20 de jun. de 2020

Diário do (Des)diário


   Alojados na aridez desses tempos, nem achados nem perdidos, somente suspensos, nenhuma ideia permanece o tempo suficiente para ser apreendida em profundidade.
   & ainda somos de mergulhos, de oceanos, buracos negros, somos de profundidades, de nos encontrarmos na substancia colateral das luz, as sombras, escuridão...
   Lá fora, tanta luz ainda, tanto Sol, claridade abundante do dia, mas estamos confinados, estamos (des)guardados do pleno movimento, do sem precauções, do sem medos, do sem temor...
   & então tudo é desânimo, perdemos uma causa que nem sabemos nomeá-la, perdemos um impulso, uma dimensão que nos compunha, tão sútil, fina, que nem percebemos quando nos desnudaram dela.
   Agora, quando a emanação pretende exteriorizar algo, só a intranquilidade da apatia se revela, & desistimos de ir até o fim.
   Pois essa não seria a soma de todos nossos silenciosos fracassos, que agora gritam? Não seria isso a verdadeira dimensão de nossa força fraca, nos estagnando? Se sempre quisemos mais, sempre quisemos ser... outra coisa, outro ser, outra máscara... só restou restos... de algo que nunca poderíamos mesmo ser...
   & se a luz do dia nós era legada, como gratuidade, assim como as profundezas & o escuro também?
   Agora & adiante, se exigirá de nós esforço! Esforço para seguir, esforço para ficar, esforço para emanar, esforço para destruir, esforço para amar, para dizer sim, dizer não, talvez, etc.
   Isso já estava a caminho antes, na cultura que se (de)lapidava, que rapidamente se fixava pelo virtual, e a pandemia só veio coroar. Do coração do ser de cada um, materializou-se essa anti-obra de arte, a egregóra do Banal, & se tornou realidade social, comunal, se tornou modo de vida. O econômico se tornou vital, mais do que a saúde, & são esses os princípios que agora exigem, em conflagração, nossas energias.
   Perdemos a Arte, que já vinha sendo corrompida & alienada, perdemos a Liberdade, perdemos o Belo, perdemos o Bem, perdemos todas as gratuidades do imaterial & do material, praticamente nos cadaverizamos iluminados ao nos criptografar inconscientemente ou demagogicamente cientes dessa estupidez.
   Isso já era previsto, mas não esperava que a dimensão material fosse tão afetada. Mas ora, se a Grande Ignorância que desceu seu véu sobre a alma, teria que atingir também o corpo, pois são interligados...
    Perdemos pois o embate espiritual que era para perdermos no fim da antiga História, no epilogo de uma Era, só que escolhemos divertidamente submergir na dissolução do que era insuportável para nós, a Autenticidade. Por isso o ar-tista deve ser aquele que deve ser chamado com mais severidade nesse momento da nossa História.
    A história desse fim se contará assim:
1º nos interligamos, ganhamos um mundo de conectividade; 2º nós criamos uma personalidade nova para habitar no espaço virtual desse território de comunicação; 3º começamos a simular e a criticar os outros, começamos a policiar, agredir, delatar, odiar os outros; 4º começamos simplesmente a replicar, copiar, mentir, falsificar; 5º fortalecemos o oposto do que queríamos parecer; 6º adoecemos, desaparecemos...
   Atrofiamos a alma, cortamos a ligação com o espírito, corrompemos o corpo com filtros, artificiais & físicos, virados do avesso expomo-nos enfim pelo avesso da coragem, a ousadia acovardada, trocamos a criatividade por isso, & a ousadia só remexe as banalidades, a estupidez, a idiotia, as mesmices...
    Tal ousadia que só se tem coragem de expor graças ao isolamento, à distância, ao véu do virtual, calçada pela impunidade, pela distância das mãos, do crivo dos olhos, agregada à moral do banal, do corriqueiro.
   Dessa forma os dias são agora, tal moral se enrijeceu, se faz cultura, e nós, perdidos, desagregados, submergimos mais...
   Mas ainda... somos de mergulho, de aprofundar, & resistimos. Resistimos? Emanamos, queremos criar... A pandemia passará? A banalidade não! Fixou-se... resta uma transfuga... nos joguemos!



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