30 de mar. de 2025

Atestamento

 

Se esse é o fim da estrada
Se é assim que as coisas acabam
   & se encaminham à inclusão do derradeiro
& acontece
   o não suposto
   o não sonhado
   o impensável
   o indesejado
      se concretizando, em cadeia, como fato
Nós não vamos voltar atrás
   & encarar de frente
      o final impensado, surpreendente
         em plena era
            do deslumbre pelo superficial
Não há para onde voltar
   A guerra que não erra
   A máquina que não se lastima
   A ciência que inconsciência
   A crença que descrença
   A IA IdiotA
Tudo isso deixo escrito em papel incinerável
   como testamento
      que nós chegamos até o fim
         mas não passamos do final...



28 de mar. de 2025

As Novas Horas

 

Passando pelo tempo, como hora marcada
Nas datas, em comemoração
   seja natal
   seja funeral

...dentro do tempo, cobrindo espaços expostos, o importante é saber quando, como & do que desistir...

Passando pelo tempo como carta marcada
Nas atas dos fatos, como rememoração
   seja surpresa
   seja repetição

...não se desapegue da euforia, não se apegue ao cançasso, nada é tão importante para fazer com  que tudo seja desimportante...

Passando pelo tempo, como procissão
Nos atos em irreversibilidade,  não locais, não causais
   seja princípio
   seja fim

...assim passando, pelas horas apagadas, gastas em nada, apressando o vazio à chegar finalmente nas vias de fato...



25 de mar. de 2025

Ponderações

 

...
Quietude de inércia
   a mil por hora
Silêncio de rouquidão
   sorriso de sapiência
...
Lembro-me antes de me julgar
   É tudo uma linha de consequências
   É tudo uma cadeia de reação
Lembro-me antes de me condenar
   É só uma fase
   É só o de sempre
...
Tribulações no limbo da existência
Marés de gente, indo & vindo
Em nossas vidas abissais
Entre o raso & o profundo
   Só ficam os afogados
   Deixados, abandonados, retirantes
...
Esqueço-me antes de odiar
   Gente rasa, gente mediana
   Gente profunda
Esqueço-me antes de desamar
   Penso em mim
   Um novo lugar
...




23 de mar. de 2025

O Oco

 

Boca faminta do nada
   em meio às nossas entranhas
Devorando os dias
   como décadas
Devorando a paz
   & o desassossego
O que ela engole
   se reproduz como enxame
O que ela devora
   aumenta sua necessidade

Boca faminta do abismo
Vejo-a no céu
   como o calor que precede a chuva
Vejo-a nas ruas, como o silêncio
   que procede da submissão
Está em todo lugar
   mordendo a felicidade
Abocanhando boa parte
   do desejo & do gozo
Implicando em tudo
   apenas insatisfação

Os velhos aportam-a
   como uma boca banguela que baba
Os jovens
   como boca bárbara que grita & cospe & cala
As crianças tem ela
   como a boca de um vampiro que chora
Boca faminta do nada
   à solta nas ruas
Começa seu banquete em nossas entranhas    & termina na alma
Sem preencher coisa nenhuma
   a não ser o nada & mais nada ainda



20 de mar. de 2025

A Gramática das Nuvens

 

O acaso escreve no céu
em linhas pomposas de nuvens de chuva
   o que eu acho & não acho de você...

As letras camufladas de lágrimáguas
esparsas na tela azul do dia dizem
   o que acho & perco de você...

No ocaso desses vocábulos
já nas alíneas dessas sentenças aéreas
   tenho oculto o que mais nem sei sobre você...



A Revolução das Nuvens

 

Uma forma exata & clara no céu
   um sinal, uma nítida visão
Se desfaz ao vento em poucos momentos
& o que era claro & exato
   se dilui até não mais existir
      no revolver dos ventos
Que nos assombram & decepcionam...
Eu olho os céus esperando um sinal
Eu olho para o alto
   esperando que o do alto desça até o chão
Eu tenho esperanças
   em clarões entre as nuvens
Mas tudo se desfaz
   em poucos momentos
      na revolução sossegada das nuvens


 

18 de mar. de 2025

Jogo

 

Há uma linha... uma descendência de
palavras intrigantes... Uma combinação
desnorteante de sentido insano no
conjunto de letras/vírus, diagramas,
algoritmos dicotomizados de tecnologia
biológica gramatical...

Jocus:
ludus, lúdico > iudus,  judeu, > julgo, jogo, joker, jogador, jocoso > gracejo, gaiato, graça > sorte >
bendito/amaldioçoado...


...tudo se decompõe...
      sem sentido...
...como um sonho...
      ou como a vida...
...estamos no processo...
      de desaparecer...
...vamos recordando...
      ao invés de esquecer...
...desgastando...
      dentro do tempo...
...arrastados...
      pelo espaço...
...confrontando...
       o vazio...
...com esse jogo de acertos & fracassos...
   tentativa & erro, apostas...
...porque a única coisa
      que exigimos da vida é
         sentido...
...em troca disso...
      ela nos dá
         sentimento...
...pedimos luz...
      recebemos sombras...
...até tudo dissolver...




16 de mar. de 2025

Indícios Afins

 

Faça o que quiser, mas chame as coisas do que são... Fale o que quiser, mas saiba que é de dentro de sua verdade parcial...

Está certo! Cada um vive sua realidade, mas temos bases em comum para nós comunicar... Cada um vê, fala ou escuta de seu fosso profundo de isolamento & escuridão...

Desconhecimento é regra à medida que mal conhecemos a nós mesmos... Porém uma coisa é inocência, outra ignorância, mas maldade não devia ser nossa posição diante de nada & ninguém...

Esse é nosso mínimo... somos mais... mesmo que pouco... em eterno surgir & desaparecer...

Afundados na areia movediça das superstição, da péssima educação, dos preconceitos, da incapacidade de raciocinar, dos mantos sobre mantos de controle, devíamos flutuar um pouco com a leveza da serenidade de pensamento...

Sempre em mente, que "parte, mas não o todo" é o que vemos, compreendemos, sabemos, apresentamos...

Então... do fundo dessa prisão... na luz de vela que acendi & zelo que queime até exaurir... mando à você uma saudação... um sinal de paz... & adeus!



15 de mar. de 2025

Mandala

 

Ontem à noite
   eu andei pelas ruas do fim do mundo
É tudo um círculo
   em volta de outros círculos
O início revisitado
   no fim
Com tudo diferente
   mas igual, enfim...
Ontem à noite
   acompanhado, mas sozinho
Passei longe
   perto de lugares que já estive
Passeei desviado
   por lugares que me perdi
& nas voltas do mundo
   o fim emendado de início
Eu continuei...



14 de mar. de 2025

Luzeiro

 

As estrelas lacrimejam luz
   pelas frestas entre muros
      de pés no chão
Cristalizam saudades
   pelo corte fino do brilho
      que cruzou abismos
& diz...
   Venho até você
      porque nunca irá até a mim!

O brilho repentino
   desses sois noturnos
      reveem à retina maltratada
Parecem brilhar mais que o comum
   como se pudesse acumular
      brilho não visto
& lembro...
   Faz muito tempo que não vejo
      estrelas no céu escuro!



8 de mar. de 2025

Pássaro Marrom

 

Só tomo o café
   para puxar a primeira trilha
Um tiro bom
   na asa do pássaro marrom...

Estou sugando isso
   para completar qualquer vazio
Mentira! Isso é só um vício
   só a continuação de um início

Um dia sem saber porque
   nem lembrar aonde
Você começa com isso
   & depois tudo está longe

A compulsão, a caridade,
   o trago, a mentira, a traição, o amar
Tudo faz parte do que somos
   & nos define sem nos representar

É que no mundo
   todos estão no front
De uma guerra que não declaramos
   mas que ao nascer apenas herdamos

Batalhões de estranhos,
   Exércitos de tapados
Fileiras de estúpidos,
   Cemitérios de otários

A máquina do controle
   está aí tentando te domesticar
Mas é tudo farsa
   para do que além a carne pode te dar

Varra para debaixo do tapete
   a poeira da consciência
Está barato o perdão,
   está até em promoção

Então defina sua lenda,
   estimule sua virtude & vício
Todo aquele que termina a noite em um bar   
   pode também com aquele que chora fazer par

A diferença
   no entanto sempre será
A maioria das vezes você pode contar
   com a mão de um bêbado, mas nunca
                       conte com a oração de um padre
   conte com o torpor, mas nunca com a
                                     graça vinda de um pastor



6 de mar. de 2025

Depois de Tudo

 

Onde eu deixei sobras
   eu não deixei nada
      importante de mim...

Onde abandonei restos
   o que de importante deixei foi o 'abandono'
      & não o que restou...

Onde deixei saudade
   lugar raro
      para onde posso retornar...


Marcas minhas em outras vidas
   simples arranhados
      que se curam em um dia...

Marcas nossas pelo caminho
   simples migalhas
      que o vento varreu...

Marcas alheias em mim
   placas de onde
      não mais ir...


Eu tenho agora formas exatas
   do que antes se passou
Tenho elas desenhadas em uma mapa
   que é para saber para onde não vou
Na vida cabe mais
   do que estar onde não se é querido

As memórias doídas
   eu as lanço no ermo
Que é mais fácil acharem o outro
   do que retornarem a mim mesmo
& se não acharem quem as lembre
   é porque devem ser esquecidas

& o que sobrará depois de tudo
   para além dos restos
Resquícios de relacionamentos
   & vestígios de convivência
Será apenas memórias
   de um tempo que não importa mais



Porque essas coisas imemoriais
   precedem o fim
      antes mesmo de começar a acabar
   & anunciam princípios
      mesmo antes de acabar de começar...



4 de mar. de 2025

Dharmakaya

 

& como o Buda
   que pregou um sermão em silêncio
      fazendo a flor de lótus
         girar em sua mão,
Eu prego meu sermão do trovão
   girando em minha mão 
      a grama arrancada do chão...

Quando eu estava louco
   recebia de volta
      o tanto necessário de insanidade
   para manter a chama da loucura ardendo
Agora que tudo passou
   vejo que a faísca para manter o fogo
      foi tirada do meu tempo & do meu corpo
   que se consumiram
      mas não tornei-me inteiro
         cinzas
Resta a força natural
   pureza transparente
      desse corpo de diamante
   precionado do carvão à jóia preciosa
& todas as coisas confusas
   que eu achava ser amor,
      alegria, ódio, tristeza...
   não passavam então de ser
      manifestações entre o desejo & a ilusão
         de um corpo submetido à alta pressão
            dentro do relâmpago da existência
Erva daninha na superfície da terra
   flor de lótus pairando sobre a lama
Meu barro, meu nada, meu chão
   repouso do relâmpago
      lar do trovão
O corpo permanece
   a mente resplandece
      unindo necessidade & transbordação




1 de mar. de 2025

Reverberâncias

 

Longa longa estrada na plástica realidade
Curta a dor

A gente não sai para o mundo pra se misturar com qualquer coisa...

A sua tristeza é... sua!
A sua demência é... sua!

Longa longa estadia na plácida realidade
Curta a alegria

A gente não sai para o mundo pra ser parceiro de qualquer um...

A minha felicidade é... minha!
A minha loucura é... minha!

...somos ondas, que passamos uns pelos outros... somos só perturbações importunando uns aos outros... rumamos cada um ao seu próprio repouso... até sermos anulados, uns incomodam, uns acomodam, outros se moldam... & seguem... imperturbáveis... nessa tempestade em copo d'água que é essa vida pequena...