12 de dez. de 2014

Por que existe algo ao invés de nada?



Meditações sobre o Nada

Prestai atenção: começo pelo nada. O nada equivale à plenitude.
No infinito, o pleno não é melhor que o vácuo. O nada é, ao mesmo
tempo, vácuo e plenitude. Dele se pode dizer tudo o que se quiser,
 por exemplo: que é branco, ou preto, ou então que existe, ou não.
Uma coisa infinita e eterna não possui qualidades, pois tem todas as
qualidades. A esse nada ou plenitude dá-se o nome de PLEROMA.
 (C. G. Jung)

   Por que existe algo ao invés de nada?

   Talvez essa seja a questão mais incrível que a mente humana tenha proposto a si mesma. E meditando sobre ela nos últimos meses, embrenhei-me na vasta mata fechada do pensamento que não encontra saída, e lá nos limites de minha capacidade encarei o fantástico assombro que a questão acusa.

   Tal questão é o Koan de toda Filosofia Ocidental, e ela impõe a quem se põe a pensar nela esse verdadeiro assombro!

   Penso na monstruosa extensão do Universo, com suas lá 400 bilhões de galáxias com a média de 100 bilhões de estrelas cada uma e um número extremamente alto de planetas girando em torno de cada estrela, cada sol. E penso na proposição recente dos Multiversos, só aí já se engendra uma insanidade que assedia o pensamento.

   Mas não basta pensar só sobre essas coisas quando se quer ponderar sobre o nada, há de se levar em conta também o tudo. Penso na disposição quântica da matéria, penso nas Supercordas e na Teoria M, e aquele assombro só pode aumentar exponencialmente.

   Na linha de pensamento já desvairada chego a admitir que o Nada adentra em tudo isso através da consciência humana, que tal conceito veio pela senda da linguagem, único lugar até agora onde eu achava que ele podia existir.

   Na Astronomia sabemos dos Buracos Negro, mas esses são uma estranheza à nossa terceira dimensão, e talvez nosso Universo tridimensional seja apenas uma estranheza contemplada a partir de um Universo quadridimensional que tenha colapsado em um buraco negro que fez surgir a tridimensionalidade!?!?

   Mas o Nada, seja o semântico ou o físico, é uma anomalia além de tudo isso, do nosso ponto de vista dualista, pois a mente humana só pode trabalhar sobre esses parâmetros.

   Meditando acerca do Nada, de minha posição existencial, a estranheza mental, a impossibilidade, o mistério de eu próprio existir e pensar sobre isso surge, é surpreendente que exista algo ao invés de nada.

   Para nós o Nada de inicio é o contraponto à própria dualidade, então, assim ele se distingue como algo mental, e é a questão que o Nada impõe que coloca a mente em outra sintonia para além dos parâmetros em que ela normalmente trabalha na realidade mundana. É o efeito do Koan na mente.

   Para os antigos Gnósticos, como Basílides, o nada é uma inferência que se pode tirar da anulação de dois termos contrapostos, mas essa anulação não remeteria à nulidade, mas também à própria plenitude. É o efeito paradoxo de se reconhecer intelectual que para existir, por exemplo, os pares Luz e Trevas, deve-se haver algo subjacente que comporte os dois, ou seja, algo infinito de onde estes opostos puderam se desvincilhar na dualidade e interagir enquanto o Universo existir.

   Isso por si, sustém uma forma de pensamento que pode apaziguar na mente a origem do nada, mas só enquanto esse é referido como plenitude, e a plenitude está fora do alcance da mente humana.

   Voltando ao nosso parco caminho de pensar, podemos então ponderar primeiramente: ou as coisas surgiram do nada ou o nada nunca existiu e assim o Universo sempre existiu, eternamente. São ponderações que não diminuem a estranheza, mas nos impõe já outra uma abordagem lógica.

   Mas se o Universo sempre existiu, há a questão de o que há fora dele, aí o nada surge novamente, e então nos cerca por todos os lados, mesmo que possamos chamar à “coisa” exterior de Plenitude.

   Assim o mistério aumenta. Fora do Universo, ou dos Universos, não há nada, nada de espaço, nada de tempo, simplesmente Nada.

   Pode-se dizer que lá fora pode estar aquilo que entendemos parcamente por Deus, então habitaria Isso o nada ou seria Ele o nada? Ou seria aquilo que se remetem os Budistas quando dizem Nirvana? Mas os Budistas dizem também que o mundo, o Samsara, é o Nirvana, o nada, a cessação.

   A mente que pensa sobre isso se aproxima já da loucura. O limite do nada é intransponível, pois o nada é plenitude, e amente humana não pode abarcar o infinito.


(‘Systema Munditotius’ de Carl Jung, sob a Serpente com 
cabeça de Leão está inscrito “Abraxas Dominus Mundi”)


Um Universo que Veio do Nada

   No meio dessas meditações porém, como uma Gnose sincronistica, encontro um livro notável, com algumas respostas sobre nossa questão inicial, e muitas coisas se ordenam, se esclarecem.

   Li a obra de Lawrence Krauss, “Um Universo que Veio do Nada: Por que há criação sem Criador” (da editora Paz & Terra - 2013), e nele o autor responde enfim, com evidências empíricas irrefutáveis como o nosso Universo veio a surgir por si mesmo do nada. A importância da obra é comparada por Richard Dawkins, no posfácio, com “A Origem das Espécies” de Darwin, só para se ter uma idéia como esse livro é especial.


   Levando em consideração evidências conseguidas pela Astronomia e pela Física de Partículas, Krauss responde a questão “por que há algo ao invés de nada?”, e sua resposta é: “porque o nada é instável!”

   O livro, bem mais filosófico do que científico, não decepciona em explicar empiricamente os argumentos de Krauss sobre o Universo vindo do nada. Seus argumentos partem sobre a inflação cósmica e o distanciamento em aceleração das galáxias umas das outras e a evidência de que nosso Universo seja plano, tudo isso vai corroborando para apontar a origem a partir do nada das coisas. Como isso se dá, o melhor é vocês lerem esse livro crucial para quem se pergunta sobre o sentido da vida, mas o que nos cabe aqui é a louca relação ‘nada-algo’ de nosso koan ensandecedor.

   A cerca de 13 bilhões e 720 milhões de anos atrás e um dia antes disso, não existia nada, ou melhor, havia o Nada. Então aconteceu algo: no nada uma flutuação quântica ocorreu, causando uma grande explosão, um grande bum (Big Bang).

   Krauss escreve a partir da página 109:
  
“O padrão de flutuações de densidade que resultam da inflação - surgindo de flutuações quânticas no espaço outrora vazio - revelou estar de acordo com o padrão observado de pontos frios e quentes em escalas maiores de radiação cósmica de fundo em micro-ondas. Ainda que concordância não prove nada, é claro, há uma visão crescente entre os cosmólogos de que, se anda como um pato, parece um pato e grasna como um pato, provavelmente é um pato. E se a inflação é de fato responsável por todas as pequenas flutuações na densidade da matéria e da radiação que mais tarde resultariam no colapso gravitacional da matéria em galáxias, estrelas, planetas e pessoas, então podemos afirmar com toda certeza que estamos aqui hoje devido a flutuações quânticas no que é essencialmente nada.”

   A energia do espaço vazio não é zero, algo sempre está surgindo, até nos dias de hoje, do nada. Partículas virtuais a todo momento podem pulular em um átomo para equilibrar energeticamente determinado sistema, e no momento seguinte desaparecem de novo, rumo ao nada de onde vieram. Pares de pósitron-elétron aparecem espontaneamente em um átomo de hidrogênio, por exemplo.

 (Representação artística das flutuações quânticas)

   No rastro de se entender como algo surge do nada, porém, Krauss nos introduz em outras questões ainda mais desconcertantes, que tem a ver com a própria existência humana nesse momento.

   Por uma sincronia cósmica impressionante ele revela que o único momento na história do Universo em que poderemos chegar à essas conclusões que a ciência está chegando são os nossos tempos, e impressiona então a inteligência humana ter surgido e se desenvolvido justamente no período que seria a “janela de observação” para o Universo. Em qualquer outro tempo, e aqui estamos falando em milhões de anos, no passado ou no futuro, não teríamos condição de saber que o Universo é plano, que as galáxias estão se separando em aceleração crescente, que houve um Big Bang, porque, principalmente no futuro, todas as referências empíricas que temos desaparecerão dos céus, o nada está voltando e tomando tudo.


Porque há Criação sem Criador

   Além da questão do alcance da ciência Krauss aborda também, como não poderia deixar de fazer todo bom filósofo, a questão da criação a partir de Deus.

   Para Krauss o Universo surgir do nada foi algo inevitável, e isso é atestado cientificamente, mas aí ele finalmente entra naquele campo semântico que abordei em minhas próprias meditações, e cabe a ele dizer o que realmente o termo Nada compreende, esse nada dos cientista é “algo”. E a ciência não responde os “por quê?” mas os “Como?”. Há uma sutil diferença então nas abordagens cientificas das filosóficas e teológicas.

   Então, nessa linha de raciocínio surge a questão humana, mais precisamente a questão da Consciência, palavra esta que estranhamente não aparece no texto de Krauss. Por que será?

   Tenho para mim porque justamente quando confrontamos o Nada levando-o a uma questão de consciência nós nos chocamos contra aquele dito “limite do nada” para o pensamento, o que tanto me atormentou e atormenta. E para Krauss há a duvida se algum dia a própria Ciência será satisfatória ao tentar abordar “algo que veio do nada”, já que para a ciência não basta simplesmente definir o nada como “não-ser”, mas em seguida ele sagazmente nos propõe lembrar sobre aquele par de pósitron-elétron que surge no espaço vazio do átomo de hidrogênio, nisso a questão está para além de possibilidade, é algo que se dá de fato.

   Nas páginas finais do livro de Lawrence Krauss, parece-nos então que há um recrudescimento. O Nada é o nada, o “espaço vazio”, e daí evidentemente surgem coisas, o espaço vazio tem peso, energia, flutuações quânticas, e era à esse nada que se referiam Platão e Tomás de Aquino quando se perguntavam por que havia algo, ao invés de nada, no espaço vazio do Universo.

    Mas isso é só um interlúdio no raciocínio, a citação no penúltimo capítulo parece dizer tudo sobre suas ponderações anteriores:

“Faça-se a justiça, mesmo que desabem os céus”
Antigo provérbio romano.
  
   Tudo que vemos, toda matéria, estrelas, planetas, patos e pessoas, tudo isso surgiu do espaço vazio, na condensação das flutuações quânticas no nada instável do vácuo, e é impressionante existir matéria, já que pelas leis da mecânica quântica e da relatividade se exigi que para existir matéria deve-se haver também anti-matéria, toda partícula deve ter sua anti-partícula.

   Então o que impressiona é o fato de como toda a matéria (partículas e anti-partículas) não terem se anularam mutuamente em algum momento do início do Universo. O que tudo leva a crer foi que houve um acidente inicial na origem do Universo, e a simetria que havia entre partículas e anti-partículas foi quebrada, e na anulação primordial da matéria com anti-matéria sobrou mais partículas, e bastava uma só, para explodir como Universo.

   Ou seja, nosso Universo ter acontecido foi uma pura sorte! Antes, enquanto reinava uma simetria material, havia apenas o nada, porém em algum momento, digamos lá, penso eu, uma partícula só de anti-matéria errou o alvo no turbilhão cósmico de explosão matéria-anti-matéria, e uma partícula pode dissonar na simetria e dar origem ao Big Bang. Daí se nota a instabilidade do “nada”.

   Nesse panorama todo, Deus é obsoleto, a incerteza sempre reinou sobre o nada, e uma hora era inevitável que ele cumprisse a possibilidade de ser algo.


Nosso Nada de Cada Dia Nos Daí Hoje

0 = 1 + (-1)

   Ao longo de suas explanações o ponto onde Krauss nunca chega é, como disse, sobre a questão da Consciência em si.

   Ele chega ao ponto de notar o fato arrebatador de poder a mente fluir justamente no momento em que o Universo pode dar respostas, e isso me faz perguntar então se há só acidentes no Universo, porém a questão da própria inteligência humana surgir pode caber dentro das probabilidades que o Universo e todo o Multiverso podem potencializar, então nessa infinitude, até mesmo o surgimento da consciência seria o cumprimento de uma de suas possibilidades latentes.

   No caso eu poderia apontar uma sorte em grau cósmico de existirmos agora. E o fato de Universo rumar para a condição de impor uma cegueira em relação ao seu reconhecimento científico como de fato ele é em sua natureza denota mais uma vez a fortuidade de nossa existência aqui. Se por um lado nem sequer conseguimos pensar sobre o nada, um dia o próprio nada limitará tudo que temos, e como se fosse um véu irremovível de Ísis, ele só deixou transparecer o sorriso maravilhoso da deusa enquanto ela por alguns momentos dançava.

  
   Pena o Deus cristão não dançar, e de nascença ser cego e paralitico como nos aponta a visão Gnóstica sobre Ele. Mas não acho que seja uma pena ele ser irrelevante para o Universo, pois apesar disso só engrossar o caldo do desespero niilista que me acomete, quando penso sobre o nada limítrofe para além de toda potência da mente em perscrutar, isso volta à minha mente como um portal, mesmo que seja um doloroso portal, por onde passa a condição humana como a única coisa que conheço que pode dar algum sentido à esse mundo e à todo o Universo.

   Esse sentido que o ser humano pode dar à sua existência, as ditas volições da alma, seja ele espiritualidade ou ciência, seja ele filosofia ou assombro puro, aí então posso ver como meu próprio nada interior pode emanar coisas significantes, que mediante ele, possa surgir também encantamento e prazer em estar aqui e agora.

   Aqui se realiza, nesse tipo de inteligência que aborda a questão do “por que existe algo ao invés de nada?” o resultado mental do koan máximo de nossa História com seres conscientes, como diz Krauss: “a própria distinção entre algo e nada começou a desaparecer, pois transições entre as duas coisas em contextos diferentes não são apenas comum, mas exigidas.”
   
   A Gnose aqui revelada é de um lampejo científico imprescindivel para se entender o mundo doravante, e não mais com a mente de Platão, Aristóteles ou Tomás de Aquino, é uma consciência que tem em sua vanguarda, na linha de frente da inteligência humana, pessoas como Lawrence Krauss e outras dezenas de grandes cientistas citados em seu livro, sábios de uma nova era, seres humanos que querem levar a humanidade à independência definitiva das sombras das superstições religiosas, não tornar impossível acreditar em Deus, mas poder livremente não crer no que as religiões organizadas dizem; mais do que Deus, elas sim são desnecessárias, redundantes, mal intencionadas e mal informadas.

   Quanto à nossa existência, apesar ou além do nada que nos circunda por todos os lados, um motivo maior surge, e é o fato de estarmos aqui nesse Universo, para justamente dar sentido às coisas.

(Símbolo Zen do Nada)




Um comentário:

Vinícius Dalí disse...

O seu texto foi muito bem feito. O blog todo é muito interessante, aliás. Vou passar a acompanhá-lo.