4 de fev. de 2024

Itacolomy

 

Nesses dias, na véspera das vésperas de um grande evento ou um grande nada, catástrofes & metástase do nada cotidiano que se enfileram... eu tenho novamente um sonho recorrente.
   Um velho sonho, encravado em meu subconsciente, sonho cultural, urbano, concreto, reminiscente...
   Sonho que ando pelas ruas da cidade & vou até uma banca de revista comprar um jornal.
   Nesse, eu vou até a banca, posso ver os jornais, em papel claro, novo, bem dobrados & lisos, há revistas dependuradas ao lado, gibis, livros & tudo que há em um lugar desses.
   Em outros sonhos, sempre me vejo comprando jornais ou revistas underground, revista de terror, ficção científica, revistas de ciência, ou livros em outras línguas, principalmente espanhol, coisas de bruxaria, dos Andes, mas sempre com temas ligados à obscuridade, à luz dos sonhos, nosso inconsciente.
   Esses sonhos, com raízes fundas em minha infância, em minha formação cultural, desde o inconsciente legado pela doação cultural familiar, meu pai que adorava gibis, até minhas próprias escolhas conscientes, meus gostos, remetem à uma saudade do que o próprio zeitgeist mudou.
   As bancas de revistas pela cidade estão todas fechadas, não são lucrativas mais, hoje são totens de lata abandonados pelas praças, cubículos vazios encravados em algumas esquinas, como lápides em túmulos de um tempo engolido pelo mundo digital... engolido pelo desinteresse popular pelo papel, pelo seu conteúdo.
   Mas como sonhei, & há muitos dias me coçava a vontade de comprar um jornal, me encaminhei até uma banca de jornal, no caminho, velhas recordações de domingos do passado quando ia semanalmente até à agência distribuidora de publicações da cidade, & dessa vez, ao chegar lá, estava fechada!
   As portas & vitrinas baixadas, os banners da fachada descoloridos & rasgados, a sensação que me veio foi de desolação, imaginando que enfim, a última loja de revista & jornais da cidade enfim havia sido engolida pelo tempo.
   O meu sonho seria então um requiem, uma última lembrança pessoal que um dia havia existido um lugar como uma banca de revista, de jornais, de gibis... cedo ou tarde será!
   Disposta onde era a entrada da loja, um banner indicando que se mudaram para outro lugar, com o endereço, um suave alívio que aquele lugar mágico resistia.



Logo cruzei a cidade, para outro bairro, em busca da loja, & lá, em uma manhã de domingo, encontrei de novo, de portas abertas, a substância real de um sonho, um lugar que vende livros, revistas, gibis, jornais...


    O mundo segue, girando & re-evolucionando, muitas vezes regredindo ou transmutando. Aqui na cidade os cinemas já foram banidos das ruas & avenidas, os teatros muito antes, as garotas de programa também, assim como as bancas menores, as crianças brincando na rua, a segurança & a tranquilidade. As igrejas, as farmácias & os mendigos aumentam exponencialmente nas ruas, nos bairros, sinal que nossa saúde, mental & física, nossa sanidade,  vai sendo sublevada por esses tempos de digitalização.

   Só os sonhos enfim... permanecem, impondo o passado & o que foi bom, para quem teve a sorte de o viver!



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