2 de jan. de 2015

CelloXV



Fechados,
                ainda,
   meus olhos já enxergam
      que a manhã não chegou…

Na penumbra da aurora,
                                      ainda,
   entre o sono & a sanha
      não posso reconhecer o que é sonho
         & o que já posso pensar por mim…

Onde eu estive,
                         nas últimas horas,
   ninguém pode dar notícia
Só, eu fui
               &
                   só, eu voltei
   visitar
             tudo & todos
                                  dentro de mim…

   Consciência é dor & prazer, quando acordo nesse lugar, & sempre quando acordo, acordo nesse lugar, meu corpo, isso é só carne, não durará, não durará, mas o que distende & se estende quer confundir-se, quer se fazer dizer mais do que carne, mesmo que seja sempre corpo.
   Inconsciência sempre vem como lembrança, são sonhos, & creio, por uma parca gnose, que o melhor dizer sobre o sentido incubado dos sonhos é que são sons, são ecos, reverberâncias, somnus.
   Em parte alguma encontro o vazio, o vácuo, avoid, há apenas no máximo o mínimo, & para quem já se cansou de tudo o mínimo ainda é muito. Talvez, procura em vão, que queira, como eu, achar um abismo comum que provenha a abertura para toda cessação.
   & o dia se propõe diante de mim… Serão horas & horas que se dedicam ao presságio temporal dos ventos que acometem a consciência, para me jogarem para lá & para cá, pelas ruas, corredores da casa, farmácias, banheiro, banca de revista, sala de estar, supermercado, garagem, centro da cidade, cozinha, espaços por onde o corpo passou…
   Nas ruas, lenta, vi uma menina, tão magra & perfeita, não muito bela, até sinistra em sua beleza de ossos & pouca carne, tão desejável, tão feminina em sua magreza… sonhei com ela, na fila do supermercado, enquanto ela me ignorava, nem eu nem ela existiam um para o outro até nossos olhos se tocarem com aquilo que chamam de visão. Não há fim, enquanto vivemos, para tudo que ganhamos & perdemos, na mesma proporção, dos encontros que nunca mais se repetirão.
   Esse dia acontece, devo agora dizer, nem tão tarde, nem tão nunca, como o som de um violoncelo, solo, grave, lento, aquele êxtase entorpecido da fricção entre a corda & o arco, esfregando, em uma rançosidade deliciosa, intenso formigamento vibrante das ranhuras da realidade.
   & assim tudo é uma dança, uma valsa lenta de um concerto de cellos, onde o tom mais grave é o corpo daquela moça…
   Deixando-a para trás, com as oferendas de um próspero Ano Novo, um sorriso & o sussurro do obrigado dos alheios, parto novamente pelas ruas me arrastando como o arco nas cordas grossas do violoncelo, vou chegar aonde devo ir ao longo da estrada dos dias.


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