28 de ago. de 2019

Prosa Vultur: Mortessência

Naquele tempo descobriram algo significante sobre a morte, que ela não era tão fácil de acontecer, pois em cada ser humano acomete três mortes, a do corpo, a da alma e a do espírito...
Logo passou-se a se aplicar a morte transcendente, clínicas se especializaram em conduzir uma morte humana para o corpo e na seqüência uma morte fina para a alma.
O que acontecia era primeiro se matar a alma e depois o corpo.
Já a morte do espírito era mais difícil, aquela centelha fugia ao processo, e as clínicas de morte humana se encarregavam de evitar sua volta ao ciclo de encarnação, forçando o espírito a ir de encontro com seu único fim possível, a consumação no nada além, a cessação de suas volições, aquilo que os budistas chamam de Nirvana, assim deixando de ser.
O processo nas clínicas se iniciava quando então um indivíduo decidia deixar de viver ou era imputado pena social de exclusão, por algum desvio de conduta ou sua não necessidade do circuito social em que nascera. Dessa forma ou da outra, o indivíduo era internado na clínica, para receber então o processo duo-trino de des-existência.
Primeiro erradicavam sua alma. Isso consistia em aplicar uma droga que fazia com que o indivíduo desvanecesse e nesse estado imputavam em seu cérebro correntes elétricas com programas de desestabilização somática-psíquica, fazendo cessar a atividade em certas partes do cérebro e do sistema nervoso, interrompendo o fluxo dos sentidos.
Depois dessa fase o corpo ficava inerte, muito parecido com os zumbis retratados na cultura do cinema. O corpo podia ficar nesse estado indefinidamente, se decompondo, porém a humanização consistia em erradicar o corpo, geralmente usando de morte mecânicas como corte do fluxo sangüíneo ou destruição do órgão cerebral.
O que se dava era que antes da iniciação desse processo de morte, o indivíduo passava por um treinamento para proceder com a "morte" de seu espírito, a dissolução da centelha. O processo todo começava no momento de erradicação da alma, e terminava a cerca de 40 dias depois com a eliminação ou descarte do corpo. Nesse período ocorria o bardo de cada um, que de uma forma ou de outra não tinha como se auferir o sucesso da passagem do espírito a não ser por processo religiosos-espirituais, como consultas mediúnicas.
Porém a ciência avançava e já se usava um capacitor eletrônico que reivindicava medir a presença ou descolagem do espírito do plano material e astral, que estava cada vez ganhando mais notoriedade e sendo tido como eficaz para indicar o sucesso da nulização do espírito.
Tudo que ele fazia era medir no corpo a profundidade da tristeza que o corpo imputava, notada nas confluências orgânicas das secreções e glândulas. Um indivíduo cujo espírito alcançou o nada não produzia mais atividade no Timo, que no ser humano comum "vivo" já era pouca, cessava então. Era isso que se media com um aparelho refinadíssimo, o fim da capacidade de ser feliz!
Assim se executavam as três mortes do ser humano, e ele estaria livre do mundo, da roda da vida, da possibilidade de reencarnar ou da ressurreição. Admitia-se também que tal indivíduo não alcançara nenhum paraíso ou nem perecia em qualquer inferno, apenas alcançaria o nada no fim de tudo.



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