6 de abr. de 2025

Funambulações

 

Eternidade é
   esperar algo bom
...a longa espera por estrelas se acenderem & apagarem...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!


Piso em lugares que nunca pisei
   pois não ando pelos mesmos caminhos
...a longa estrada sem começo nem fim...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!


Equilibro na corda bamba
   que vibra sonora a canção da vida
...a longa oscilação de um lado para o outro no desconhecido...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!


Eu sou um buscador
   do não redundante na repetição
...o longo tormento de emanar a novidade dentro da possibilidade...
Entre uma coisa & outra... o nada
   suficiente para preencher tudo!



3 de abr. de 2025

Afago

 

Esse é o mistério do figo:
Inversa flor
   que come a vespa
Dissolve o ferrão em doce
   de rosa sabor

O afago
   é o fruto da árvore que caminha...
Nesse afago fim da fome
Esse afago fim do fogo
Tal afago fim fardo
Ausência da fuga
Fagulha
Fissura
Figo
Flor



2 de abr. de 2025

Carícia

 

...não deixe o pó
   se acumular no canto dos lábios
fazendo aquela parte fina pesar
   & ser puxada pela gravidade das coisas...

...deixe sempre limpo
   da fuligem que se acumula
nas digitais das mãos
   que não tocam outro corpo...

...lembre-se exercitar
   essa coisa rara & única
que é a capacidade
   de fazer outra pessoa sorrir...



1 de abr. de 2025

Pog

 

Há esse monte
   erguido com minha coluna
Sobre a cordilheira de ossos
   & pedras esculpidas ao cubo...

A natureza não gera
   rochas quadradas, não traça linhas retas
Mas a natureza humana
   soergue fortalezas, sendas certas
      na rocha, na alma, no céu...

É o monte seguro
   de nosso espírito revolto
É a terra pura planejada com caos
   que resiste à submissão ao mal...



30 de mar. de 2025

Atestamento

 

Se esse é o fim da estrada
Se é assim que as coisas acabam
   & se encaminham à inclusão do derradeiro
& acontece
   o não suposto
   o não sonhado
   o impensável
   o indesejado
      se concretizando, em cadeia, como fato
Nós não vamos voltar atrás
   & encarar de frente
      o final impensado, surpreendente
         em plena era
            do deslumbre pelo superficial
Não há para onde voltar
   A guerra que não erra
   A máquina que não se lastima
   A ciência que inconsciência
   A crença que descrença
   A IA IdiotA
Tudo isso deixo escrito em papel incinerável
   como testamento
      que nós chegamos até o fim
         mas não passamos do final...



28 de mar. de 2025

As Novas Horas

 

Passando pelo tempo, como hora marcada
Nas datas, em comemoração
   seja natal
   seja funeral

...dentro do tempo, cobrindo espaços expostos, o importante é saber quando, como & do que desistir...

Passando pelo tempo como carta marcada
Nas atas dos fatos, como rememoração
   seja surpresa
   seja repetição

...não se desapegue da euforia, não se apegue ao cançasso, nada é tão importante para fazer com  que tudo seja desimportante...

Passando pelo tempo, como procissão
Nos atos em irreversibilidade,  não locais, não causais
   seja princípio
   seja fim

...assim passando, pelas horas apagadas, gastas em nada, apressando o vazio à chegar finalmente nas vias de fato...



25 de mar. de 2025

Ponderações

 

...
Quietude de inércia
   a mil por hora
Silêncio de rouquidão
   sorriso de sapiência
...
Lembro-me antes de me julgar
   É tudo uma linha de consequências
   É tudo uma cadeia de reação
Lembro-me antes de me condenar
   É só uma fase
   É só o de sempre
...
Tribulações no limbo da existência
Marés de gente, indo & vindo
Em nossas vidas abissais
Entre o raso & o profundo
   Só ficam os afogados
   Deixados, abandonados, retirantes
...
Esqueço-me antes de odiar
   Gente rasa, gente mediana
   Gente profunda
Esqueço-me antes de desamar
   Penso em mim
   Um novo lugar
...




23 de mar. de 2025

O Oco

 

Boca faminta do nada
   em meio às nossas entranhas
Devorando os dias
   como décadas
Devorando a paz
   & o desassossego
O que ela engole
   se reproduz como enxame
O que ela devora
   aumenta sua necessidade

Boca faminta do abismo
Vejo-a no céu
   como o calor que precede a chuva
Vejo-a nas ruas, como o silêncio
   que procede da submissão
Está em todo lugar
   mordendo a felicidade
Abocanhando boa parte
   do desejo & do gozo
Implicando em tudo
   apenas insatisfação

Os velhos aportam-a
   como uma boca banguela que baba
Os jovens
   como boca bárbara que grita & cospe & cala
As crianças tem ela
   como a boca de um vampiro que chora
Boca faminta do nada
   à solta nas ruas
Começa seu banquete em nossas entranhas    & termina na alma
Sem preencher coisa nenhuma
   a não ser o nada & mais nada ainda



20 de mar. de 2025

A Gramática das Nuvens

 

O acaso escreve no céu
em linhas pomposas de nuvens de chuva
   o que eu acho & não acho de você...

As letras camufladas de lágrimáguas
esparsas na tela azul do dia dizem
   o que acho & perco de você...

No ocaso desses vocábulos
já nas alíneas dessas sentenças aéreas
   tenho oculto o que mais nem sei sobre você...



A Revolução das Nuvens

 

Uma forma exata & clara no céu
   um sinal, uma nítida visão
Se desfaz ao vento em poucos momentos
& o que era claro & exato
   se dilui até não mais existir
      no revolver dos ventos
Que nos assombram & decepcionam...
Eu olho os céus esperando um sinal
Eu olho para o alto
   esperando que o do alto desça até o chão
Eu tenho esperanças
   em clarões entre as nuvens
Mas tudo se desfaz
   em poucos momentos
      na revolução sossegada das nuvens


 

18 de mar. de 2025

Jogo

 

Há uma linha... uma descendência de
palavras intrigantes... Uma combinação
desnorteante de sentido insano no
conjunto de letras/vírus, diagramas,
algoritmos dicotomizados de tecnologia
biológica gramatical...

Jocus:
ludus, lúdico > iudus,  judeu, > julgo, jogo, joker, jogador, jocoso > gracejo, gaiato, graça > sorte >
bendito/amaldioçoado...


...tudo se decompõe...
      sem sentido...
...como um sonho...
      ou como a vida...
...estamos no processo...
      de desaparecer...
...vamos recordando...
      ao invés de esquecer...
...desgastando...
      dentro do tempo...
...arrastados...
      pelo espaço...
...confrontando...
       o vazio...
...com esse jogo de acertos & fracassos...
   tentativa & erro, apostas...
...porque a única coisa
      que exigimos da vida é
         sentido...
...em troca disso...
      ela nos dá
         sentimento...
...pedimos luz...
      recebemos sombras...
...até tudo dissolver...




16 de mar. de 2025

Indícios Afins

 

Faça o que quiser, mas chame as coisas do que são... Fale o que quiser, mas saiba que é de dentro de sua verdade parcial...

Está certo! Cada um vive sua realidade, mas temos bases em comum para nós comunicar... Cada um vê, fala ou escuta de seu fosso profundo de isolamento & escuridão...

Desconhecimento é regra à medida que mal conhecemos a nós mesmos... Porém uma coisa é inocência, outra ignorância, mas maldade não devia ser nossa posição diante de nada & ninguém...

Esse é nosso mínimo... somos mais... mesmo que pouco... em eterno surgir & desaparecer...

Afundados na areia movediça das superstição, da péssima educação, dos preconceitos, da incapacidade de raciocinar, dos mantos sobre mantos de controle, devíamos flutuar um pouco com a leveza da serenidade de pensamento...

Sempre em mente, que "parte, mas não o todo" é o que vemos, compreendemos, sabemos, apresentamos...

Então... do fundo dessa prisão... na luz de vela que acendi & zelo que queime até exaurir... mando à você uma saudação... um sinal de paz... & adeus!



15 de mar. de 2025

Mandala

 

Ontem à noite
   eu andei pelas ruas do fim do mundo
É tudo um círculo
   em volta de outros círculos
O início revisitado
   no fim
Com tudo diferente
   mas igual, enfim...
Ontem à noite
   acompanhado, mas sozinho
Passei longe
   perto de lugares que já estive
Passeei desviado
   por lugares que me perdi
& nas voltas do mundo
   o fim emendado de início
Eu continuei...



14 de mar. de 2025

Luzeiro

 

As estrelas lacrimejam luz
   pelas frestas entre muros
      de pés no chão
Cristalizam saudades
   pelo corte fino do brilho
      que cruzou abismos
& diz...
   Venho até você
      porque nunca irá até a mim!

O brilho repentino
   desses sois noturnos
      reveem à retina maltratada
Parecem brilhar mais que o comum
   como se pudesse acumular
      brilho não visto
& lembro...
   Faz muito tempo que não vejo
      estrelas no céu escuro!



8 de mar. de 2025

Pássaro Marrom

 

Só tomo o café
   para puxar a primeira trilha
Um tiro bom
   na asa do pássaro marrom...

Estou sugando isso
   para completar qualquer vazio
Mentira! Isso é só um vício
   só a continuação de um início

Um dia sem saber porque
   nem lembrar aonde
Você começa com isso
   & depois tudo está longe

A compulsão, a caridade,
   o trago, a mentira, a traição, o amar
Tudo faz parte do que somos
   & nos define sem nos representar

É que no mundo
   todos estão no front
De uma guerra que não declaramos
   mas que ao nascer apenas herdamos

Batalhões de estranhos,
   Exércitos de tapados
Fileiras de estúpidos,
   Cemitérios de otários

A máquina do controle
   está aí tentando te domesticar
Mas é tudo farsa
   para do que além a carne pode te dar

Varra para debaixo do tapete
   a poeira da consciência
Está barato o perdão,
   está até em promoção

Então defina sua lenda,
   estimule sua virtude & vício
Todo aquele que termina a noite em um bar   
   pode também com aquele que chora fazer par

A diferença
   no entanto sempre será
A maioria das vezes você pode contar
   com a mão de um bêbado, mas nunca
                       conte com a oração de um padre
   conte com o torpor, mas nunca com a
                                     graça vinda de um pastor



6 de mar. de 2025

Depois de Tudo

 

Onde eu deixei sobras
   eu não deixei nada
      importante de mim...

Onde abandonei restos
   o que de importante deixei foi o 'abandono'
      & não o que restou...

Onde deixei saudade
   lugar raro
      para onde posso retornar...


Marcas minhas em outras vidas
   simples arranhados
      que se curam em um dia...

Marcas nossas pelo caminho
   simples migalhas
      que o vento varreu...

Marcas alheias em mim
   placas de onde
      não mais ir...


Eu tenho agora formas exatas
   do que antes se passou
Tenho elas desenhadas em uma mapa
   que é para saber para onde não vou
Na vida cabe mais
   do que estar onde não se é querido

As memórias doídas
   eu as lanço no ermo
Que é mais fácil acharem o outro
   do que retornarem a mim mesmo
& se não acharem quem as lembre
   é porque devem ser esquecidas

& o que sobrará depois de tudo
   para além dos restos
Resquícios de relacionamentos
   & vestígios de convivência
Será apenas memórias
   de um tempo que não importa mais



Porque essas coisas imemoriais
   precedem o fim
      antes mesmo de começar a acabar
   & anunciam princípios
      mesmo antes de acabar de começar...



4 de mar. de 2025

Dharmakaya

 

& como o Buda
   que pregou um sermão em silêncio
      fazendo a flor de lótus
         girar em sua mão,
Eu prego meu sermão do trovão
   girando em minha mão 
      a grama arrancada do chão...

Quando eu estava louco
   recebia de volta
      o tanto necessário de insanidade
   para manter a chama da loucura ardendo
Agora que tudo passou
   vejo que a faísca para manter o fogo
      foi tirada do meu tempo & do meu corpo
   que se consumiram
      mas não tornei-me inteiro
         cinzas
Resta a força natural
   pureza transparente
      desse corpo de diamante
   precionado do carvão à jóia preciosa
& todas as coisas confusas
   que eu achava ser amor,
      alegria, ódio, tristeza...
   não passavam então de ser
      manifestações entre o desejo & a ilusão
         de um corpo submetido à alta pressão
            dentro do relâmpago da existência
Erva daninha na superfície da terra
   flor de lótus pairando sobre a lama
Meu barro, meu nada, meu chão
   repouso do relâmpago
      lar do trovão
O corpo permanece
   a mente resplandece
      unindo necessidade & transbordação




1 de mar. de 2025

Reverberâncias

 

Longa longa estrada na plástica realidade
Curta a dor

A gente não sai para o mundo pra se misturar com qualquer coisa...

A sua tristeza é... sua!
A sua demência é... sua!

Longa longa estadia na plácida realidade
Curta a alegria

A gente não sai para o mundo pra ser parceiro de qualquer um...

A minha felicidade é... minha!
A minha loucura é... minha!

...somos ondas, que passamos uns pelos outros... somos só perturbações importunando uns aos outros... rumamos cada um ao seu próprio repouso... até sermos anulados, uns incomodam, uns acomodam, outros se moldam... & seguem... imperturbáveis... nessa tempestade em copo d'água que é essa vida pequena...



28 de fev. de 2025

Carnaval

 

Vou sumir no Carnaval...
   no tempo que vendo, onde eu devo estar, vou lá para cumprir presença...
   mas é como se não estivesse lá...
   vou estar transparente, vou me fantasiar de ar...
Vou sumir no Carnaval...
   no tempo que é meu, onde quero estar, vou para lá negar a ausência...
   como se sempre estivesse lá...
   vou estar translúcido,  vou me fantasiar de mar...
Vou sumir no Carnaval...
   dizer "bye bye fevereiro, hello março", vou entrar no tempo suspenso do feriado...
   na escravidão & na liberdade...
   vou estar transpassado, vou me fantasiar de amar...



23 de fev. de 2025

Nó...

 

Fios tecidos de nada & caos
   De (i)matéria ocasional
Cordas, caminhos, fitas
   Desembocam em laços, enlaces, nós
Assim somos cada um de nós
   Nosso vínculo é sermos unidos & separados...

Emaranhados por si só
   & mediante de mais, de outros
Compartilhando a influência que fazemos
   Uns nos outros
Até não poder mais
   Saber onde começa ou acaba...

Uma reta que vai & encontra__ __
   Sua ponta ao final____
1 círculo que se torce
   & torna-se um 8
Que se contorce dentro & fora➰
   Em um nó infinito afinal...

Aperta & afrouxa
   Esse é o (des)sentido superficial
Há profundidade nos nós
   & os chamamos laços ou embaraços
Mas sempre esse caso
   É feito do que queremos unir ou enforcar...

A verdade é
   Que estamos enlaçados, não unidos
Transpassamos uns sobre os outros
   Como ruas, estradas, serpentes, fios
Coisas que não se misturam
   & no entanto temporariamente se abraçam...

Atados assim
   Até o nó se desfazer
Forças que atuam
   Atam, apertam, puxam, distendem, desatam
& vemos, não é vida, são só atos
   Coisas que nos fazem cordas retas & teias, nodo, fatos...

Até então nos dispensarmos
   Dispersando, desenlançando
Seguindo em frente
   Para então em outros lados
Encontrar novas cordas, cabos, chicotes
   Para enredar, prender, açoitar
& seguirmos nosso fado...



16 de fev. de 2025

(in)Esperado

 

Segue adiante
   está tudo atrás
      & mais ficará...
Veja por esse lado:
O que ficou
   pesa o mesmo
que o que virá...
Pesos mortos,
   pesos vivos
      tudo que fomos feitos
         para suportar...


Se o tempo não corresse demais
   conosco sempre seguindo seu rastro
Por entre os casos & acasos
   por entre os ocasos & nascentes
      de todas as causas
Se não corressemos também
   à procura de coisas que passaram...

Ir para frente
   sempre buscando coisas
      que ficaram para trás

Estamos eleitos no tempo
Por entre sono, sonhos, façanhas
Cautelosamente desesperados
   até a raiz das horas
As que se foram & as que virão
Estamos condenados a passar também
   sem não antes
      tudo passar por nós...

Seguir adiante
   sempre tentando estar
      onde não estamos mais

Adiante
   não se adia nada
Tudo tardia
   & o dia tem seu tanto incerto
      daquilo que vem para perdemos
Entre encontros & desencontros
   com hora marcada
      para não começar & sempre acabar...



14 de fev. de 2025

...hoje...

 

Somos Aqueles
Que Não Distinguem
Alvorada de Crepúsculo

...hoje é um dia daqueles!
      hoje quero ser testemunha da noite
   ir & ver
      o que está lá para acontecer...

...hoje o dia é maior
      & a noite será mais longa ainda
   quero ver tudo que se estende
      sobreviver para conhecer outro dia...

...pois hoje acordei em plena madrugada
      já antevendo a penumbra de outro dia
   não quero que reste lembranças
      quero que permaneça os desejos
   & se realizem as vontades
      antes de ver desfalecer
         na entrega do sono já dentro da aurora
   aquilo que, hoje..., levantamos para fazer...




12 de fev. de 2025

Gravissismo

 

Cem quilos de empuxo no fosso da gravidade
Os únicos movimentos conscientes
   são os da língua... & olha lá!

Ou dançando sobre os terremotos
Com os pés nas cabeças
   mais abalados pelo temor que pelo tremor!

Coração bate sem controle...
Para frente & para trás
   vamos nas mazelas da aceleração...
Para baixo, sempre
Para o alto, à alto custo...

Mas de vez em quando...
   no balanço das máquinas
   na inércia aleatória dos rumos
Sobre o tremor
   das pedras & emoções
Eu pareço flutuar
   mais leve que tudo... & todos...



10 de fev. de 2025

Anteparo

 

"Joga teu pesar no abismo!
Esquece, Homem!
Esquece, Homem!
Divina é a arte do esquecer!
Queres voar,
Queres habitar as alturas:
Joga o que mais te pesa no mar!
Eis o mar — joga-te no mar!
Divina é a arte do esquecer!"
(Nietzsche)


Desistir é uma benção
   ...o futuro telegrafando para o passado...
      ...memórias iminentes de decepção...
           ...& o desconforto em insistir...
                           ...no inútil...

Estamos só compensando
Estamos só substituindo
Estamos só cavando mais fundo
   um buraco sem saida
Modelando no barro & na pedra dura
   quinas arredondadas
      em coisas cortantes
     
O ponto de não retorno é uma lenda
   quando se trata de situações humanas
É um lema thanatológico
   que invade a mente vivente
Para invariavelmente dizer de outro modo
   que o fim virá
      & você continuará preso à coisa
         como um verme ao cadáver

Qual é a hora de parar?
Qual é o momento de dar um passo atrás?
Qual é a circunstância de deixar ir?
Você só vai saber
   quando fizer acontecer!



8 de fev. de 2025

Totus

 

Por muito tempo eu achei
   que era um homem incompleto...
A parte que falta... um pedaço de algo
   pedaço de pedra, de criança
   pedaço de monstro, pedaço de tolo
   um pedaço de nada...

Só tarde senti que nada me faltava
   nem a alegria nem a dor
   nem carne nem osso nem alma nem corpo
Não me faltava você
   nem outro alguém
Não me faltava um amor
   nem uma nêmesis
Não faltava ímpeto
   ou covardia
      para me expor ou esconder

O sentimento de falta em si
   é só fuga momentânea da solidão
Que não abraça mas dá as costas
   ao que sobra
      & clama, muda, à facilidade da frustação
Por muito tempo ignorei
   que era um homem completo
Pois confundia perfeição
   com totalização

Assim, eu, em constante reparação
   à cada ferida, cada lesão
Dos olhos ao coração
   cada corte fechado
   sanado, curado
no tempo certo
   de ser inteiro outra vez



   O sentimento de "incompletude" é uma espécie de assombro diante do absurdo do abismo pessoal, apavorante, pois se acha que não pode preencher tal abismo... & que nos convoca então à tarefa existencial de transmutar isso.
   Somos imperfeitos, porém potencialmente perfeitos, & se somos incompletos, nada tira nossa possibilidade de almejar & alcançar a Completude.
   De tal forma a "completude" é diferente da "perfeição". A completude é uma posição tomada na vida, de cultivar equilíbrio,  seja nas relações ou interiormente ao fim de ser alguém são, e não um desequilibrado.
   O abismo não precisa ser preenchido, pois ele perderia sua essência. Essa é nossa natureza & é total, não quando somos perfeitos, mas completos!



6 de fev. de 2025

Práxis

 

Com medo de olhar lá fora
...os olhos fogem, piscam,
      até acostumar com a claridade...
   sofrendo com a luz
É como os ouvidos
...escutando música nova
      com a mesma velha banda...
   temendo não gostar
É como o corpo
...procurando outro corpo
      a mesma forma de sempre com outros vazios...
   desejando lá dentro que fosse um corpo já conhecido
No estranho do que vem
...um futuro que pressagia
      & rompe com o passado...
   somos nós mesmos estranhos para nós
Tantos velhos desejos & traumas
...tantos furores & calmarias
      que nos surpreendemos com a vida...
   & no minuto seguinte está tudo normal



4 de fev. de 2025

Refolhar

 

Varrendo
   folhas caídas já secas
      de com  pon   do
& frutos despencados
   de cada galho agora seco
      do tronco até tocar o nada

Equilibra-se na queda
   tudo que a árvore
      já não precisa mais
Tudo que passou
   & foi suportado
      através da extensa estação que findou

É a força do vento
   é o peso da chuva
      que leva à queda
É a ação do ciclo
   é o adeus sem dizer
      que abre novos tempos

Eu mesmo
   uma folha caída
      várias artes & partes de mim decepadas
Eu mesmo
   um galho seco
      que reviverá na próxima estação


 

2 de fev. de 2025

Abantesma

 

O que reserva o dia
   é mais uma questão de onde estar
      do que ser!

Mas você é...
Você é um fantasma
   que aterroriza nos lugares
Você é uma aparição
   que assombra
      a si próprio...

Entidade que encarna
   no nada entre situações
Lidando com tudo
   que o dia traz
      & as noites não deixaram para trás...

No momento em que entra
   em contato com outras almas penadas
Materializa do limiar da insanidade
   o céu & o inferno
      onde estará...



1 de fev. de 2025

Rasgo

 

Eu moro na tempestade
Mas não no furor
   & sim na segurança de lá estar
Perto da fúria
   dentro do coração

Caminho escutando mortos
Nada do além
   mas nas canções que gosto
Todos que partiram tem lá sua perfeição

Meus dias são vagos
Menos por falta do que fazer
   & sim por não encontrar alguém que mereça
      eu dar meu tempo, minha atenção

Seguimos em frente
   com tecido da realidade rasgado
Em um instante quem seguia junto
   vai cada um
      para um lado diferente

Eu só me fio no causo aprendido
Que tudo passa
   & o que fica é só a banalidade
      impossível de se modificar

Realmente não me interessa
   nenhuma opinião alheia
Eu confio no lugar seguro
   dentro da tempestade
Ouvindo a transmissão da meia noite
   na frequência do grande meio dia

& sigo assim... menos inquieto
   mais sabendo o que quero
      o que devo querer...
Pois a realidade quando se rasga
   arranca o véu do que era passageiro...
& só fica
   a face eterna nua
      em estrondo permanente do trovão!



23 de jan. de 2025

Rigor Vitæ

 

O caminho é uma trilha de música,
   ruídos, murmúrios, ecos,
      da cama até onde nos enganamos
   achando ganhar a vida, perdendo-a,
Dos sonhos até a dura realidade...

À leste o incêndio da alvorada avança
   refreando ou alvoroçando os desejos;
Está tudo cercado de compromissos,
   desde nossa pele para as feridas
      até o escasso tempo
         que vendemos para a lida...

A prisão entra pelo relógio
   avança pelo intestinos,
      passa pelos olhos, os ouvidos, nariz;
A prisão é uma presença invisível
   que sentimos mas não identificamos
       & assim não temos como escapar...

Tudo parece mas não é
   mesmo sendo
O sono que não descansa
   a prosperidade que não desonera
   o amor sem retorno
   a tranquilidade sem serenidade...

Então...
   só quando o dia amanhece
É que vemos o estado do céu acima de nós
& o que se esconde nas sombras
   que nos cercam;
Até não poder, de novo, nem fugir,
   só fingir que não há nenhuma dor...



19 de jan. de 2025

Musgus

 

O mofo compõe o bolor de meu pensamento
...vai se agregando em partículas úmidas
   verde azul cinza de instância esponjosa...

O lodo das lembranças
   cruza a estação das chuvas
Até se desfazer quando o verão acabar
Virará poeira de memória gasta
   assim que o outono chegar

Acumula o limo que desliza para cima
   na antigravidade da dissolução
Esfrego cinza verde pela pele ilibida
   & secreto espuma lisa do meu corpo
      que degrada também
         como o mofo de meus culhões

Toda temporada é agora
   um sonho extenso de bolor também
& pelas casas, ruas, bueiros
   faixas obscuras das descontruções
      corpos, corredores & fundos
O fungo se espalha

Está apenas presente limo
   no ambiente como a gente
Úmido, escuro, quente
Transitando entre o lodo puro
   & a losna soturna demente

Assim, quando o azul do céu firma
   retraindo instantâneo
      o verde bolor preemente da mente
Espera paciente o mofo
   pela próxima chuva para prosperar ainda
      o sufoco que é esquecer & repousar
         na lama fina da vida



17 de jan. de 2025

Dasein

 

Logo chega, sempre aqui... são pensamentos
   que se confundem entre imagem
      & palavra
Um pulso caudaloso empurra
   no filtro da consciência
      que não para
É um canal aberto
   um rasgo, um fratura
      coagulando... sentimentos
Tudo operando nesse nível
   mas nunca se confundindo os de um com os  outros
      formas soltas fora de nós
Não se confundindo mas se misturando
   interferindo no rumo das vidas
      vamos alheios formando o todo
Em cima da terra, sob as nuvens
   entre os animais & as plantas
      por entre os labirintos com sentido
Despertos sonâmbulos
   presas predadoras
      animais racionais
Vamos todos ao lado uns dos outros
   & totalmente sozinhos
      inventando à nós mesmos
& se há algum motivo
   talvez seja "acontecer"
      até que enfim desaparecer
Sem palavras finais
   sem posteridade
      apenas aquiescer ao vem
Se o deus não joga dados
   nós muito provavelmente
      vivemos para jogar, ganhar & perder