6 de dez. de 2024

A Febre

 

A febre das noites passadas,
   a febre de todos os dias...
Ainda no corpo, ainda no que é vivo
Na forma do gosto de outros corpos na boca
Em disforme calor que trocamos pelo contato,
A febre é minha, o gosto é do mundo
Estamos todos acordando
   & desfalecendo,
      pra mais um dia...

Não há nenhuma sensação exterior ruim
A febre é interior & distante:
O cansaço é compreendido
O sabor bem vindo & assimilado
O calor é um signo do toque,
Mas febre é o que cobra & recorda...

Eu tenho a febre do que não passa
O irrealizado do desejado
A febre do inesperado, que os outros decidem por mim
A febre do ousado, que decido por impulso...

A febre que nos acomete
Na forma de uma dor que não começou
& um prazer que não se realizou,
A febre que contamina por atos & inação
Deixa marcas em outros corpos, deixa feridas na própria alma...

Eu tenho a febre que não cessa
As ondas constantes da querer & não ter
Que entra pelos olhos como luz
& sai pelos poros como calor
As ondas que vem & vão como delírio & sensatez

Assim vamos quietos
Calando o que se disse de repercutir na lembrança
Gritando o que se calou & ninguém ouviu
Baixando a febre ao nível do querer de novo
Elevando o blefe que podemos suportar...

Mais um dia... a velha febre...
Nos coloca & nos desloca no lugar que sempre estivemos
À um instante da sorte, logo mais perto da morte
Um corpo febril, com os calor de corpos com que colidiu

A febre da insatisfação
Em contrate com a convulsão da realização
Nos suspende entre a dor moral & o prazer amoral
Pelo qual os corpos sadios fluem, mas a mente doente padece

A febre dói porque nos confunde
O que achamos ser arrependimento, frustração & raiva...
É também o grau de nossa persistência,  ousadia & paixão...

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-Sobre a Febre:
A única coisa que trocamos, sem querer, uns com os outros, é calor...
Uns o guardam como febre (& ela é fria), assim como a indiferença ou a rejeição,
Outros guardam como ardor (que é quente), como a fúria & a dominação;
& medimos no termômetro das memórias: lembranças que nos acusam, esquecimentos que nos absolvem!
É preciso conhecer a fundo uns aos outros para trocar mais que as queimaduras do fogo & do gelo... É preciso ser distante para não molestar, ou próximo o bastante para cuidar,
É preciso levantar a cada dia & sobreviver ao ardor da alma & à febre do corpo nas formas de ressaca moral & o delírio da insatisfação;
Sobreviver para padecer mais, pois ali onde se fere febril, é tambem onde arde o fogo tênue que nos mantém viril.



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