23 de jan. de 2025

Rigor Vitæ

 

O caminho é uma trilha de música,
   ruídos, murmúrios, ecos,
      da cama até onde nos enganamos
   achando ganhar a vida, perdendo-a,
Dos sonhos até a dura realidade...

À leste o incêndio da alvorada avança
   refreando ou alvoroçando os desejos;
Está tudo cercado de compromissos,
   desde nossa pele para as feridas
      até o escasso tempo
         que vendemos para a lida...

A prisão entra pelo relógio
   avança pelo intestinos,
      passa pelos olhos, os ouvidos, nariz;
A prisão é uma presença invisível
   que sentimos mas não identificamos
       & assim não temos como escapar...

Tudo parece mas não é
   mesmo sendo
O sono que não descansa
   a prosperidade que não desonera
   o amor sem retorno
   a tranquilidade sem serenidade...

Então...
   só quando o dia amanhece
É que vemos o estado do céu acima de nós
& o que se esconde nas sombras
   que nos cercam;
Até não poder, de novo, nem fugir,
   só fingir que não há nenhuma dor...



19 de jan. de 2025

Musgus

 

O mofo compõe o bolor de meu pensamento
...vai se agregando em partículas úmidas
   verde azul cinza de instância esponjosa...

O lodo das lembranças
   cruza a estação das chuvas
Até se desfazer quando o verão acabar
Virará poeira de memória gasta
   assim que o outono chegar

Acumula o limo que desliza para cima
   na antigravidade da dissolução
Esfrego cinza verde pela pele ilibida
   & secreto espuma lisa do meu corpo
      que degrada também
         como o mofo de meus culhões

Toda temporada é agora
   um sonho extenso de bolor também
& pelas casas, ruas, bueiros
   faixas obscuras das descontruções
      corpos, corredores & fundos
O fungo se espalha

Está apenas presente limo
   no ambiente como a gente
Úmido, escuro, quente
Transitando entre o lodo puro
   & a losna soturna demente

Assim, quando o azul do céu firma
   retraindo instantâneo
      o verde bolor preemente da mente
Espera paciente o mofo
   pela próxima chuva para prosperar ainda
      o sufoco que é esquecer & repousar
         na lama fina da vida



17 de jan. de 2025

Dasein

 

Logo chega, sempre aqui... são pensamentos
   que se confundem entre imagem
      & palavra
Um pulso caudaloso empurra
   no filtro da consciência
      que não para
É um canal aberto
   um rasgo, um fratura
      coagulando... sentimentos
Tudo operando nesse nível
   mas nunca se confundindo os de um com os  outros
      formas soltas fora de nós
Não se confundindo mas se misturando
   interferindo no rumo das vidas
      vamos alheios formando o todo
Em cima da terra, sob as nuvens
   entre os animais & as plantas
      por entre os labirintos com sentido
Despertos sonâmbulos
   presas predadoras
      animais racionais
Vamos todos ao lado uns dos outros
   & totalmente sozinhos
      inventando à nós mesmos
& se há algum motivo
   talvez seja "acontecer"
      até que enfim desaparecer
Sem palavras finais
   sem posteridade
      apenas aquiescer ao vem
Se o deus não joga dados
   nós muito provavelmente
      vivemos para jogar, ganhar & perder




15 de jan. de 2025

Linha do Tempo

 

O futuro contamina o passado...   o passado adoece de futuro...   o presente é uma febre do tempo...   & como as hordas de poucos   que vieram do futuro   & aqui fizeram seus ninhos   no passado de seus antepassados    como essas hordas de invasores   de poucos   poucos...   Enxames de broncos homens   como insetos blindados pela antevisão    eles aplicaram na bolsa   compraram lotes   investiram em invenções   executaram pessoas   mas não mudaram nada...   Eles invadiram outros tempos   invadiram outro mundo   fizeram fortunas   causaram guerras   mas tudo continuou o mesmo   o mesmo passado do mesmo futuro...   O que mudou?   O que mudou para nós?   O que mudou para eles?   O que mudou na linha do tempo?   Nada!   nem o tempo   nem o mundo   nem as coisas...   Sempre vieram   sempre violaram a ordem   sempre só para si   moldando um futuro impossível de mudar...   & depois partiram como sempre partem   como qualquer um parte   nos braços da morte...   Pois viajar no tempo é fácil    é como se deslocar dentro de uma prisão   dentro de uma cela para outra cela    onde as grades não impedem a luz   o vento   ou o pensamento de se mover...   Viajar no tempo não é impossível    & nem é crime   é só questão de poder...   Na carapaça do escaravelho   escondido o mapa duro do tempo por onde se enfiam   no peso da armadura do besouro que o tomba & leva à morte   no rastro que rola cada inseto que carrega terra   & espaço    & assim tempo   eles vem   fecais...   desestabilizar a si mesmos   pois no futuro também há fome   também há sede    também há loucura   & não há permutas nem fuga no tempo   só uma insana transação de restos temporais...   O passado cada vez mais insalubre   o antepassado cada vez mais doente   envenenado pelo futuro   é só isso que espalha a febre do futuro    cançasso no passado...   Assim   eu aqui   estou tranquilo com minha convalescença    escrevendo de trás para frente uma antevisão do que não aconteceu & aconteceu...   Eu estou aqui tratando uma doença com mais doença...   Infecto de futuro   são de passado    remediado de presente...   viajando pela prisão de frente pra trás    de atraso para frente   no arrasto do que invasores do futuro desplanejaram...




13 de jan. de 2025

Segunda-feira

 

Numa manhã chuvosa
Eu arrastei uma visão do sono
& a misturei à uma visão que só eu vi

Numa manhã chuvosa
Eu colhi uma flor escura na aurora
Era uma flor de lembrança
   uma pétala de saudade
   uma pétala de desejo
   uma pétala de maldade
   uma pétala de sono

Eu não sou daqueles que começa o dia
   com um "era uma vez..."
      ou com um "abençoa senhor..."
Eu não sou daqueles que começa o dia
   com um pensamento positivo...
Geralmente acordo
   com uma música em mente
Que trouxe lá debaixo dos sonhos
   cantarolando para salvar um pouco
      da memória & da sanidade
         da noite que passou...

Eu sei que tudo que tem que dar certo
   neste dia, dará
& tudo que tem que dar errado
   também acontecerá
Mas entre o sono & a necessidade de acordar
   eu nem penso em certo ou errado
Simplesmente me lanço no inevitável
   sem contos de fadas
   sem subornos divinos
   ou cansativa positividade
Eu simplesmente me lanço
   na irrefutável certeza de que estou aqui agora
   & parto para fazer o melhor possível...


 

 


11 de jan. de 2025

Os Últimos Dias de Pompéia


Enquanto todo mundo
   cava um buraco para se enfiar
Sem o abrigo das paredes
   ou das palavras
Veja só... eu & você aqui
   expostos em público à radiação do olhar

Enquanto uma crise de esperança
   se espalha pelas redes
Impulsionada à ressentimento & impotência
   & os insanos estocam carne & farinha podre
Veja só... eu & você aqui
   só com a saliva um do outro pra beber

Enquanto nas ruas
   se fecham os bares & lotam as igrejas
Se fecham os olhos & os punhos
   & abrem as rinhas & as feridas
Veja só... eu & você aqui
   tentando um acordo de paz
      entre o amor & as paixões


... .

 

Chega de reticências.
Já é hora de ponto final...



10 de jan. de 2025

《○ň+ŕª§ţ& \/

 

É um contraste, apenas um contraste
   entre o que você tem para dar
      & o que você quer possuir
A realidade é só a tela de fundo
   onde parte da luz que você projeta vai bater
      & compor certa imagem
& vemos, ou melhor, vi-vemos
   entre o dar & o possuir
      ilumina-se então o
              possível
& nós fazemos com isso
   uma única escolha
   o possível já é essa escolha
      que se torna... nossa vida!

                                                                 contraste



《0ņ&č+ə /\

 

É um pesadelo acordado
Estar conectado tem seu preço
    & custe o que custar...
É um pesadelo desperto
   Um desespertadelo
Dê o dinheiro >>> conecte-se >>>
Todos acham justo
   Ninguém vai criticar 
      Mas há um sentimento residual
   De não compreensão
      De não saber o que se passa
Qual é a prisão
    Que liberdade há
O véu é mais espesso
Grosso como parede
   É mesmo um duplo-duplipensar
      Para um lado & para o outro
& disso só pode surgir
   Alienação & ódio

                                                                    conecte



9 de jan. de 2025

Revolta Ex Nihil

 

Ex nihilo
nihil fit

Sim, somos estrangeiros acidentais
Temos nossa nostalgia inexplicável
Nos envolvemos em absurdos
Estar no tempo/espaço é insandencedor
Só o nada no fim de tudo
   tem o consolo que nos cura da existência

Essa nossa condição de exilados
Remetidos apenas à intenção do retorno
...& de onde viemos? ...do nada!
& para lá tendemos voltar

Essa vida é só uma recordação
Que processamos nesse momento
Um instante de cada vez
Lá, repousando no colo da eternidade

Ex nusquam
nihil apparet



8 de jan. de 2025

Doorman

 

A insanidade vem em fios pela luz
A insanidade chega em carros pelo barulho
A insanidade vem pelos canos com a água
A insanidade chega à pé com os passos

Você é o trinco da porta
Você é o olho da câmera
Você é a caixa de esgoto
   por onde passa a lama
      da existência de mil pessoas
Você lida com isso
Você lida com a carga
Você põe de lado sua vida
   pra resolver coisas das vidas
      de outras mil pessoas
Você é uma parte da máquina
Você é um luxo à parte
Você doa sua sanidade
   para lidar com a insanidade
      de estranhas mil pessoas
Você não trabalha no sanatório
Você não trabalha em um curral
Você não trabalha na prisão
   mas parece ter todo seu tempo
      sugado pelas almas de mil pessoas

Viemos da fome para sermos comido
Viemos da sede para sermos sorvidos
Viemos da saúde para adoecer
Viemos da necessidade para servir



7 de jan. de 2025

Alenta a Lenda

 

Reza a lenda
Imita o mito
Minhas asas de Ícaro
   Para cair de mais alto
Meu novelo de Teseu
   Para me perder fora do labirinto
Meu cavalo de Troia
   Para invadir o sertão
                                    Fabula a fábula
                                    Revela ações
Meu toque de Midas
   Para pavimentar a estrada para o suicídio
Meu escudo de Perseu
   Para decepar com faca cega a Górgona
Minha caixa de Pandora
   Para libertar a esperança
                                   Cientifica a ficção
                     Que o faz de conta não dá conta
                         de todas nossas tribulações...



5 de jan. de 2025

Perfer et obdura

 

Tem sempre um muro à espreita
   Pra se quebrar a cara
Tem sempre um fosso pronto
   Pra se cair no fundo
Tem sempre uma mão pesada
   Pronta pra um tapa
& uma cara exposta
   Ao alcance de um soco

Eu salto em um buraco negro
   Procuro amores não correspondido
Eu corro na estrada sem saida
   Socorro serpentes venenosas no escuro
Eu caço feras com as mãos vazias
   Me lavo na chuva ácida
Eu conjulgo o verbo colidir
   Como se fosse o sentido da vida

Não conheço ainda
   Toda extensão subterrânea do Paraíso
Não vi a fronteira
   Do deserto de todo este êxodo
Não senti ainda
   O carinho incondicional de um afeto
Não passei
   Por toda vergonha da embriaguez da vida


"Perfer et obdura; 
dolor hic tibi proderit olim".
Ovídio


 

3 de jan. de 2025

Clarinar

 

Um galo rouco canta manhãs
   das cordas de seu fino pescoço...

Penso que podia ser uma máquina rangendo horário na chaminé de uma árvore cortada,

Se confunde com os alarmes das casas invadidas, dos carros que foram arrombados, & do atraso no raiar da segurança de toda aurora...

Penso que poderia ser a ranhura de uma nuvem se abrindo estridente vocal ao vento cortada por uma antena de telefone que não comunica mais nada;

Um galo louco cacareja amanhãs
   das cordas de seu pescoço emplumado...

Se mistura com as sirenes das ambulâncias & da policia, que perseguem, buscam os achados & os perdidos da madrugada,

Penso que poderia ser o pneu de um carro derrapando uma curva, desenfreado & acelerando para os muros até não chegar no seu destino,

Se confunde pelo bairro com o sinal de ocupado das chamadas perdidas que nem se fazem mais;

Mas é um galo, sem sua noite, em um quintal de concreto... anunciando... o dia, o mês, o ano, a vida... que acabaram & de novo começou!



2 de jan. de 2025

Incessante

 

Lá vamos nós, até antes do incessante
O primeiro segundo imperceptível...
Passa antes de cessar
& nada para
O primeiro minuto insignificante...
Já é dia, já mudou a data, a concepção
Lavamos o sujo
A primeira hora & é tudo igual...
Dê um tempo, dê as caras
Respire pra ver que quase nada mudou
O primeiro dia passa rápido...
Passa como sempre passou
Temos os olhos no amanhã
As costas no ontem
Uns para os muros, outra para o chicote
Logo será uma semana...
Depois um mês...
O ano...
No mesmo rio ou mar
Que não se banha duas vezes
Vá vendo, assistindo, resistindo
Lavando, passando, dobrando
O tecido do espaço
O véu do tempo
Lavrando, pastando, sobrando
Na textura do tempo
No abismo do espaço
A eternidade perpassa...



1 de jan. de 2025

Naufragano

 

Na beira do mar
Mais uma onda naufraga
Logo engolida pela areia que nunca se sacia!

Será a onda partícula de tempo?
Será a areia na ampulheta medida do tempo?
Será o mar uma face do infinito do tempo?

Só sei de mim, de nós, de todos:
Enganados no tempo, ignorantes no espaço!
Náufragos à cada 1⁰ de Janeiro...