Ipomoea

 

Flor da lua
Não há ave que te beije
   por entre os espinhos do mundo
      só asas de couro te alcançam

Eu tenho tuas asas
Enlue meus lábios
Ilumine meus olhos
   com tua cor de rosa d'ouroprata

Ah! Se girassol
   giralua também
      o luar
Se beija-flor
   beija também o espinho de prata
      da lua às vezes rosa
         a brilhar

A lua
   que sempre sai nua
Sem ave, sem beijos, sem flor
   não se corta em espinhos
& brilha por entre as farpas
   no escuro do céu

Nada a ver...

 

A minha demanda por você... A sua demanda por mim... nada a ver... nada a ver...
O que você espera de mim... O que quer de mim... O que precisa de mim... nada a ver... nada a ver...
O que eu espero de você... O que quero de você... O que preciso de você... nada a ver... nada a ver...
Todo mundo é cada um... todo mundo é um caminho ao contrário do outro... todo mundo & um vazio a se preencher... que nunca irá...
Cada um é uma vontade... cada um é um querer... cada um uma miséria... & uma riqueza a se fazer...
Todos estão pensando em si... cada um quer para si... cada um si não tem se... É só pra si & assim será... nada a ver... nada a ver...
Tudo enfim é só um será... ninguém irá ceder... & será tudo uma só infelicidade para todos & tudo &... nada a ver... nada a ver...

 

#@pouc0l!psə

 

Enterrando na timeline...
   Deixando páginas & sites para trás...
      Levantando a repetição...

Para nós
   Cujo os únicos momentos belos do dia
      É a aurora & o ocaso
Nos perdemos sempre entre coisas repetidas
   Que não se querem novas
      Mas justamente repetir, replicar
Para no fim que nunca chega
   Causar & recausar
      Recusando parar

Isso é encantamento barato
   Isso é distração da realidade
      Isso é a distorção da tecnicidade

Se um dia havia pairando no ar
   Uma noção de "eterno retorno"
      para os ciclos universais
   Hoje vivemos o "retorno eterno"
      das coisas superficiais

O tempo não passa mais em círculo
   Só o meme circula
      O tempo agora corre verticalmente
Arrastado pelo digitais do dedo
   Repetindo temas
      & nos emburrecendo

Engenharia Inútil

 

...une verso uno
   numa casca de
      calabi-yau
   concha de onze dimensões
gravitando em
         loop
   desfibrilando
         supercordas
      que rangem o som surdo do
                  Aum na boca dos bodhissattvas
                           & outros animais mudos...

                                                estacionados na

   velocidade da luz

não podemos conceber

       nem refutar

         qualquer concepção

Estrelas Congeladas como

   coração humano

Buracos Negros como

   nossa mente no mundo

Ondas Gravitacionais

   onde afogam

       nossas certezas

     & verdades vedadas

  envolto em design inteligente

          pela simples obra do acaso

...para enfim compreender
      que o Universo
& os aglomerados, as galáxias & as estrelas, os quasares, planetas, luas, asteroides & o delírio da vida permeado por todo lado & todos os sofrimentos, alegrias, tédio, prazeres, fome, afazeres & supercordas, campos quânticos, átomos, moléculas  órgãos, vírus, bactérias & corpos, sociedades, sistemas, saberes, línguas, crenças & poemas, proezas, guerra, paz, ilusões, ódio, medo, insanidade, amor, morte...
   ...é tudo uma engenharia inútil!

Saúde

 

"A objeção, o desvio, a desconfiança alegre,

a vontade de troçar são sinais de saúde:

tudo o que é absoluto pertence à patologia:

Friedrich Nietzsche 

Vamos comer outros banquetes
   Nutrir outros ídolos, alimentar outros céus
Vamos provar outros deuses
   Outros princípios, nutrientes finais
Vamos beber de outros mananciais
   Outras águas, hidratações a mais
Vamos deixar de engolir amor & ódio
   Outros sofrimentos que calam a voz
Vamos sofrer de outras fomes
   Que nos permitam abrir os olhos & a mente
Vamos criar rebanhos de vacas sagradas
   Sorver seu leite & sua carne
Vamos plantar lavouras de soma
   Devorar sua seiva & seu delírio
Vamos emanar outras drogas
   Tão naturais como o ar
Vamos refinar o sal & o ouro do mar
   A existência crua ou cozida temperar
Vamos cultivar novas línguas & canções
   Para pensar salubre, bailar higiênico
Vamos conceber fazendas estelares
   Imprimir moléculas & naves interdimencionais
Vamos pastorear o sonho
   Nos curar dormindo, nos aperfeiçoar sorrindo
Vamos acabar com as carências
   Consumir com o lixo, consumar nossa força
Vamos sintetizar novos nutrientes
   Repensar a vida, recriar a morte
& vamos sair por aí
   Com o corpo forte & a mente sã

Sob as Sombras dos Edifícios

 

...ao que ninguém pergunta
...ninguém quer saber
Mas... se perguntares:
-Onde tens passado teus dias?
...eu te direi:
-Sob as sombras dos edifícios!
& todos resto
   é o que não cabe debaixo das sombras...

O Princípio, o Meio & o Infindo

 

Louvado seja, aquele que vence sem ferir
   nem ao outro, nem a si...

Habitando no meio
   do vazio de tudo;
Onde há
   espaço & tempo
Para perceber
   tudo se formar,
      surgir & desaparecer...
A mente tranquila
   permanece...

Agitações que não passam da superfície,
   o lugar de fricção entre o real & o irreal
      onde colidem o querer & a possibilidade,
   & se desenrola a ficção do bem & do mal...

Apenas aprecie
   sem julgar,
      escolher, rejeitar ou envolver-se;

Logo os primeiros ventos passam,
   as ondas se tornam previsíveis,
      ação & reação ganham contornos lógico;

& à medida em que você não se envolveu
   com as situações,
      os lugares, os momentos recorrentes,
Será também a medida da sua liberdade
   & o grau do sofrimento que irá passar!

As coisas do mundo não são grandes ou poderosas,
Nós que apenas
   achamos entrever seu início,
      & não conseguimos conceber
         como será seu final...

Nau de Cruzar Abismos

 

Vivi
eu vi
& escrevi...
Logo
   descrevi sem descrer
      ou até mesmo sem ver
Muitas das coisas que só imaginei...

Barquinhos de papel não tem âncora
Aves de origami não voam
Aviões de papel planam

Mas crê... a escrita é viva!
   ave-nau onde
     Navego & Voo...
   & parte de mim nela vive...

             Naveguei-Voei 

 

Origami

 

A vida é isso:
      Dobrar
          Desdobrar
      Escrever
Brincar
   Esquecer
        Navegar
                        Naufragar

Nós somos folhas a se preencher & se dobrar
Dar forma & conteúdo antes de acabar.

Áses

 

Todo abismo
tem a forma
de um nada
vazio infindo...
o seu vã vão                   
é para asas...                                ✔
carapaça casca
casco casa caça
de ocasos rasos
profundos... a se
atravessar com
corajosa travessura...
cruza-se a passos
de aves ou naves...
propulsão de barco
ou avião de papel
ou flecha disparada
por centauro arco...
todo abismo é feito
de precipício vácuo
& nada & fundo...
haja passo asa casco coração couraça & imaginação... para cair ou não... atravessar ou habitar o abismo & seu oco & seu chão...

Barquinho de Papel

 

Porque tudo na vida é frágil & passageiro
   mas não foge de nós...
Nos acha, encara & cobra!

Cruza
   oceanos & desertos de possibilidades
& então acontece...

...nem que seja
      escrito... dobrado... amassado...
         jogado fora
            & depois
               encontrado!

EscreVida

 

"Todo abismo é navegável

  a barquinhos de papel".

-Guimarães Rosa

Eu de manhã resgato
No turbilhão de lentos pensamentos
Um barquinho de papel
Que louco rodava no mar do tempo
   em que eu mesmo flutuava em sono
      enquanto não acordava...

No papel escrito
   parcos grifos
      de um poema que naufragava:

"escreve para viver
   escreve & crê,
aí pode largar
   quiçá esquecer,
dar ao fogo
   ou guardar & depois ler
      aquecer,
em raro papel
   erguido de dobras
     & vincos de palavras riscadas
com rabiscos de haicais
& frases aleatórias
   que o caos coou,
filtro do fluxo
   de pensamento
      onde a borra
         do que se quer poema
                  ficou,
nada raro papel
   que pelo processo da escrita
            passou,
costura no tecido do tempo
   repuxado pela gravidade
      dos sonhos
   & do esforço para tornar o amor
         realidade
...nem que seja
      escrito... "