12 de out. de 2010

O Foco da Dor ou ...Do Espinho

Deus entra no mundo
   pela fresta aberta de todas as nefralgias
Ele torna tudo tão real
   na roda que gira e atropela
      como toda essa orgia de dor
   na carne intumescida de uma certa indignação
   de um certo refugo e assombro
      quando na dor
         toda delicadeza acaba
   e o sentido da beleza e da vida
       se perde no susto constante
          do doer e doer e doer...

Deus entra no mundo
   pelo dente infeccionado
   pelo rasgo do anzol
   pelo corte do vidro
   pelo câncer em remissão
   pelo furo do espinho
   pela fratura exposta
   pela angústia do suicida

Deus entra no mundo
   na humilhação dos corpos
   na fraqueza da carne
   na vergonha das formas
   na insatisfação das fomes
   na ofensa das palavras
   na degradação das paixões
   na opressiva vigilância dos pudores

Deus entra no mundo
   desfazendo todos os nossos sonhos de tranquilidade
   matando tudo que um dia se curou e superou
   apequenando todo prazer mendigado no escuro
   preocupando toda felicidade com o instante seguinte
   findando toda abundância de juventude ou velhice
   degradando toda saúde e força em febre que ferve
   tornando tudo mais real e nu e cru e frio e quente

Deus entra no mundo
   nas dores dos partos
   nas dores dos prepúcios
   nas dores dos virgens
   nas dores dos úteros
   nas dores de estômagos
   nas dores dos cus
   nas dores das almas
Deus entra no mundo
   na dor incompreensível para os animais
   na dor incompreensível para as árvores
   na dor incompreensível para as estrelas
   na dor incompreensível de todos os inocentes
   na dor incompreensível da desproporcionalidade
   na dor incompreensível para o torturado
   na dor incompreensível para o torturador

Deus entra no mundo
   nos estupros coletivos
   nos atos de ódio racial
   nas ações das tropas de choque
   nas fileiras de tanques de guerra
   nas praças sitiadas por soldados
   nas câmaras de gás e campos de refugiados
   nos sacrifícios de seres vivos

Deus entra no mundo
   como o coma induzido
   como o incêndio criminoso
   como a cirurgia invasiva
   como a defenestração progenitora
   como a garganta em grito rouco
   como a emasculação religiosa
   como o olho do furacão

Deus entra no mundo pela dor,
Deus vêm por aí:
   como matador
   como anestésico
   como esquecimento
   como água
   como alívio
   como desforra
   como fôlego
   como consolo

Deus vêm por aí
   como choro que cansa e finalmente faz dormir
   como desespero convertido em coragem repentina
   como desistência expressa em pura oração
   como desapego contido na entrega final
   como perdão latente à todo ato imperdoável
   como ar que arrebata o afogado
   como resignação feita paciência ampla
   como sabedoria que ensina que tudo há de passar
      tudo há de, enfim, acabar! Findar!

Em toda dor há de dizer:
   que isso passará também!
Tudo há de passar!
E passará!
Paz que há de nos sarar!


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