10 de jan. de 2015

Je suis…?





 Assistindo na TV a extensa cobertura dos fatos que se desenrolaram em Paris nessa semana uma série de questões se desenvolve…
   Envolvidos no caldo confuso que a consciência tenta abarcar estão questões religiosas, morais, humanas.
   O evento revela por demais o momento humano que vivemos, o crescimento constante da violência, a aparição pública do fascismo novamente, as convulsões econômicas que viemos sofrendo nos últimos anos, enfim, a reordenação do mundo com premissas que talvez ninguém saiba quais são em sua totalidade.

   No centro de tudo, velhas questões repetitivas voltam. A questão judaica, o radicalismo, o terrorismo, a democracia… Por que tais pontos insistem em sempre andar juntos?
   É por certo que todos nós, seres humanos, somos os judeus do mundo. Aquelas pessoas comuns, zelosas por suas vidas, seus princípios, família e pátria, pessoas simples, sem grande poder aquisitivo, sem influência social, à mercê dos péssimos governantes que temos, vitimas das políticas econômicas e da corrupção, civis ofendidos pelo poder do Estado, da polícia, do sistema financeiros, dos formadores e arcontes das opiniões religiosas que berram nos altares das igrejas do mundo, todos nós somos os judeus.

   Mas a questão é mais extensa, mais abrangente.
   Carregamos ao bom modo humano todo o bem e todo o mal que pode haver no mundo, cada um de nós com nossa empatia ou apatia temos tudo o que é bom e ruim, e o destilamos em nossos atos, aqueles que executamos em atos, publicamente ou não, e aquele que resguardamos em pensamentos, em crença, pré-conceitos, etc.

   Vendo os fatos se desenrolarem na Sexta em Paris me lembrei do filme “O Julgamento de Nuremberg(Dir. Yves Simoneau, com Alec Baldwin), e as meditações que se desenrolam na película. Ali é tratado a questão do Mal, da Propaganda, da Punição Exemplar, da Intolerância dos Povos, da Insanidade, e comparando a situação dos Nazis, do esforço pela Justiça, da violência da guerra o que mais denota medo em um primeiro momento é a impossibilidade de um dia podermos, como sociedade, levar a julgamento pessoas que comentem crimes da natureza como os que aconteceram em Paris.
    Agora já não temos mais um Estado e seus lideres cometendo crimes de guerra, temos pessoas de diversas nacionalidades, ajuntados sob uma capa religiosa facínora, algo do tipo do qual não há como se manter um diálogo. Com os Nazis, apesar da enormidade de seus crimes, ainda foi possível conversar com eles, proceder interrogatórios, apresentar provas, dispor defesa judicial, mas agora, neste caso, neste momento, estamos em um vácuo ético onde a única resposta que se prontifica contra tais crimes é a violência também.
    Não sei nada de Direito Internacional, apenas tenho a noção transpirada pela realidade cotidiana que o Estado pode cometer crimes terríveis, enquanto o cidadão não, não pode nem cortar uma árvore na beira de uma represa.
   A lacuna de justiça entre o Estado e o Terrorismo é a mesma entre o Estado e o Cidadão, mesmo porque o Estado hoje, alguns países, carecem até de argumentos plausíveis para se justificar o porque certas pessoas detem cargo de comando maior em uma nação. A Insanidade ganhou a luta contra a Legitimidade, e fez isso através da propaganda.

   No filme “O julgamento de Nuremberg” tenta-se explicar o mal encarnado pelos Nazis como a propensão histórica e psicológica do povo Alemão pela obediência ao líder, mas isso, a que bem atento observe é o segundo momento em um processo, algo muito mais perigoso e essencial volve nesse poço fundo, e tem a ver com a própria questão da liberdade humana, o que leva à Democracia.

   No  Budismo há o ensino: “Disciplina é Liberdade”. Com esse adágio em mente podemos compreender a intrínseca relação que acontece então ontem e hoje com a questão do terrorismo de Estado (Nazismo) e o terrorismo de grupos religiosos (Isis), a disciplina a que ambos foram submetidos deram a eles a liberdade de trucidar seres humanos! E liberdade aqui quer dizer coragem, uma relativa paz de consciência e os argumentos para fazerem o que fazem.
   É claro, sabemos evidentemente que há a liberdade para fazer o que é bom e para fazer o que é ruim, mas para ambos se exige disciplina, treinamento, esforço repetitivo.
   Em o que mais as sociedades Ocidentais vacilaram ao longo de sua história moderna foi então em educar as pessoas para ter a liberdade de fazerem o que é bom, à nível social, coletivo. Aquilo que chamamos Democracia, no conceito atual da ideia, não se distinguiu muito de seu conceito fundante nos Gregos, onde o “demo” da democracia era o povo entendido como as pessoas superiores, a elite.
    Se vendeu a ideia da liberdade de escolha política para todas as pessoas, mas nunca foi assim. Porque escolher é uma coisa, mas receber as benesses do poder do Estado é outra. Por isso foi fácil e eficaz prescindirem de dar disciplina à sociedade, porque os governos, como o do Brasil por exemplo, não quer mais nada do populacho a não ser os dividendos financeiros do suor de seus corpos, e hoje, até isso não é mais suficiente ao nosso Estado, logo quererão e terão o sangue também.
   Essa é a encruzilhada que a Democracia se encontra, em qualquer país Ocidental. A reação conservadora retornou, o fascismo ganha força, as pessoas entregam sua liberdade em troca da segurança contra o terror e o jogo sinistro entre a tal “democracia Ocidental” e o “terror islâmico” vai se prolongando, se instalando cada vez mais, até nos países mais evoluídos socialmente.
   A quem isso é conveniente? A quem é conveniente sempre existir o inimigo? O outro? Que ganha com a divisão em polos do mundo?

   Sinistra e profética foi então a declaração final de Albert Speers no processo de Nuremberg:
   “Como uma nação, tão avançada, tão culta, tão sofisticada como a alemã, ficou sob o domínio diabólico de Hitler? A explicação é a comunicação moderna. Um líder não tem mais que delegar autoridade através de seus subordinados que exercitam julgamentos independentes. Devido a comunicação moderna Hitler pode comandar direta e pessoalmente seus subordinados. Quanto mais o mundo tiver tecnologia, mais a liberdade individual e a independência da humanidade se tornam essenciais. Essa guerra acabou com foguetes controlados à distância, aviões que se aproximavam à velocidade do som, submarinos e torpedos que podem encontrar seus alvos, bombas atômicas e a terrível perspectiva da guerra química. Daqui a 5 ou 10 anos, esse tipo de guerra oferecerá a possibilidade de disparar foguetes de um continente à outro com fantástica precisão. Pela divisão do átomo será possível destruir milhões de pessoas na cidade de Nova Iorque em questão de segundos com um foguete dirigido, talvez, por dez homens. Uma nova guerra em larga escala vai acabar na destruição da cultura humana e da civilização. É por isto que esse julgamento deve contribuir para a prevenção de tais guerras no futuro. Uma nação que acredita no futuro nunca perecerá. E que Deus proteja a Alemanha e a cultura do Ocidente”.

   A prioridade dileta das Democracias deveria ter sido conservar a liberdade e a independência da humanidade, ou pelo menos deveria zelar por isso de agora em diante, mas não a faz. Cada vez mais dispensamos nossa vontade própria e tomamos a vontade que outro quer que pensemos ser a nossa.
   Confrontados hoje com as ações do terrorismo, seja de Estado ou de grupos independentes, sejam as guerras religiosas e raciais, seja a guerra por contingentes naturais e comerciais, a guerra econômica, as pessoas não podem se alienar da verdadeira premissa que faz de nós todos humanos, nossa liberdade pessoal e nossa convergência como povos independentes das querências de grupos minoritários dentro da sociedade, uma operação difícil de se resolver, mas que a única proteção que temos para usar contra os terrores do mundo ainda é a disciplina, a educação, a formação pessoal, pois percebemos que mais do que bombas atômicas, os estragos causados por indivíduos, com armas simples, são as que mais estragos causam à vida.
   Temos que nos conscientizar o quanto antes sobre a questão da tecnologia como ferramenta de aproximação das pessoas, e não como contundentes instrumentos de manipulação, disseminação do consumo e do individualismo, além de sua preponderância como instrumento de manipulação política. Nenhuma pessoa só irá “salvar” um país, ou o mundo.

   A encruzilhada se apresenta, nações como a França, a mais bem dizer, o povo francês, com seu espírito democrático, sua longa história de luta pela evolução do ser humano, onde ainda respaldam na bandeira as cores da “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, não podem ceder cegamente ao ódio advindo de uma disciplina e uma dieta de ódio, que tão facilmente é engendrada na mente humana pela via religiosa pela boca de poucas pessoas.
    As pessoas conscientes de todo o mundo devem afirmar publicamente que também a religião ameaça a liberdade e a independência humana, e colocar o quanto antes em seu lugar certo dentro das sociedades verdadeiramente democráticas a questão da crença, da liderança religiosa, separando-a definitivamente do Estado.
    A periculosidade dos lideres religiosos se faz notar justamente via a plataforma tecnológica da comunicação, aliada à uma proeminência econômica fortíssima, esse conluio de fascismo religioso, superstição e egoísmo deve ser superado um dia pela democracia, e aí, como vai ser?
   Devemos ser educados dentro da disciplina da tolerância, e isso deve ser exigido partir de dentro das instituições religiosas, não de fora. Algo que deve ser imposto pela sanidade secular como um “novo dogma” em toda religiosidade, uma forte afirmação humana que respeitamos o que há de mais sagrado no mundo: a vida.
   Disciplinados na vida, poderemos decorar as telas fúteis dos aparelhos digitais que canalizam sites de relacionamentos com hashtags mais interessantes: #eu sou humano, #eu tenho dignidade, #eu mereço respeito dos governantes, dos padres, dos pastores, dos rabinos, dos mulás, etc.
   Ou fazemos assim, os continuaremos a sermos vítimas da liberdade que não temos, pois o ópio das massas exige cada vez mais inimigos para se manter a farsa de que o futuro será melhor, pois assim nunca será!


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