22 de abr. de 2020

Escrita & Tempo


O retorno é o movimento do Caminho
A suavidade é a atuação do Caminho
Os seres sob o céu nascem da existência
 E a existência nasce da não-existência
(Lao-Tse, Tao Te Ching cap. 40)

     Não escrevemos em linha reta, do passado para o futuro, escrevemos circularmente, do futuro para o passado.




     A seta temporal da escrita vai do complexo ao primitivo, do futuro ao passado, em sua disposição de comunicar.
     O comunicável é o objeto de partida da escrita, a mensagem, pronta e acabada, não concebida, mas expressa no futuro. Concebemos ao inverso pois só assim podemos (de)compor a mensagem.
     Concepção é diferente de Composição. A posição da escrita não informa Espaço, apenas uma linearidade ilusória, sua posição informa Tempo, mesmo sendo ambos autorreferentes no dimensional espacial, não o é no temporal, pois espaço-tempo significa permanência-duração enquanto uma mensagem extrapola isso, penetra (regressa) na permanência e na duração, ou antes, emana dali, trazendo consigo, do futuro, Sentido, Conhecimento, Interpenetração... enfim, Completude.

     Como podemos conceber uma frase, compondo-a do indefinido primevo até o entendimento complexo, até a mensagem? Isso se dá porque quando vamos a construir já a temos completa, ou seja, já partimos do definido ao indefinido, como um salto imediato do futuro ao passado para a manifestação aqui.
     O fato de não prestarmos atenção ao indefinido aglomerado de signos, letras e palavras é porque já temos antecipadamente a apreensão de seu sentido completo como objetivo, mas na verdade é o objetivo que permite que possamos a (de)compor. E assim é com tudo na realidade onde existimos.
      Partimos do futuro para o passado. Mas o passado não importa tanto, por isso pensamos, sentimos que vamos ao contrário no tempo, mesmo porque a vida, a existência, se porta falsamente assim, do passado para o futuro, simplesmente porque aprendemos assim no Ocidente, por causa de uma noção de finalidade, principiada na causalidade, na sotereologia e no ego, mas já na Natureza imediata, tudo é circular.
      A seta do tempo que comumente vemos indo de um ponto A ao ponto B (A-----------àB) na escrita já desvelada há a ida de um ponto B ao A (Aß------------B), ou como se diz na aprendizagem do abecedário, “B A, BA”.
     A linguagem, em sua materialização escrita, é então uma expressão correta da seta do Tempo, que corre, ou melhor, salta, do futuro para o passado, uma prova existencialmente correta.

     Porém, abarcar isso conscientemente exige, no mínimo, uma reeducação mental agora, uma “nova” concepção intelectual, é um esforço de consciência, de percepção, uma postura desperta, como uma meditação.
     E isso influencia em tudo na existência. Essa apreciação ao final justifica todos os “degraus” da construção histórica perceptual que os sentidos humanos vem abarcando durante sua existência aqui, justificando-os enfim, e talvez preparando o salto para outra dimensão do “entendimento” humano no Universo.
     Sabemos que existimos nesse “momento” da história do universo pois esse é o único intervalo de tempo onde o universo pode ser conhecido, desvendado. Assim, do futuro limite, onde não poderemos mais conhecer o Universo, vem essa mensagem, já completa, que estamos (de)compondo, esse saber, esse conhecimento, essa Ciência.

     Essa “nova” percepção da seta temporal, que a língua expressa, e que emanamos quando desta postura diferente em relação à realidade das coisas, implica um drástico rompimento com tudo que percebemos e registramos como História e Ciência até então. É uma virada na posição da mente humana no mundo.
     Nossa linha temporal, interpretada erroneamente, nos leva agora a becos sem saída na concepção da realidade, tanto socialmente, economicamente, quanto filosoficamente, enquanto interpolações artísticas da realidade, vão dando abertura para vislumbres do futuro que sempre nos assediou e conformou, não como destino final, mas ponto de partida.
     Nossos sonhos não são vislumbres de um futuro, mas a fonte de onde viemos, é basicamente como dizer, o cadáver ao qual pensamos rumar é nossa origem física, não destino, onde o produto final é o recém-nascido que emerge completo, e o qual devemos reverenciar, como um ode à infância. Enfim, ao final de tudo, na questão mais simples de todas, a morte não é o fim, mas o começo, nossa finalidade é permanecer na potência da infância, cuja juventude alcança, pois a criança é perfeita e o adulto imperfeito, mesmo sabendo mais, conhece, da maneira errônea, conhecendo menos...

     A afeição humana (parcial, claro!), à leituras da realidade, como a Astrologia, p.ex., faz, e sempre fez, parte dessa intelecção correta sobre o tempo.
     Qualquer saber, ou busca de compreensão da realidade, que já conceba o futuro desvelado, coaduna com o processo correto de se entender o tempo. E só sendo possível os comunicar com a linguagem, a escrita se comporta de tal forma. Seria correto também o apreço humano por adivinhações, profecias, etc., como expressões dessa forma quase inconsciente de ver realidade.
     Na verdade, o escopo potencial que faz uso de Sincronias em seu rol de leitura e entendimento da realidade sempre desvelaram melhor a natureza correta do tempo do que qualquer ciência ou filosofia, por isso sua persistência em nos informar em tempos de maiores ou menores popularidades ou críticas à esses saberes designados como Esotéricos.
     Veremos cada vez mais a emergência junto à mente humana de conhecimentos que em sua base estabeleçam como fundamento de seu entendimento da realidade a não-causalidade, espaços não lineares, compreensão física de campos, os campos mórficos, etc., onde a Magia é o arquétipo sapiencial correto e supremo.

      A tarefa reversa agora é saber expor essas interpretações da realidade para que funcionem educacionalmente junto a quem quiser se deslocar, não só fisicamente, mas mentalmente, na forma correta no tempo, proporcionando assim, conciencialmente, um ser-aqui real por completo.
     A tarefa é aparentemente descomunal, mas isso é também uma ficção do limites que nos foram impostos historicamente, por motivos de domínio. Hoje, com acesso a comunicação em rede de uma forma ampla, a leitura do comunicável sincrônico através do que emerge até inconscientemente da rede possibilita um incomensurável canal de formação de sentido e liberação das cadeias de causalidade, mesmo que poucos consigam ler, perceber, esse fluxo de conhecimento do qual viemos no futuro.
      De uma certa forma, todos nós fazemos parte da composição do que o futuro engendrou como Humanidade, e estamos cada vez mais perto do ponto de virada onde se revelará definitivamente a farsa da linha do tempo reta que seguimos, com tudo que isso implica.
     Podemos dizer que todas as mentiras cairão, ou serão substituídas por outro paradigma que permita nosso próximo salto, o que isso realmente significa é profundo, aqui estamos tentando nos ater à questão da escrita como expressão correta do tempo, de seu correr reverso desse ponto de vista comum...

     Assim, a escrita é, mesmo que pouca vezes compreendida, uma expressão correta do fluxo temporal, que corre do futuro para o passado, isso pode ser provado, com simplicidade, por qualquer texto ou mensagem concebida pelo ser humano, inclusive na literatura e na poesia, pode-se até viajar no tempo, em qualquer direção, tendo a mente preparada para conceber o tal.
     A existência da mensagem, emanada pela escrita é prova cabal de que viemos da Completude, e o fato de hoje a buscarmos, psicologicamente não atende a um chamado, mas a uma inevitabilidade natural da existência. Nascemos completos e perfeitos, e rumar ao passado é ir compreendendo escalonadamente isso, porque a ordem que emerge do caos tem por finalidade ser o caos que emerge da ordem.
     Quando concebemos o tempo de forma comum, vemos que rumamos para a morte, ou seja, para a decrepitude e a perda de tudo, porém, não obstante essa entropia causal expressa em tudo, o que verdadeiramente se dá é que não crescemos, mas diminuímos por causa dessa concepção de tempo a qual nos submetemos...
      Enquanto o que realmente devemos emanar, por vontade própria, ou seja, conscientemente, ao saber que o tempo corre do futuro para o passado, é que estamos apenas recordando nossa vida, ela já foi vivida, é completa.
     Como se lê no Tao Te Ching, Cap. 4:

O Caminho é o Vazio
E seu uso jamais o esgota
É imensuravelmente profundo e amplo,
como a raiz dos dez mil seres

Cegando o corte
Desatando o nó
Harmonizando-se à luz
Igualando-se à poeira

Límpido como a existência eterna
Não sei de quem sou filho
Venho de antes do Rei Celeste

   Não existindo realmente uma linha reta de finalidade que percorre do passado ao futuro, mas existindo sim uma infinda espiral de circularidade do futuro rumo ao passado, sendo o ser humano, já de início, do futuro, a condição de conhecimento, e conhecedor absoluto, Completos, somos a Mensagem que reverbera desde sempre e além.
      Somos sim, memória, assim somos retorno, eterno retorno, mas isso só porque somos Plenitude, e já conquistamos o Paraíso, cabe agora, estarmos conscientes disso, e saber então, o que um futuro mais distante ainda, fez de nós...



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