6 de fev. de 2017

[hierosconto] Transparência

   Ela o acordou antes do sol raiar.
   Na penumbra do quarto tocou o corpo dele com uma força carinhosa.
   Se debruçando sobre o corpo quente do marido, ela sussurrou perto do ouvido, perguntando se já havia despertado:
   - Tá acordado? Abre os olhos... quero te falar uma coisa...
   Ele espreguiçou, cedendo, espantando o resto de sono que ainda possuía, & se virou totalmente para ela, acariciando sua nuca por entre as mechas cor de canela.
    Olhando-o nos olhos, o azul no castanho, ela disse:
    - Ontem... quando fizemos amor... foi a melhor vez da minha vida. Nunca vou esquecer, obrigada!
    & libertou um sorriso singelo, enquanto os olhos dos dois se enchiam de lágrimas que eram reivindicadas pelo nó em suas gargantas & a explosão suave em seus corações, que expandiam além do bater, espremendo algo na alma para que aquele pranto de felicidade se materializasse.
   Ele a puxou mais para si, abraçando-a como se abraçam os que estão deitados, dizendo entrecortado pelo nó que apertava & o laço que expandia:
   - Oooo... branca! Eu que não tenho palavras para agradecer tudo que você me dá!
   & as lágrimas, gotas do humor erótico que permanecia desde as altas horas daquela madrugada escorreram ainda mais. Eles as haviam chorado depois daquele citado amor, & foram dormir logo, sem dizer nada, para acertarem essa conta pela manhã, na qual ela não esqueceu & não deixou vencer ou passar.
    Pensando sobre seu prazer daquela vez, & sobre o prazer dela, ele disse:
   - Eu só imagino, não alcanço, o que para você, é sentir prazer. Você me abraça com carne & calor, abraça esse mínimo segredo do sexo, deixa-se ser penetrada, & dessa invasão colhe o gozo. Isso, assim, para um homem não é lá muito agradável! – disse, & riram juntos, baixinho, pensando sobre a condição de um homem ser penetrado, esquecendo das implicações & dos detalhes que outros poderiam discordar... Ele continuou:
   - Nós, homens, eu, tiramos nosso prazer do violar, mas isso para mim, quando te amo, já não basta. Eu quero te penetrar não como quem invade, viola, fere... Eu busco desesperadamente entrar em você como se sobrepõem duas transparências, ou como uma tinta que tinge a água limpa...
   Ele falava dos carinhos dispensados a ela, sementes de todo aquele prazer que ela agradecia. Quando a amava, invariavelmente ele sempre chegava a uma barreira intransponível, aquela que separa os corpos, a lei física que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço & no tempo. Ele também sentia isso certas vezes, & se assombrou certa feita quando alcançaram um nada aberto no fim do prazer.
    Naquela noite... daquela vez... ele partiu para o amor já com essa angustia no espírito, & procurou entrar nela não como matéria, mas como energia, entrou não somente pela porta que diferencia macho de fêmea, tentou desesperadamente penetrar nela pelos olhos, pelos poros, pelos cabelos, pela pele, pelos ouvidos, por cada dobra do corpo dela, com beijos, inspirações, mordidas, apertos tenros, & enfim, quando ela implorou, com beijos na boca.
    & ela, passivo alvo da devoção de seu carinho, entendera, & se abriu, o recebeu, sorveu seus toques, cantava a cantiga do gemido para guiá-lo & tranquiliza-lo em sua desesperada busca, acolhendo-o, absorvendo a tensão de ambos na busca do repouso.
   Quando chegaram ao êxtase, finalmente saborearam um sentido, não o do nada amplo, mas do restrito tudo, que se pode obter pelo impacto da carne sobre a carne & da comunhão transcendente dos espíritos: transpirar, transpor, trançar, transar, transir, transer, torpor, transe, transparecer...
    & fora por tudo isso, por saberem se amar, por saber dar & receber & ir além, que aquela tinha sido “a melhor vez” de ambos; eles copularam, se amaram, gozaram, não como se fossem dois corpos, cada um com seu prazer, mas como se fossem um.

   Um só... êxtase! & o êxtase, é o único infinito que um homem e uma mulher podem conhecer...


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