28 de abr. de 2025

Rastro de Sombras

 

Com medo de nós mesmos
Escondendo isso no ego
Seguimos tateando no labirinto
Com sinais de proíbido fosforescentes
Com medo do escuro
Mas maior medo ainda do fogo

Espera o dia raiar
Pra sair da caverna
Espera a energia voltar
Pra carregar a tela do celular
Espera a lua subir
Para ir caçar ao luar

Com medo do escuro
Aprendemos a comer luz
Nessa fome eterna
Engolindo brilho seco
Com pontas afiadas de estrelas
Deixamos rastros de sombras por onde vamos




27 de abr. de 2025

Junta Caledoscópica

 

Vai haver uma manhã
onde todos os espelhos estarão quebrados
Ou você vai estar apenas...
...de olhos fechados
Vai chegar o dia
em que poderemos descansar
Da opressão de tanto precisar
sem sedermos descanso
& saberemos enfim...
...voltamos aos braços da noite
Você vai ver, de olhos fechados
os cacos de sua vida se emendarem
Em um mapa de trilhas de cicatrizes
esse corpo que reflete luz...
Vai haver uma manhã
em que haverá um despertar
Em vez de espelhos trincando
você verá continentes colidindo
& sua unidade de corpo & mente...
...estará insanamente sã novamente
Este trincado aberto irá se juntar
& haverá abertura para se curar...



26 de abr. de 2025

Névoa

 

Eu me sinto confortável
   quando a neblina despe
...dizem que ela "desce", mas na verdade ela sobe...

Estou dentro do véu
   que abraça a luz & extende o sonho
...anulando a realidade banal...

Me sinto na penumbra do brilho
   cerração que vampiriza o neon
...& nos movemos rumo ao muro de branco profundo...

Na rua desenruada
   não há ninguém, só quem transrua
...somos espectros que passam uns dentro dos outros...

Um ruído branco se propaga
   desde o coração nublado até o gemido  nebular
...& o eco dos grilos preenche a bruma...

Até chegar, por entre a neblina
   tudo é uma suspensão que nos aproxima
...estamos à um passo de um acerto irreversível...

É o sopro do dragão
   é o sussurro do fundo flume
...que sobe desde o poço & se espalha como chuva inversa...

& quando menos se vê
   o sol espalha quem ele havia derrubado
...& o dia claro irremediável se estende até a noite outra vez...

Sem não antes
   baixar a pesada tênue cerração
...diluindo entreluz as coisas que são absorvidas da visão...

É mais longa a pouca hora de neblina
   que todo um dia de resplendor
...porque ali no berço névoa repousa uma paz & mistério em que adoramos estar...



25 de abr. de 2025

Ao Pó do Pó

 

Às vezes
penso que morrer seria
   acordar sozinho no mundo
Sem ter o que fazer
sem ter quem ver
   apenas vagar só por aí
Morrer seria
de um lado desaparecer do mundo
   & os outros no mundo sumir para mim
& ficaria assim só
por um tempo incontável
   até as coisas envelhecerem & ruirem
O mato crescendo
nas frestas do asfalto
   as paredes trincando & tudo esvaecendo
Às vezes
penso que morrer
   seria apenas ver o mundo morrer também



24 de abr. de 2025

A Carne de Marcela


Tua forma
Minha fome
A forma que encaro tua carne
Da forma como ela é
Como a como
Como minha
Como cara
Para minha própria forma & fome
Tua carne
Nua & crua
Morena
Disforme ao grau da perfeição
Harmonizada ao acaso único
Que te dá a cara & a forma que tem
Que te dá o nome
À tua forma
Para minha fome



23 de abr. de 2025

"Bom dia..."

 

Às vezes... pela manhã... urge essa vontade de dizer algo, declarar ao pequeno mundo que me assiste com olhos indiferentes algo de bom, enaltecedor, que mostre minha disposição, minha fé, etc.
   Mas não é vontade, é só contágio, a doença atual de parecer disposto, agradecido, energizado... enquanto estamos todos, porém, vazios e destruídos!
   Então, não tenho palavras alheias que me servem, não tenho versículos, provérbios, nem adágios ou ditados sem sentimentos pessoais achados em um gerador de lero-lero qualquer para "começar meu dia bem".
   Faço disso um favor à quem me enche de suas tolices matinais diárias. Posso muito bem passar sem isso que não serve nem para você.
   Fora do contágio, dessa praga digital que invade os olhos, ouvidos, mentes... sempre amanheço com uma canção tocando na cabeça, isso talvez seja a única expressão do alívio que meu pensamento busque ao despertar do sono para vir lidar com os sonâmbulos...
   Um "bom dia" basta, à titulo de "não vou te incomodar", porque para além disso, nada podemos desejar ou sequer fazer que os outros tenham!



21 de abr. de 2025

Passagem

 

Me deram para comer o pó desse chão
Junto ao ar que respiro
Ninguém fez conta do peso da fuligem
A conta quem me mandou foi a vida

Rodando em linha reta
Na quadratura desse círculo
Eu passo sempre pelas mesmas ruas
Em horas desertas

Meus dias são noites
Minhas noites sonolência
De sol a sol que não vejo
Sonho com a estrada

Eu sei de tudo que me abandonou
Eu sei o que abandonei
Não vou cobrar de ninguém
Mas também não tenho nada a pagar

Um dia a mais, um dia a menos
Essa conta que não fecha
Carregando nas costas o peso da saudade
& nos pulmões o pó que reviro


 

19 de abr. de 2025

desBitsar

 

Já temos algo significante
   para abandonar & esquecer
Uma grande guerra
   onde lutar & morrer
O mundo se encheu
   de certa fabulosa inutilidade
Que se tornou relevante
   descartar essa futilidade
A grande frivolidade de nossa era
   todas essas redes
   com seus giga, terra, bits & betas
O digital
   & o seu nada
Já temos algo grande
   para esquecer & abandonar
Essa unidade
   que trouxe desunião
A volta ao ser...tão...



17 de abr. de 2025

Veredas

 

Vereda I - Azo

"Caminho"
  já é uma palavra grande demais
  para distâncias que percorremos,
Quem dera sempre o chamar
de "lar".

Pois mesmo a palavra "vereda"
  já contém toda "verdade"
  que se faz ao percorrer.


Vereda II - Lapso

Fora lá
  no Lar

Lar afora
  aqui



Vereda I\I - Atalho

Cravo um talho no pisado
Entre o caminho & o caminhado
                           o lar
Atalho
   caminho do meio
Um talho na senda da causa & efeito
Uma trilha dentro da trilha
   que despista
      o meio fora de eixo
         do caminho


Vereda IV - Sendeiro

Meu coração na estrada vazia
Rodando...
     produz um som lento & pesado
Passando como máquina arrancando asfalto
Não deixando rastro nem nada para trás
Indo...
     como uma tempestade que varre tudo
Perdendo rumos, encontrando caminho
Meu coração na estrada vazia
É coisa única...
     nunca vista na natureza
Um bloco imaterial que arrasta calma & fúria
& cega a visão com faróis para escuridão
O abismo caminhando na face da terra
Na estrada que se faz pra frente
   sem ter como contornar


Vereda V - Caminho/Lar

Quantas vezes o meu coração
   esteve nessa estrada vazia
Sem hora, dia ou onde chegar
Quantas vezes são assim meus dias...

Agora que mais uma vez
   o mapa da vida mudou sem avisar
& os destinos & partidas
   são novos pontos a se fixar
A estrada que se faz pra frente
   sem ter como retornar

Quantas vezes os meus pés pisaram
   nesses novos velhos lugares
Onde nunca estive, mas sempre passei
Quantas vezes é assim meu caminho...


Vereda VI - Enveredar

Quantas vezes, contadas em passos, pegadas,
  teremos que intercambiar, combinar perdidos & achados, princípio & fim, partida & chegada? Tempo & espaço? Velocidade & lugar? Talhos & atalhos? Verdades & veredas?
Tantas vezes, que confundimos & compreendemos as voltas, os rumos, as viradas que a vida dá,
Pela longa estreita estrada de correr & repousar!
É tudo só partir & chegar, quando é também perder & achar...
No Caminh(L)ar.




6 de abr. de 2025

Funambulações

 

Eternidade é
   esperar algo bom
...a longa espera por estrelas se acenderem & apagarem...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!


Piso em lugares que nunca pisei
   pois não ando pelos mesmos caminhos
...a longa estrada sem começo nem fim...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!


Equilibro na corda bamba
   que vibra sonora a canção da vida
...a longa oscilação de um lado para o outro no desconhecido...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!


Eu sou um buscador
   do não redundante na repetição
...o longo tormento de emanar a novidade dentro da possibilidade...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!



3 de abr. de 2025

Afago

 

Esse é o mistério do figo:
Inversa flor
   que come a vespa
Dissolve o ferrão em doce
   de rosa sabor

O afago
   é o fruto da árvore que caminha...
Nesse afago fim da fome
Esse afago fim do fogo
Tal afago fim fardo
Ausência da fuga
Fagulha
Fissura
Figo
Flor



2 de abr. de 2025

Carícia

 

...não deixe o pó
   se acumular no canto dos lábios
fazendo aquela parte fina pesar
   & ser puxada pela gravidade das coisas...

...deixe sempre limpo
   da fuligem que se acumula
nas digitais das mãos
   que não tocam outro corpo...

...lembre-se exercitar
   essa coisa rara & única
que é a capacidade
   de fazer outra pessoa sorrir...



1 de abr. de 2025

Pog

 

Há esse monte
   erguido com minha coluna
Sobre a cordilheira de ossos
   & pedras esculpidas ao cubo...

A natureza não gera
   rochas quadradas, não traça linhas retas
Mas a natureza humana
   soergue fortalezas, sendas certas
      na rocha, na alma, no céu...

É o monte seguro
   de nosso espírito revolto
É a terra pura planejada com caos
   que resiste à submissão ao mal...