28 de set. de 2025

Desatidão

 

Uma fina seda acima da
                   r e a l i d a d e
Desembrulhando o papel dobrado da
                                                  məmórịa

Rodo soltou sobre a força dos nós
   de meus músculos
Eu passo sobre o asfalto
   ao largo dos passeios lustrados de pisadas
Pela velha nova rua
   impercorrível
Com a qual sonho
   na qual vivi
      & ainda está lá
Igual & diferente

Eu ouvi, eu ouço
"O mundo está para acabar!"
Mas, andando por aí,
   vejo tantos mundos que já acabaram...
& eu, & os outros
   passando, persistindo nessa inércia
      chamada viver...



25 de set. de 2025

O Trânsito da Madrugada

 

Na madrugada
As flores fechadas
   embriagadas de noite
      tremem ao vento rasteiro
   diante dos meus olhos míopes
Um mendigo quase nu
   aberto os trapos ao vento
      ébrio de realidade
   grita na rua vazia pelo seu Pai!
Vou passando
   correndo contra aurora
      sonhando ainda libidinosos encontros
   debaixo das costas do viaduto
      que sustém o trânsito
         daqueles que nem dormiram
Sim... O trânsito da madrugada
   é quase parado
      em movimento estão os acordados
         & as flores paradas,
         com a flor em dor-mência,
      fechadas
Na madrugada







21 de set. de 2025

Dessentidos

 

Vejo gente
Que comemorou a vitória de bandidos
Exigindo justiça
Para pessoas inocentes

Vejo gente
Que prega a justiça divina
Exigindo vingança
Em nome de facínoras

Não enxergo nada
   Na verdade, não vejo nada
Nem festa, nem culto
   Nada de alegria ou piedade
Exigências estrondosas
   Com fundos de silêncio seletivo
O silêncio que emana da boca dos estúpidos
   Ensurdecendo a sanidade



19 de set. de 2025

Trespassamento

 

No início
   somos só um corpo
No meio
   somos um corpo só
No fim
   somos só um corpo

Todos nós somos um advento
   viemos do nada
      & nos fizemos
Ao nada voltaremos

Doaremos ao caos caudaloso
   a substância elétrica
      produto de nossa consciência
À desconciência voltaremos

No início
   somos só um corpo, receptáculo...
No meio
   somos um corpo só, espetáculo...
No fim
   somos só um corpo, vácuo...



13 de set. de 2025

Gestura

 

As coisas giram
   em gestação
São os ciclos
   os tempos
No solo fértil
   na água parada
      no ventre
   tudo vem
O feto
   o afeto
      o verme
         o novo
            no velho
         ovo
O que vem
   é sempre eco & sombra
      de um encontro
         acaso
            colisão
         acidente
            consciência
É então corpo
   que cresce & acresce
      para enfim
         ter a chance de falhar
No vir & ir
   tudo experimentar...



11 de set. de 2025

Caminho (Sub III)

 

No caminho
   penso na dor
      & na felicidade,
No caminho
   enterro os desejos lembrados
      exumo os pensamentos esquecidos,
No caminho
   não meço os passos
      não disperso tempo,
No caminho
   dispenso a dor
      & repenso a felicidade

...



10 de set. de 2025

Vis-ă-Vis

 

Sentimos o nada ao redor se condensar
   revoltoso & implacável
Trincas rompendo no concreto do real
   para fazer emergir encontros de contas

Sensíveis à paródia da carne
   ouvimos o véu rasgar
Por entre as pregas das vísceras
   que pressaginham o medo

A realidade censora sensorial
   constrange as rugas & os rasgos do tempo
O novo não percebe envelhecer
   & velho não saberá que morreu

A fúria se desenrola em volta de nós
   sensual, sedutora, violenta
Nem percebemos quando somos arrastados
   para o confronto do corpo contra o chão

Cada um vai assim
   pela recorrente violência que lhe acaricia
Girando no olho cego do furacão
   que sempre te pega distraído

Nossos tempos com sua cota completa
   de coisas insuportáveis
Se desfaz em ringue
   para finalmente nos sujarmos de liberdade
      & seguirmos em frente
         com a alma lavada de tudo que for 
            polêmica!



9 de set. de 2025

Experimento da Dupla Fenda

 

As duas coisas mais sérias do mundo:
A nudez & a embriaguez
...
As duas coisas mais superficiais do mundo:
O véu & a sobriedade
...

Eu sou do sonho que se perde acordado
   entre o susto & o desprezo
Entre o preço
   da companhia
   & os prazeres
      da solidão...

A nudez me vela...
A embriaguez conserva...
Pois vem, como a luz,
   em mínimos grânulos
      por entre as montanhas dos dias...



7 de set. de 2025

Dispersão*

 

& se...
   são as estrelas que nos fazem sonhar
      & os foços de gravidade donde vem
         os pesadelos...
& se...
   a poesia é
      a materialização de pontes, caminhos,
         atalhos, trilhas de brilho & breu
   que levam, passam, contornam, emendam
      campos complexos
         entre sonhos & pesadelos...
& o sono
   deitado no leito de todas escuridões
      seja a chave da porta que abre
         para as sendas*
...é assim que durmo
      sob estrelas & buracos negros
   arrastado em luz & escuro
      dentro da inspiração...



3 de set. de 2025

Re/In(flexo)

 

O inferno atrai
O paraíso espalha
Trevas & luz refletidos

O inferno não é nada mais que isso
Ajuntar todas as coisas ruins
   em um só lugar,
      ao mesmo tempo!

& quando se juntam
   parecem que sempre estiveram lá
Essa é sua sensação
   de eternidade!

Esse é o reino & o ermo dos orgulhosos
Esse é o foço & o esforço dos preguiçosos
A derrota & a vitória a se aprender
Antes da terra, do mundo
   que precede, ainda,
      o Céu!

Pois a queda é um estado constante
Até que caímos, enfim,
   para cima!
Já que a vida é um espelho
   fundido de tempo & lugar
      fiel a confirmar
         aquilo que pensamos que somos!




1 de set. de 2025

Datas da Pária Pátria

 

A cidade que existe por um dia
No país que existe por uma semana
Na nação que existe por um mês
   de quatro em quatro anos
Atravessando séculos
   & milhões de pessoas
   que são cidadãos na hora de votar
      & pagar impostos

A farsa democrática
À merce de esquemas seculares
   de famílias tradicionais
      & facções prisionais
Prosperando na corruptocracia

A cidade semi-viva
No país semi-morto
Com consciências natimortas
Da vida em sociedade

É enfim
   feriado no Domingo...