31 de dez. de 2024

Mareano

 

O ano que passou
   é um oceano
     que a nave-corpo navegou...

Por calmarias, tempestades
   ventos à favor, contra
      âncoras, velas, desafinidades...

Mas foi rápido
   no fim das contas
      um mar singrado...

Bebemos de sua água amarga
   queimamos ao sol
      pescamos nas luas cheias
         para enfim chegar ao porto ou




30 de dez. de 2024

Considerações sobre 2024e.v..

 

Nesses dias as nuvens cercam a cidade por todos os lados, chuvas, chuviscos, tempestades, todos os dias, a qualquer hora; sei: está chuvendo muito... por fora & por dentro!

Fim de Ano caudaloso, o que só faz confirmar que esse ano nos deu tudo, muito calor, muito frio, muita chuva, mais frio, pouca luz, muita estrela, novidades, mesmisses.

Acho que esse ano só falei de Tempo, o que deve ser, depois do Amor, a in-principal des-pre-ocup-ação de uma existência. O tempo & o Tempo, o clima & o clímax, tudo passando diante dos olhos, como nuvens que desabam em chuva & convergem em dia de sol, que transmutam em madrugadas estreladas & se tornam dias... bons & ruins.

Esse foi um ano para sepultar o passado, debaixo de muita água agora ao seu final. Varrendo os cadáveres que deixamos à céu aberto pelas ruas dos dias que foram passando. Empreendimentos mortos, vizinhos mortos, estilos de vida mortos, amores mortos, lugares frequentados mortos, amizades mortas, desejos mortos,  etc. Antes mortos do que perdidos? É a mesma coisa! Porém o perdido se acha, os mortos a chuva vai levando...

Falei também muito de Estradas, & estrada é uma forma de transpor o espaço, & espaço é Tempo, óbvio! Falar de estrada, mar, navio, tempo... são todas metáforas sobre a vida, sobre a jornada, sobre existência.

& não obstante o Tempo para mim ser divergente, como já disse muitas vezes, vide principalmente Vultur, onde em minha concepção o Tempo corre do futuro para o passado, & nossa "existência" seja um simples ato de relembrar da vida que tivemos um dia originalmente, ainda repousamos nos dilemas, nos perrengues, nas tristezas & alegrias deste "estar aqui". Isso, é claro, porque é mesmo difícil distinguir a realidade, mas tal é o de menos, na emanação poética a ser exposta ao longo do tempo.

Por isso cada ano, cada medida de tempo de 365 dias carrega uma continuidade sincronistica na qual podemos reler também um pulso único da vida naquele período. & isso é algo para um comentário mais profundo que devia fazer, mas não vou. Vou apenas ponderar interiormente sobre...

De toda forma então se encerra mais um ano, um período aleatório de tempo demarcado, 3 anos depois/antes da pandemia, 5 depois/antes da bariatrica, 12 depois/antes do baktun quatorze,  24 depois/antes do milênio, 55 do meu nascimento, tudo isso números a serem re-visto/virados de forma que os verdadeiros quantas temporais sejam confirmados quando a existência se encerrar & sabermos o compasso correto do que foi minha vida.

Por enquanto, passei por mais um ano de profundas experiências & mudanças, um ano para se lembrar, um ano para se esquecer... se fosse possível!


 

28 de dez. de 2024

Nos Dias Suspensos

 

Os dias finais do ano
   passam como se nem existissem,
São como lacunas
   que consciência racionaliza espaço vazio
      com tempo perdido...

Depois do Sol Invictus natalício
   & das ruas vazias como se
      a estação morresse & não nascesse outra,
Esses dias amarrados são
   como se o ano nunca fosse acabar.
Vamos, como em suspenção,
   presos à um tempo que não existisse
      repetindo o desespero nos atos
         que marcaram o ano que passou.

De dia ainda podemos circular
   adentramos espaços ocos,
      procurando, fugindo...
   tudo & todos pressagiam,
      silenciosas mudanças,
Nas noites ainda sonhamos
   como se nem dormissemos
      mas fosse tudo repetição,
   ecos de todo um ano...
  
Pomos em tudo nesses dias uma urgência
   já que parecem parar,
      ou antes... indefinir!
Sentimos enfim,
   com as horas preciosas que restam ao ano
      o quão é raro também
         os momentos da vida!



26 de dez. de 2024

Matéria Escura

 

Onde está
   o mundo em que cabe na realidade
      tudo aquilo que sonhamos viver?

Onde estão acontecendo
   todos as experiências colaterais
      consonantes à nossa vontade?

Onde estarão os amores, as coisas, os fatos
   que nos testificam não como simples
       consumidores das sobras da vida?

Mas possuidores
   daquilo que realmente cremos
         que deveria ser nossa existência!

& quem para além de nós dirá
   se é melhor ou pior uma outra vida
      em que um pequeno ato mudou tudo...





24 de dez. de 2024

Crisalida \ Véspera

 

O dia comum é a véspera do feriado
O silêncio é a véspera da tempestade
O esforço a véspera do gozo
O casulo é a véspera da borboleta
A galáxia a véspera do buraco negro
O raio a véspera do trovão
A escuridão é a véspera da luz
& a causa a véspera da realização

Véspera
   desacelerando entre os sólidos do tempo
   que descarrilha rumo ao passado...

Sempre rumo
   à noite anterior
   na repetição dos dias...

De
onde
  tirar
   esperança
    se
     tudo
      é
       sempre
        igual
         ?

Às vezes você é a esperança
Às vezes é o desespero
   de si mesmo...

No fim do dia, começo da noite
   Vê que o que passou já se repetiu
No fim da noite, começo do dia
   Cega a mente com a crença
      que é possível desistir
Pois se tudo é casual
   Nunca é véspera do sempre
& o ininterrupto é só uma corrupção factual
   de uma visão distorcida do real

Rumamos
de
  véspera em véspera
   ao
    indeterminado
     atemporal
      nossa
       origem
        &
         final
Na
   véspera
      da
         eternidade...



23 de dez. de 2024

Depois da Chuva

 

...pisando no chão molhado depois da chuva...
Os cães & homens com patas feridas
   acham alívio
      no frescor da água
         & o milímetro que pisam acima
            do inferno...
Trabalhando na vida
   ou simplesmente deixando
      a correnteza levar
Sentindo a necessidade
   de dizer para quem importa
      sobre todos os erros que disseram de nós
Ou apenas ficando calado
   porque o alívio do mundo
      é pisar um milímetro acima do inferno...



22 de dez. de 2024

Incomunicado

 

Ninguém sabe
   Há um silêncio velado
      na boca do futuro
Ninguém percebe
   Uma névoa densa
      sob os olhos do presente
Ninguém captou
   O ruído branco
      nos ouvidos do passado

         Não esparamos
     Não preparamos
Não entendemos
     Não nos contaram
         Não intuímos

O tempo acaba depressa
   Cada momento some
      mais rápido do que surge
O tempo acaba depressa
   Cada movimento empurra
      para mais longe o passo que o iniciou
O tempo desaba com pressa
   & o espaço à atravessarmos
      um dia não conseguiremos mais


 

20 de dez. de 2024

Puer Æternus

 

"A única coisa temida por
esse tipo de homem é
estar ligado a qualquer
coisa que seja."
Carl Jung


Se há o "problema fundamental"
   para cada um,
Haverá também a "solução contingente"
   para tais embates?

Eu digo antes:
   Dediquemo-nos
      à brincadeira necessária
         ao jogo essencial
            à festa vital
               ...



55...

 

Hoje é o dia... sim eu sei
   ...hoje é o dia
Tenho todo um final de vida
   ...& hoje é mais um
         primeiro dia...

Sim eu sei
   faz tempo que sei
      ...o que as dores
            & os cabelos brancos dizem
   ...em seu silêncio repetitivo
         que incomodam
            sem incomodar

Sair para mundo
   entrar para as coisas
      ...sim eu sei... ciranda torta...
Bailar no cotidiano
   brincando sério com o tempo
      enquanto ele acaba

Vejo pessoas & seus corpos
   penetrando na familiaridade da estranheza
Vejo eu mesmo repousando
   na incomodidade cotidiana
& ampliando a gama de coisas inúteis
   a se deixar...

Hoje é o dia... o dia de hoje
   ...a grande ilusão de mais um dia
Sem um pouco mais do passado
   o tanto exato do presente
      ...pressentindo tudo que o futuro
            também tomará...

Apenas... o dia de hoje...
   o que tenho dele
      meu será...



19 de dez. de 2024

...54

 

O hoje brigando com o ontem
   em esforço temporal para não se decompor,
      para não ser contaminado
         com a praga do que passou;

O amanhã inquieto já
   porque também logo lutará,
      & com mais esforço ainda,
   para conservar o que se é
      & o que se foi;

Quem sobreviverá disso que sou hoje(?)
   o que será na carcaça que ficará
      no depois de amanhã(?)
Aquela essência sempre foi também
   algo a se abandonar(?)
O que sobreviverá quando não se passa ileso
   por qualquer experiência da vida(?)



18 de dez. de 2024

Vista Astra

 

& se você já fitou o céu no lugar mais escuro 
que já foi & se você viu o fosso imenso
onde estamos & ficou sem palavras
   ficou à sós com esse vazio que
  desce lá de cima & te cobre
como véu de nada que
expressa tudo que
não entendemos
...
...
desconhecer
expressa um tudo
como véu de nada que
desce lá de cima & nos cobre
você ficou à sós com o vazio de
onde estamos & ficou sem palavras
caladas pelo silêncio do fosso imenso
que fitamos no céu no lugar mais escuro



17 de dez. de 2024

Estrada-Labirinto

 

"...
Construí canais estradas viadutos
ferrovias funiculares pontes túneis
até o palácio;
depois, áditos pórticos limiares
entradas
..."
Antônio Cícero, "Minos"

Rota

Eu sonhei com uma estrada longa
   ampla & pouco movimentada
Nela eu não viajava
    simplesmente ia acelerando
       matéria no tempo-espaço do sonho
Eu sonhei com uma estrada aberta
   não havia placas, nem faixas na pista
      & nem encruzilhadas
Sonhei que corria livre
   sem medo da velocidade
& por vezes passava por gente
   que labutavam na beira da estrada
      como se na sua margem
         estivessem atados
Eles & eu estávamos
   em lugar nenhum dessa estrada
      eu em movimento, eles estacionados
& eu corria sem parar sobre o asfalto
   mas enfim chegava a hora de voltar
Eu fazia um retorno indolente
   & acelerava mais
Porque parecia que ir & vir nessa estrada
   era o mesmo...
          ...era
                ...estar
                        ...em um
                               ...caminho
                 ...sem partida ou chegada...

___
Dédalo

Ida~Dia~Adia
...estrada sem saída...
Sonho na noite, mas no sonho era dia
...estrada que me adia...
Sonho, mas o sonho já é minha lenda
...estrada part/ida...
Sonho que me une ao meu mito
...estrada vadia...
Vida ida, sonho vindo, estrada infinda
...estrada que emanei
      mas não encontrei seu final...

___
Minos

Uma estrada aberta
Sem placas de sinalização
Uma estrada para se correr
Esconde só que ela é também um labirinto...
É uma estrada de sonho, reta, espalhada
Sem leis ou o medo de qualquer perigo
No sonho o perigo está em parar...

Como uma Minos sobreposta
   onde o touro é a máquina
      em que se cavalga
& as migalhas são os restos psíquicos
   que se intrometem desde a realidade...

Eu transpasso esse labirinto amplo
   para sanar toda imobilidade da alma
...pois a estrada para Minos
      já faz parte do labirinto...

___
Oniria: Na beira da estrada/labirinto, Km 000

"Fui parar em um lugar, que apesar da ida, eu não tinha passado, & era um posto de parada. Havia um desses bares de beira de estrada, onde estacionei a moto que eu pilotava, com muito medo de ter ela roubada.
Era porque havia em volta um vilarejo, uma espécie de aglomerado populacional raquítico, bem pobre, onde na rua única, que era a própria estrada, pessoas nuas brigavam. Elas pareciam estarem sendo despejadas, & havia lixeiros & a polícia fazendo esse serviço.
Foi quando no bar, na lanchonete da beira de estrada, que se entrava tendo que pular o balcão, entrou um casal em estado maltrapilho, estavam nus & enrolados em um cobertor, mas ninguém se incomodou com esse estado. Entraram também outras pessoas, esses parecendo serem turista, um casal mais uma mulher, & como eu estava ali do lado de dentro da estranha entrada, uma das mulheres não quis pular o balcão de entrada, pois estava seminua também & não queria que eu a visse pulando o balcão, achei mais chato que constrangedor, pois ela era muito exuberante, com seios enormes & eu já imaginava a comer com os olhos, mas resisti & me virei de costas para ela entrar.
Depois disso, peguei a moto de novo, & voltei para estrada/labirinto..."

___
Preâmbulo ao Final

A estrada começa no barro seco
É uma estrada de terra, sua raiz
Eu já corro nela
   pensando em um pescoço quebrado...
Quando vou seguindo
   encontro o asfalto & abandono todo medo...
Ele mais parece
   um derrame de lava negra seca
      sobre o mundo
         espalhado em forma de senda...
Percorro um breve pedaço
   & a estrada se bifurca depois de um rio
Em um Y estilingado
   & contorcido sobre seu eixo
      um viaduto de aço conduz à escolha...
& nesse instante o sonho parece sofrer
   para me fazer entrever
      essa visão da bifurcação...
Desvencilhando da imagem dissonante
   escolho a via da esquerda...
& o sonho da rota 8nfinita mito-poetizada
   inicia-se como foi legada...
"Eu sonhei com uma estrada longa
   ampla & pouco movimentada..."


"Não ocultei o monstro:
Jamais hei de ocultá-lo.

Jamais erguerei paredes
para vedá-lo às vistas dos
curiosos e maledicentes.
Jamais hei de exilá-lo.

Ao contrário:

plantei-o no trono do salão
central do palácio que ergui
para abrigá-lo, na capital do
meu reino, no umbigo desta
ilha que eu mesmo tornei
eixo do mundo.

Que para ele convirjam todos
os turistas, todas as rotas
marinhas, todas as linhas
aéreas, todos os cabos
submarinos, todas as redes
siderais."
Antônio Cícero, "Minos"



16 de dez. de 2024

Pequena Era Glacial

 

Em pleno verão
   que vai começar
      um dia de inverno
         vem resfriar...

Onde está o sol?
Cadê o calor do chão?
Em que grau foi parar o eixo
   de inclinação?
...em plena véspera de verão...

Um gosto gelado espalhado
   para além da reminiscência
      da menta da tua boca que falta
& da solidão do corpo deixado só
   debaixo da coberta vazia
      sob a chuva da madrugada
         que faz tudo mais frio

O dia envolvido em um útero estéril
   condensa nuvens, vento & chuva
      para abortar sobre tudo
         um coração frio!



14 de dez. de 2024

Prodígios

 

Como são prodígios aqueles
   que permanecem ao lado
      um do outro
Não por inercia
Mas pela ineficiência
em rastejar
    ...para longe!

Qualquer coisa rastejante à solta por aí
Qualquer coisa rastejante
   que sobe em mim, escala você
Nossa fome, nossas mãos, o cheiro
Nossos dedos, os braços, os nexos
Qualquer coisa lacinante, lasciva
   à solta no mundo, em volta de nós
Confundindo dor com prazer
   embaralhando raiva com paixão
Querendo uma presa, um parceiro
Querendo um cúmplice
   para certos crimes exemplares
Buscando um alívio
   de pesos ímpares
Procurando algo para se fixar
   um farol no mar, uma pedra no éter
      um corpo num bar
Qualquer coisa que rasteja
   mas aprendeu voar enquanto cai
Uma serpente no deserto
   que prefere na areia afundar
      do que no sol queimar
Um peixe na água
   aprendendo à andar
      depois de morder o anzol
Uma estrela preste à colapsar
   depois da matéria leve queimar
...somos eu & você
      um em volta do outro
Na lama, no vazio, no luxo
   rastejando com asas, penas de lâminas
   preso & soltos, pés de correntes
      a nos maltratar
         enquanto não temos mais o que fazer...



13 de dez. de 2024

Estrada/Abismo/Mensagem

 

Eu levo pessoalmente
   mensagens pela linha morta do tempo,
      a rede cortada pela tempestade
         a via quebrada pelo muro de nada
            infovia dissipada na desconexão
               além dos limites do que foi...
Envio mensagem para muitos ramais
   que só dão ocupado
/Comunicação interrompida/ Sinal caído/
Todas as linhas rompidas:
   isso podia ser outro nome
      de todo nosso passado!
Percorro eu mesmo, para ver & sentir
   a estrada sem retornos
      que vou & volto
   pela estadia sem estorno
      de tudo que acabou!

...eu.
.sou.
.a.
.mensagem.
.que.
.trafega..
    ..pela.
            .estrada.
                         .de.
                                   .cruzar.
                                             .abismos...



12 de dez. de 2024

Limbo

 

Esclarece a escuridão
Manifestando-a
   nesse sonho infinito
      de sabedoria & ignorância
A lua mínima
   oculta Saturno & seus anéis
   & dá passagem à maré de Júpiter
Contra-ondas gigantes
   de luz do Sol que volta até nós
É hora de ficar quieto
É a chance de desaparecer
   pelo buraco da agulha
   pelo halo do anel sem dedo
   pela brecha aberta pelo gigante no céu
É tempo de des-aparecer...



8 de dez. de 2024

Pragma

 

Quero largar meus sonhos à esmo
   para que morram secos
      como plantas sem água
Quero os abandonar jogados
   para juntarem sobre si
      o pó da realidade

Quero viver sem ilusões
   pragmático como um ateu
      que descrençou da felicidade
& sentir as coisas imediatas
   com a falta de qualquer esperança
      pairando no limite do mundo

Quero recolher o amor
   que aparece como chuva inesperada
      no meio de um dia quente
Quero ser sempre vítima
   de uma surpresa
      que não me fará bem nem mal

Quero deixar o peso do pó
   converter tudo que achei mais sólido
      em puro poeira também
Pois tenho muito
   a deixar escorrer pelos dedos
      como uma tempestade de areia

Sairei enfim por aí
   como se não houvesse amanhã
      nem houve ontem
& tudo que acontecer
   vai ser um fim
      sem início


 

6 de dez. de 2024

A Febre

 

A febre das noites passadas,
   a febre de todos os dias...
Ainda no corpo, ainda no que é vivo
Na forma do gosto de outros corpos na boca
Em disforme calor que trocamos pelo contato,
A febre é minha, o gosto é do mundo
Estamos todos acordando
   & desfalecendo,
      pra mais um dia...

Não há nenhuma sensação exterior ruim
A febre é interior & distante:
O cansaço é compreendido
O sabor bem vindo & assimilado
O calor é um signo do toque,
Mas febre é o que cobra & recorda...

Eu tenho a febre do que não passa
O irrealizado do desejado
A febre do inesperado, que os outros decidem por mim
A febre do ousado, que decido por impulso...

A febre que nos acomete
Na forma de uma dor que não começou
& um prazer que não se realizou,
A febre que contamina por atos & inação
Deixa marcas em outros corpos, deixa feridas na própria alma...

Eu tenho a febre que não cessa
As ondas constantes da querer & não ter
Que entra pelos olhos como luz
& sai pelos poros como calor
As ondas que vem & vão como delírio & sensatez

Assim vamos quietos
Calando o que se disse de repercutir na lembrança
Gritando o que se calou & ninguém ouviu
Baixando a febre ao nível do querer de novo
Elevando o blefe que podemos suportar...

Mais um dia... a velha febre...
Nos coloca & nos desloca no lugar que sempre estivemos
À um instante da sorte, logo mais perto da morte
Um corpo febril, com os calor de corpos com que colidiu

A febre da insatisfação
Em contrate com a convulsão da realização
Nos suspende entre a dor moral & o prazer amoral
Pelo qual os corpos sadios fluem, mas a mente doente padece

A febre dói porque nos confunde
O que achamos ser arrependimento, frustração & raiva...
É também o grau de nossa persistência,  ousadia & paixão...

----------------------------
-Sobre a Febre:
A única coisa que trocamos, sem querer, uns com os outros, é calor...
Uns o guardam como febre (& ela é fria), assim como a indiferença ou a rejeição,
Outros guardam como ardor (que é quente), como a fúria & a dominação;
& medimos no termômetro das memórias: lembranças que nos acusam, esquecimentos que nos absolvem!
É preciso conhecer a fundo uns aos outros para trocar mais que as queimaduras do fogo & do gelo... É preciso ser distante para não molestar, ou próximo o bastante para cuidar,
É preciso levantar a cada dia & sobreviver ao ardor da alma & à febre do corpo nas formas de ressaca moral & o delírio da insatisfação;
Sobreviver para padecer mais, pois ali onde se fere febril, é tambem onde arde o fogo tênue que nos mantém viril.



4 de dez. de 2024

Aboio

 

Eu vou aboiá
   na estrada de terra que me calça
      na mata descerrada que me veste

Ronda o rapé nas ventas
   um tiro na asa do tizil
      um tapa na cabeça do capeta
Codas prosaicas ao som
   de Vaca Estrela & Boi Fubá
& a chuva que cai rala no chão
   une o barro que sou
      ao barro que quero voltar
Se tu é de pó que volte ao pó
   espírito é feito de eletricidade

Meu espírito agreste
   assume açudes de poesias
& faz contraste
   entre o inóspito caminho do coração
& o céu trovejante do pensamento

Aboio no cerrado concretado
   que o sertão se enfia pelo ar
Sertão espírito
   que prova que não sou simples
      sou arcaico
& toda essa ciranda da vida
   é só um círculo rumo à dispensa
      do que sempre passa
         & passará...



2 de dez. de 2024

Condenados

 

Estranho...
   como há coisas nesse mundo
      que estão tão atadas
         que ódio nenhum separa,
& há coisas tão distantes
   que amor nenhum une...

Não falo daqueles
   que o amor uniu & o ódio separou,
Mas dos condenados
   a ficarem juntos sem a razão
      que a própria razão desconhece
    & a estarem distantes
      por tal lei que os iguais se repelem.

Já que para uns, a tristeza que os une,
   é consenso entre ambos;
& para os outros, a felicidade que uniria,
   é procurada em outro lugar.

Assim somos todos iguais
   & somos tão diferentes
      cumprindo a sentença da comodidade:
Padecemos do que ninguém merece
   & ignoramos, achamos não merecer
      a felicidade que acontece!



1 de dez. de 2024

M a r

 

...tudo cercado de mar
      para qualquer rumo que a gente vá
          sempre vai cair na cerca do mar...
Sempre em fuga
   pra cair no mar
      no mar do amar
      no mar da margem sem limites
         mar do subcontinente
         mar do subconsciente
      no mar amargo de sal
      no mar insano oceano
Mar acima
   mar abaixo
   mar pelos lados
      prisão do mar
      & sua cela de sal
...tudo cercado de mar     
         & salobro insosso do amar
               perdido rumo ao insano...