pontos chaves, seus gatilhos. Bebendo na própria fonte, essa água saciará não só sua sede de saber mais original, mas também o respaldará quando diante da classe de aula, possa, não afogar os alunos, mas ensinar o caminho dessa fonte.

   Seria assim interessante o candidato à pedagogo despir-se de todo idealismo banal, resguardar para si a realidade sagaz sobre a Filosofia (que ele, o professor, já sabe das coisas, mas... será que sabe mesmo? Aqui se revela a condição de ignorante emanada por Sócrates!), para assim poder sinceramente propor ao aluno adentrar no Jogo de Aprendizagem, abrindo assim a passagem que possibilita retirar do aluno aquilo o que realmente quer ensinar para sua vida, que vai valer a pena aprender: viver autenticamente! (Relembro nesse momento a anedota do barqueiro e do sábio, o qual achando saber sobre tudo que se podia saber morreria afogado então por não ter saber nadar).

   Esse jogo só, por si, garantirá que o aluno se interesse pelos estudos, pois que ali não tenha nada de interessante naquele momento diante as perspectivas de vida do aluno, terá pelo menos sinceridade, paixão, leveza... notas, nuanças de coisas apaixonantes.

  

   Assim como a Filosofia, também a Filosofia da Educação tem interesse primordial no ser humano, mais precisamente, deve conceituar o que é “ser” humano, para assim poder se aproximar disto que tem noção saber o que é e poder enfim exercer sua finalidade, que é educá-lo. O pedagogo, como o filósofo, deve-se tornar amigo do ensino, mas nesse caso, essa amizade deve ser guiada ao objeto de ensino, não a disciplina, mas o estudante, o aluno, distinguindo-se assim o pedagogo do filósofo, impetrando-o da marca sublime de enfim esse ser um filósofo prático.

   Voltado para a prática do ensino dos conhecimentos, ele se pergunta, ou perguntaram por ele e até para ele, para fim de conscientização: O que é o ser humano?

   E muitas respostas surgiram. Muitos conceitos, dependendo de cada “via de abordagem” ao fenômeno humano: as filosóficas disseram coisas como é “um animal racional”, “ um animal político”, um “agente da história”, um “ser para a morte”, etc.; a religiosa definiu que é “uma criatura feita pelos deuses”, um ser para “servir a Deus”, etc.; e antropólogos o caracterizaram como “homo-sapiens”, etc.

   Mas a Filosofia impõe a premissa de dizer o que são as coisas, pois ela pensa sobre o pensamento. Assim, já em sua fundação ela debate duas visões a respeito do que é o homem.

   Platão define o homem mediante sua alma imortal, portadora das lembranças da verdade das Ideias, sua natureza ou finalidade é ser feliz ao recordar sobre a verdade da realidade em que vive, e assim, munido de amor à sabedoria, poder se livrar de destinos infelizes a partir de escolhas no outro mundo.

   Aristóteles por sua vez não define o homem, pois o homem é como todas as coisas da natureza, um eterno devir, só podendo ser definido finitamente pela sociedade, sua finalidade de vida também é ser feliz, mas agindo eticamente, livre para tomar suas escolhas na vida, dentro das limitações do mundo material.

   E destas duas visões se desenrolou mais de 2.600 anos de definições do que é o ser humano. Em ambos os casos, porém, se precisou a finalidade da vida humana aqui como a busca pela felicidade. Ser humano é ser livre para ser feliz!

  
   A Educação, e a Filosofia da Educação, parecem ser um esforço para por fim à esse falatório, e rumar para uma definição útil que possa principalmente ajudar na finalidade que a educação tem para a vida, justamente observando aquele princípio prático e recorrente na definição de homem, que é fazê-lo saber-se livre e propenso à felicidade.

   Por isso o pedagogo não pode querer que o aluno seja objeto, mas sim sujeito da ação. Sua posição diante o aluno deve fazer reverberar o sentido do próprio verbo Ensinar, que mesmo antes de significar “transmitir conhecimento, no latim revela sua essência fundante, que é insignare, algo como “deixar sua marca”, conceito tal que transmite a noção de um espaço de complementaridade, na mais profunda acepção jungiana de totalização, ou seja, ensinar está no âmbito do possibilitar que o ensinando seja tudo que ele é. Cabe ao professor o seduzir para que ele venha a ser, é preciso por pra fora, pois naturalmente, tudo tende à inércia ou à entropia.

   Platão reconhecia a existência de uma marca de irracionalidade na alma do mundo, e Aristóteles parecia propor que tal irracionalidade podia ser sanada através da educação, levando o ser humano a entender, se conscientizar que é livre e responsável por suas ações e suas escolhas éticas.

   É nesse jogo principalmente que a Filosofia da Educação introduz primeiro o educador, para depois esse introduzir o educando, e com isso evitar paralelamente a estagnação e a desordem de ambos e da sociedade.

   Assim, como sugestão e guia entre todos os pensamentos sistemáticos humanos, proponho o uso da Ética como lume da própria Filosofia da Educação, em um primeiro momento introdutório. Nada marca mais apaixonadamente a alma humana, principalmente nas idades mais tenras, do que as noções propostas pelas Virtudes. O pensar sobre a ética seria a iniciação e o cume de qualquer educação, pois é a partir das virtudes que se pode finalmente propor e fazer uma crítica sobre nossa realidade.

   Nas virtudes giram ideias e ideais arquetípicas da alma humana, como o heroísmo, a coragem, o sacrifício consciente, o amor ao belo, a justiça natural da alma, etc. A Ética nos aproxima assim de uma pulsão pragmática qualificada para a Educação, nesse ponto já encontramos o retorno meditado do que é se saber humano, homem e mulher.

   Cabe então ao pedagogo, munido de profunda ética, não só apresentar aos alunos as ciências práticas, mas também se exige que ele conduza o aluno a uma reflexão transcendente dessas disciplinas, e mais, o posicionamento deste “ser humano aluno” diante da vida cotidiana, social, ou seja, não formar um aluno, mas formar um ser humano, como o professor é, em sua mais profunda essência liberta.

   O fato de se requerer uma disciplina como a Filosofia da Educação parece apontar para o fato de quem em algum momento o sistema educacional se viu perdendo a luta contra a irracionalidade natural do ser humano. Será?

   Ou será que em um excesso de zelo, ou vontade de dormir, não definimos demais as coisas, será que não definimos demais o ser humano, e assim, psicologicamente, fizemos o trabalho de tirar do ser humano sua principal característica inata, a liberdade de escolha, a liberdade para agir eticamente. Ora, muitas das vezes definir o ser humano remetendo-o somente ao seu ambiente de trabalho, à fábrica, ou à sua ideologia não faria trabalho mais informativo ou libertador do que lhe mostrar as correntes com a qual ele mesmo deveria se aprisionar no fundo da caverna. Isso vale tanto para o aluno como para o próprio professor!

   A Filosofia da Educação nos leva a refletir então dentro de nosso próprio tempo, infiltra-se subversivamente com o nome de filosofia para nos contaminar com o que de mais perigoso tem o próprio pensar, que é estar sempre em movimento.

   Adentramos em nossos tempos, olhamos em volta, gira em torno termos e conceitos caros a todos nós, mas que talvez estejam ainda impensados corajosamente, conceitos tais como Democracia, Justiça, Civilização, Cultura, Ensino, Arte, Sabedoria, etc.

   Pensamos aqui talvez como gregos, talvez como cristãos, mas o próprio tempo já exige que pensemos mais amplamente, interdisciplinarmente, complexamente, como o mundo agora possibilita que pensemos em tudo, em rede.

   Eis a grande fronteira paradigmática apresentada ao pedagogo, ao filósofo da educação, o qual talvez só queira garantir o pão de cada dia, ou mesmo que tenha o dom de ensinar... Essa pessoa terá que inevitavelmente operar dentro de um sentido de restauração da instituição de ensinar. (Quem já esteve dentro de uma sala de aulas do ensino público vai entender ao que estou me referindo!).

    O grande primeiro e sempre presente trabalho atual, pessoal e interior, do pedagogo é meditar sobre a ética e a moral, para, livre dessa armadilha cultural, poder levar sua presença à sala de aula. Só depois de se “purificar” (termo tão caro a Platão e Aristóteles), poderá enfim indicar o caminho de purificação ao aluno, marcando-o assim com seu signo pessoal de professor, pois professar é reconhecer-se publicamente.

   Tal Gigantomakia, outro termo que os filósofos estão acostumados a terem em mente quando pensam, essa “luta de gigantes” que é a do ser humano disciplinador diante uma sociedade falida em princípios éticos, cheia de moralismo, com a visão voltada ao material, e pior, para o lado mais miserável do materialismo, o consumismo, com a ditadura da aparência, se põem em público o pedagogo, munido só com saber, só com Filosofia, amor ao saber.

   Com o apoio da Filosofia da Educação o pedagogo vai pisando em ovos – política, economia, religião, apatia juvenil, propagandas enganosas, indústria da diversão – (ovos bem indigestos e espinhosos, diga-se de passagem!), o professor se apresenta diante a sala de aula, e do grande palco da vida, que é a sociedade.

   Ele terá de dar mais do que foi exigido “oficialmente” dele, pois ele também veio desse sistema de ensino, a qualquer momento terá o conforto de poder ouvir dizer dele que “veja só, não consegue ensinar nada, mas também pudera... é só um fruto dessa árvore...”, mas pode se negar a repousar na comodidade, e abraçar a Filosofia como parâmetro de ensino.

   Ao abraçar a “causa da educação” ele terá que, por vontade própria, eticamente, buscar se munir com algo mais, uma coisa que é um grande vazio, que é justamente a própria Filosofia, e só ela tem a capacidade, a substância, para ajudá-lo a transcender as muitas pedras no caminho, (e como há pedras hoje em dia!), e não ser ele mesmo mais uma pedra dentro da caverna, ou mais um tijolo no muro...

   Isso remete finalmente à essência da própria transcendência espiritual séria, onde se exige que cada um salve a si mesmo, o professor tem que ser o “salvador salvo”, nada mais poderá o ajudar dentro da sala de aula, a não ser sua formação a mais perfeita possível, como admitia Aristóteles, “querer sempre o melhor para si, e fazer o máximo possível e impossível para merecer o melhor para si”.

   Sócrates, ensinando a Platão, que depois ensinou Aristóteles, sabiam que o ser humano devia desejar ir o mais alto lugar no céu, mas que devia se fazer merecedor disso aqui, no mundo.

   É nesse sentido que já dizia Sócrates à Platão: “aquele a quem a palavra não educar, o porrete, a violência, também não educará!”. E Aristóteles, educado na palavra, como que complementou: “o aluno que não supera o mestre, demonstra a falha do próprio mestre em ensiná-lo”.

   Nessa exposição de mestre e aluno, não podemos deixar de falar então do aluno mais famosos de Aristóteles: Alexandre.
   É que o aluno de Aristóteles veio como se para fazê-lo pagar pelo que disse, e se mostrou o contrário de tudo que o seu professor o ensinou.

   Por tudo que fez Alexandre foi nomeado “O Grande”, mesmo depois de todas as insanidades que cometeu, talvez seu grande professor tivesse sido realmente o pai, Felipe, a quem com certeza superou em irracionalidade, mas a História foi justa, a seu modo, se não olharmos os homens como as aparências exigem, mas como a luz da verdade os ilumina.

   Aristóteles, com a palavra, com o pensamento, ganhou mais mentes em muito mais reinos que Alexandre poderia imaginar ou saber que existissem, conquistou como professor e não como o deslumbrado inconsciente aprendiz. Que isso fique como exemplo e parâmetro a todos os professores, quando na lida diária, se verem diante de um mundo de sombras que já possuiu parte da alma e da atenção de seus alunos, mas sabendo que ainda ele tem a chance e o poder de os seduzir com o uso da Filosofia.

   Assim, astutamente, desbanalizamos o banal!


1 de jul. de 2015

Racismo no Futebol

- Esporte e Política
     Ao longo do tempo, no desenvolvimento da civilização humana, desde a Grécia antiga, o esporte sempre foi usado como um modo de se provar a superioridade de um povo sobre o outro. Mais do que uma atividade recreativa, em homenagem aos deuses ou em beneficio à saúde, no ideal esportivo se cultivou paralelamente a noção de perfeição, o que o carregou do sentido ideológico de nação ou raça que trouxe sempre quando disposto como competição entre povos.

     Em nossos tempos, na Idade Contemporânea, podemos apreciar para o desgosto da alma humana, como o esporte foi usado politicamente, por exemplo, nas Olimpíadas. É notória para todo o sempre as imagens da Olimpíada de Berlin em 1936 quando o Estado Nacional-Socialista de Adolf Hitler buscou alcançar a hegemonia no quadro de medalhas para provar ao mundo a superioridade da “raça alemã”. Não obstante o uso político do esporte por esse regime ditatorial, ao longo do Séc. XX, depois da 2ª Grande Guerra Mundial, o embate esportivo de cunho ideológico nos campos e estádios do mundo representado pelos Estados Unidos contra a agora extinta União Soviética, travando uma guerra, talvez não tão perniciosa como a do racismo nazista, mas tão destrutiva psicologicamente como a divisão do mundo em capitalismo e comunismo.

     Assim, nos dias de hoje, em tempos de relativa paz no Ocidente, não é de se estranhar que no esporte mais popular do mundo, o futebol, fizesse se notar as velhas pulsões irracionais humanas que sempre houve dentro dos esportes. Se outrora pelo esporte na Grécia se tentava demonstrar a perfeição de cada Pólis e o estilo de vida que defendiam; e que na Alemanha Nazista houvesse uma dita possessão pelo arquétipo de Wotan, como defendeu Carl Jung; e na Guerra Fria se buscasse até com o esporte fazer propaganda das bases ideológicas de potências militares mundiais; hoje o futebol das massas não traz mais em si do que a expressão da psique humana mergulhada na fragmentação ideológica que abrange nosso mundo e requer mais uma vez do esporte uma forma de extravasar aquela mesma irracionalidade que outrora Platão viu na alma do mundo, e ela surge então na mácula social do Racismo, onde o futebol, como catarse popular, enfim pode congregar de forma funesta, para a direção de novos caminhos de discursos políticos, dando energia não às potências educativas do esporte, mas justamente ao seu inverso, possibilitando mais uma vez o conflito social.


- A Questão do Racismo no Futebol Brasileiro
     O futebol está inserido na cultura brasileira no mesmo patamar que o carnaval e a imagem de um país tropical, de florestas, praias e mulheres exuberantes que vendemos ao mundo como a representação do Brasil. Outra característica nacional que o brasileiro costuma propagar é que aqui não existe preconceito racial, ideia desenvolvida desde o fim da 2ª Guerra Mundial, como uma afirmação nacional de um Estado harmonioso e democrático, esteio do mesmo pensamento Positivista que fez escrever em nossa Bandeira o adágio “Ordem e Progresso”.

     Ao lado de tal visão, porém, internamente, qualquer pessoa consciente da realidade sócio-cultural brasileira sabe que há também circulando entre nós, um povo formado a partir da mistura de diversos povos, uma gama de preconceitos raciais, culturais e homofóbicos que cada vez mais são relatados nos noticiários, para nossa vergonha como um povo que se acha liberal nessas questões, que se orgulha de ser democrático, e que um dia até foi denotado como portador de uma cultura de “democracia racial”, ideia creditada erroneamente à Gilberto Freyre, mas que é uma contradição em si, pois o próprio conceito de raça denota a ideia de um grupo fechado 1.

     Sendo, pois, o futebol uma “paixão nacional”, é normal ele então comportar manifestações que, por ser um meio de competição e paixão, finalmente se revela o profundo preconceito racial que há em nossa sociedade 2, e o preconceito vem sempre dos dominadores e não dos dominados, escancarando assim a visão dos brancos de nossa sociedade, algo que desde sempre foi passado à frente, nas famílias, nos grupos de amigos e em situações sociais cotidianas através de piadas ou explicitamente em opiniões “inocentes” sobre miscigenação.

     Todos esses fatos de racismo na sociedade, que agora afloram violentamente nos campos de futebol contra os atletas negros são somente uma subida de patamar do racismo que sempre existiu em nossa sociedade e que sempre esteve presente e denunciado colateralmente nos noticiários onde a violência urbana se reverte para a figura do negro e pobre como causa desta mesma violência, mas ela é tão só a expressão histórica de nosso fracasso enquanto sociedade de produzir uma verdadeira democracia racial e um Estado que realmente enfrentasse o problema da pobreza, tanto material quanto intelectual, pois o racismo é uma conduta social violenta, tanto fisicamente quanto psicologicamente e é constante o Estado se abster de coagir tais desvios.

     Assim chama a atenção de que quando ocorre um ato de racismo nos campos de futebol, além de negar empiricamente a tal democracia racial, mas a mídia sempre liga o ato da ofensa a um “ignorante qualquer”. Nos jornais nacionais, vez ou outra se expõe publicamente o ofensor, fato exemplar o da notória moça gaucha que ofendeu o goleiro do time dos Santos, Aranha. Ela era uma entre dezenas de pessoas. Revirando sua vida pessoal foi descoberta a vida comum que levava, até ajudando as pessoas em eventos de assistência social, etc.


   No texto Racismo no Futebol brasileiro lemos: “A impressão é que não há interesse em identificar e conhecer melhor o(s) racista(s). Como se a origem ou causa do sofrimento estivesse no racismo e não no racista. A imprensa descreve detalhadamente características do discriminado. Como ele é antes do ataque e como é o seu sofrimento emocional depois. Em matéria de Saúde conhecer o causador do sofrimento humano ajuda a inibi-lo/combatê-lo. Quanto mais se conhecer/identificar o agente patológico mais fácil a prevenção. E isto vale para um vírus ou para uma pessoa que cause sofrimento humano em outra. A sociedade precisa (re)conhecer o racista para ajudar a inibir sua ação”.

     Tal violência racista não se delimita apenas ao futebol em nosso país, ele se espalha por âmbitos diversos como o religioso, é praticado também contra imigrantes de outros países da America Latina, assim como contra pessoas oriundas do norte e nordeste do próprio Brasil. E no caso de perseguições de cunho religioso nosso país ainda enfrenta a questão do poder econômico-político por detrás dos financiadores do Poder Legislativo, para manter o debate sobre preconceito religioso longe da pauta de discussão das Assembleias Legislativas, este é só um exemplo como a questão do preconceito é conduzida pelos governantes brasileiros.

     Então o que vemos no futebol é uma expressão localizada de um corpo maior de preconceito de seres humanos contra seres humanos, onde a questão da cor surge como um direcionamento a um foco fácil de encontrar e canalizar, o que mais uma vez prova a falta de informação de uma pessoa que se dá ao caso de tentar ou ofender outra pessoa por causa de sua cor. A própria conformação das funções dentro do futebol já denota o preconceito que o brasileiro carrega desde sempre 4.
     Pode-se começar a explicar o racismo no futebol como finalmente a eclosão de pulsões atávicas que sempre surgem em momentos de grandes crises sociais, mas só essa explicação não dá conta do racismo promovido pelas galeras nas arquibancadas, principalmente em nosso caso no Brasil. Vê-se também uma manifestação dos comportamentos tribais, de companheiros de farda (ou uniformes) e tanto mais se faz notar quando se observa uma forte influência mimética que parece ser fácil ao brasileiro assumir.

     Nada disso elucida a fundo a questão e tão menos apresenta caminhos para uma solução do problema, se é que há solução, pois a evidenciação de atos de racismo segue outro raciocínio, mais pernicioso, pseudo-científico, que é a intenção existente não de longa data, mas até recente, de se provar que há mesmo Raças Superiores à outras.

     A questão mesma do racismo ligado ao espolio histórico da Escravidão é falaciosa, pois quem tem ao menos um pouco de noção do que foi a escravidão no Brasil há de concordar que ela foi impetrada aos povos negros por detalhe, não por serem eles negros, tanto que depois da abolição da escravatura, europeus brancos foram trazidos da Europa para substituir a mão de obra negra nas frentes agrícolas, recebendo tratamento escravo nas fazendas brasileiras. Mesmos os negros trazidos para cá eram frutos de uma conjunção não racial na África, eram em sua maioria pessoas pertencentes às tribos vencidas por outras tribos, que os vendiam, pois eles eram aqueles “outros”, os derrotados, como também houve casos entre os povos da própria Europa, onde escravos brancos eram negociados no continente, existindo até pessoas negras proprietárias de escravos brancos.

     O que demonstra que o preconceito racial contra negros nos estádios tem um causa mais cruel e perniciosa, o fato da pura e gratuita agressão irracional contra outro ser humano, seja apenas com o intuito de desconcentrar um atleta de sua função profissional, seja pelo prazer de ofender e machucar outro ser humano, seja para demonstrar qualquer tola superioridade racial que idealmente um indivíduo ou grupo possam ter.

     O racismo é e sempre foi, acima de tudo, uma fantasia de intelectuais, erguida sobre frustrações e recalques, e amparada pela ignorância da História e pelo sentimento de coragem dúbia que surge no individuo enquanto em grupo. Cogita-se até que a grande atenção dada aos casos de racismo nos campos de futebol seja mais um uso político do futebol, como há muitas décadas vem sendo usado, e seria justamente, com todos esses holofotes, finalmente declarado nacionalmente o Racismo, fazendo-o adentrar de vez na alma brasileira como um confronto de raças que serviria de substância para novos discursos políticos que os frutos não serviriam em nada para a sociedade, mas apenas para mais uma elite, esquecendo que o maior pré-conceito que atinge a maioria do povo negro é pobreza hereditária, e não seus determinantes genéticos, o que implicaria um esforço governamental para reverter a situação.

      Não que não haja preconceitos, ofensas e violências, elas existem sim. Porém a ideia do próprio conceito de Racismo seria em si a grande falácia a se finalmente provar em nossos tempos de crise social e financeira, pois no mais, o certo é que existe apenas uma raça, a Humana. E assim como Florestan Fernandes pensava a respeito da democracia racial, que ela não existe, mas que é possível construí-la, sendo esse o grande projeto do Brasil como civilização.


-O Futebol no Racismo
     Reconhecendo que desde os tempos antigos o esporte foi usado como instrumento de dominação entre diferentes povos, para se provar a superioridade física, social e ideológica de determinada nação, em nossa época com a ascensão do futebol como esporte mais popular, ele não pode deixar de conter em si toda uma gama de expressões sociais profundas, muitas vezes subliminares, do pensamento de um povo.

     Inserido no contexto de racismo, as manifestações violentas de ofensas contra atletas negros ou provenientes de nações estrangeiras em times em volta de todo o mundo, e no Brasil principalmente contra atletas negros, mas tendo também discriminação contra homossexuais em campo e nas arquibancadas, revela o cunho profundamente machista e irracional que o esporte comporta. Naturalmente o ser humano não tem preconceitos de raça, mas sim preconceitos estéticos, do belo e do feio, do diferente ou estranho a si.

     O que se nota então, a guisa de conclusão, é que psicologicamente talvez estejamos diante de um mal incurável, pois mesmo as vias de acesso a questão que está se desenrolando em si no caso do racismo no futebol já foi obscurecido pelo verdadeiro fator por detrás dessa questão histórica, o fato de se incutir psicologicamente nas pessoas que existem raças diferentes, e o uso disso como subterfúgio político a quem convier. Cabe apenas aos nossos educadores e formadores de opinião insistir no ideal da Tolerância e da Cultura de Paz, e deixar que as gerações enterrem paulatinamente as ideias de raças no mesmo foco que reconhecerá um dia que o futebol também não é importante para nosso futuro.


O vale-tudo do futebol retratado antes dele se tornar uma
fabulosa mina de ouro para a mídia e os políticos

-Referências e notas:
1 - Conforme diz Antonio Sérgio Guimarães, um dos comentadores que pondera sobre a utilização da metáfora da democracia racial por Freyre: “Sem ter cunhado a expressão, e mesmo avesso a ela, já que evocava uma contradição em seus termos (as raças são grupos de descendência e, portanto fechados, ao contrário da democracia que ele pregava), mas grandemente responsável pela legitimação científica da afirmação da inexistência de preconceitos e discriminações raciais no Brasil, Freyre mantém-se relativamente longe da discussão enquanto a ideia de uma democracia racial permanece relativamente consensual, seja como tendência, seja como padrão ideal de relação entre as raças no Brasil”. (In GILBERTO FREYRE E FLORESTAN FERNANDES: O DEBATE EM TORNO DA DEMOCRACIA RACIAL NO BRASIL de Gustavo da Silva Kern na Revista Historiador Número 06. Ano 06. Janeiro de 2014. Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador).
2 - A expressão “racismo no futebol” é empregada de forma tecnicamente equivocada, porque o que é assim classificado pela mídia se trata, na verdade, do crime de Injúria Qualificada, definido no artigo 140, § 3º, do Código Penal Brasileiro, e não do crime de racismo, prescrito na lei 7.716 de 1989.
3 – In http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/03/13/violencia-e-racismo-no-futebol/
4 – “O futebol não é, como alguns acreditam, um domínio no qual exista democracia racial. Isso é um mito. Prova disso é que os negros estão sub-representados nas esferas de poder do esporte. São pouquíssimos os afrodescendentes que ocupam funções de dirigentes ou técnicos. Aos negros estão reservadas funções dentro de campo, onde as suas alegadas habilidades físicas são aceitas e até elogiadas, mas com uma carga ideológica clara. Ou seja, a mensagem subliminar é a seguinte: lugar de negro é no campo de jogo e somente nele”.  (Manuel Alves Filho, do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol da Unicamp in http://globoesporte.globo.com/futebol/times/santos/noticia/2014

/09/racismo-em-estadios-do-pais-e-reflexo-da-sociedade-dizem-estudiosos.html.